Garantia de vida

A alteração contratual e extinção do seguro de pessoas

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19 de outubro de 2007, 23h00

No momento em que o Ministério Público de algumas unidades da Federação e várias associações de consumidores, muitas delas marcadas pela notória formação oportunista, ingressam com medidas judiciais contra alterações e extinções de seguros de pessoas, convém trazer ao público alguns necessários esclarecimentos para a correta abordagem da questão.

O seguro de pessoas, como a própria denominação sugere, garante o segurado contra riscos pessoais, tais como: morte, acidentes, doenças, invalidez e outros.

Os mais importantes nesse ramo são os de vida e acidentes pessoais. Em suas origens, o seguro de vida era contratado individualmente. Consta que a contratação coletiva desse seguro teve sua primeira instrumentação no Brasil, em 1929.

O processo de contratação de um seguro de pessoas em grupo se desenvolve no interior de um agrupamento vinculado a uma pessoa física ou jurídica que estipula o seguro em favor do mesmo. Por exemplo, uma empresa em favor de seus funcionários.

O estipulante celebra com a seguradora um contrato matriz, contendo, entre outras disposições, as garantias, riscos excluídos, a disciplina da adesão ou da inclusão de novos componentes e beneficiários, a taxa de prêmio, o período de vigência e os critérios determinantes da extinção do contrato mestre.

A questão aqui debatida diz respeito a possíveis modificações durante a vigência de um seguro desse tipo, ou mesmo a extinção da apólice-mestra.

Cuidamos aqui da exigência contida no parágrafo 2º do artigo 801 do Código Civil, que determina, para modificação de uma apólice em vigor, a anuência expressa de segurados na proporção de 75% do grupo formado pelo estipulante. Tal exigência deve ser tratada com redobrada precaução.

O estipulante normalmente faz a intermediação de todas as comunicações entre a seguradora e o grupo de segurados por ele formado, inclusive recolhendo os prêmios devidos e promovendo o pagamento do capital segurado previsto na apólice, se ocorrente um sinistro.

Daí porque alguns segurados chegam a ter a impressão (equivocada) de que a relação se desenvolve somente entre eles e o estipulante.

Levando em conta a existência de estipulantes descuidados ou mesmo inescrupulosos, por vezes identificados com os interesses da seguradora em detrimento dos segurados, cuidou o legislador estabelecer a exigência aqui referida de modo a restringir os poderes de representação do estipulante, vedando-lhe a alteração do contrato por seu arbítrio. Mas a exigência também produz “efeitos colaterais.”

Há o risco, por exemplo, de se “engessar” a contratação, impedindo eventuais ajustes necessários ao equilíbrio contratual, dada a dificuldade em obter a anuência expressa dos segurados na proporção exigida, o que pode redundar em prejuízo daqueles a quem a regra visa proteger.

A razoabilidade demanda que somente as mudanças que tragam desvantagens ou ônus para os segurados sejam atingidas pela exigência aqui tratada.

Por vezes, a alteração do contrato se faz imperiosa em salvaguarda do grupo segurado, razão pela qual a referida exigência não deve ser observada cegamente, mesmo na hipótese de aparente imposição de ônus ou restrição de direitos ao grupo.

Referimo-nos aos casos em que a composição do grupo e a natureza dos riscos subscritos sofrem mudanças imprevistas de tal amplitude que o contrato fica desprovido de condições mínimas para a sua sustentabilidade, acarretando graves danos ao próprio grupo segurado que equivocadamente deseje mantê-lo engessado.

Nesses casos, a alteração (ou mesmo a extinção) do contrato haverá de ser permitida mediante a demonstração, por meio de atuários independentes, do grave desequilíbrio contratual eventualmente apontado.

Visando melhor disciplinar a questão, o projeto de lei 3.555/04, por exemplo, ora em trâmite na Câmara dos Deputados, estabelece em seu artigo 130 que “salvo se a seguradora encerrar operações no ramo ou modalidade, a recusa de renovação de qualquer seguro sobre a vida e a integridade física será subordinada à comunicação de sua intenção ao segurado e à oferta de outro seguro que ofereça garantia a preços similares, com antecedência mínima de 90 dias, vedadas carências e direito de recusa de prestação em virtude de fatos preexistentes.”

No parágrafo único que se segue, ordena-se que igual comunicação seja enviada, com a mesma antecedência ao órgão fiscalizador competente, que autorizará a substituição.

Tal dispositivo, como se vê, visa resguardar o direito legítimo do segurador de não prosseguir com a comercialização de um produto economicamente insustentável, mas compatibilizando-o com a igualmente legítima expectativa do consumidor em ver preservada uma relação de natureza inegavelmente continuativa.

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