Morosidade judiciária

Às vezes, é o juiz que não cumpre os prazos processuais

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8 de outubro de 2007, 18h52

“O peso dos encargos produz, primeiro o trabalho; o trabalho produz o cansaço; o cansaço produz o espírito de preguiça.”

MONTESQUIEU – O espírito das Leis

Via de regra, quando se discute sobre a morosidade da Justiça, sempre é imputado aos advogados a sua causa, eis que esses sempre entram com recursos, recursos e mais recursos. No tangente à oposição de recursos, tal não só é verdade como é igualmente honroso, pois se não fizessem isso, estes profissionais do Direito prevaricariam[1]. No entanto, quanto à morosidade, o mesmo não pode ser dito. E não pode ser dito porque os advogados (assim como os ilustres membros do Ministério Público) estão sujeitos a prazos — aqueles atos que sempre implicam aprazimento (e o aprazimento que cabe aos advogados e aos ilustres membros do Ministério Público apóia-se na conjugação do verbo aprazar[2], não do verbo aprazer[3]).

Deste modo, uma vez que aos advogados é inescusável descumprir prazos, a esses não pode ser atribuído o retardamento do processo. Afinal quem cumpre prazo não pode atrasar. Quem, então, estaria a não cumprir prazos? Em alguns raríssimos casos — surpreenda-se, os juízes de Direito.

Porém, como cidadãos, nós advogados podemos lutar para tentar corrigir os hábitos destes raros juízes que preferem o aprazer ao aprazar. E temos uns bons capangas para ingressar nessa luta: o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e a Constituição Federal.

Por determinação expressa do Código do Código de Processo Civil[4], o juiz deve proferir seus despachos de expediente, no prazo de dois dias e suas decisões, no prazo de dez dias (o que, via de regra, ocorre no Judiciário paulistano). Se isso não acontecer, de acordo com a legislação penal, tanto os juízes como os membros do Ministério Público “perderão tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos”. Além disso, “na contagem do tempo de serviço, para o efeito de promoção e aposentadoria, a perda será do dobro dos dias excedidos” [5].

Afinal, se assim agissem os zelosos magistrados, certamente seriam punidos por nosso igualmente zeloso egrégio Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Sim, seriam punidos porque, em decorrência do disposto pelo artigo 186, iii, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo[6], o Conselho Superior da Magistratura pode impor sanção a juiz de Direito, pelo retardamento em despachos e decisões, na forma dos artigos 801[7] e 802[8] do Código de Processo Penal.

Em decorrência da Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, um novo e incisivo inciso foi incluído no artigo 5º da Constituição Federal, o septuagésimo oitavo. Ei-lo:-

“artigo 5º da Constituição Federal – TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, SEM DISTINÇÃO DE QUALQUER NATUREZA, GARANTINDO-SE AOS BRASILEIROS E AOS ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, À LIBERDADE, À IGUALDADE, À SEGURANÇA E À PROPRIEDADE, NOS TERMOS SEGUINTES:

(…)

lxxviii – A TODOS, NO ÂMBITO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO, SÃO ASSEGURADOS A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DE SUA TRAMITAÇÃO”.

E essa garantia fundamental foi consagrada no último dia de 2004, quando passou a vigorar com eficácia plena.

Contudo, como sempre, há uma corrente diversa. Essa acredita que cabe ao legislador adaptar os prazos processuais ao que o inciso lxxviii trata como “razoável” — ou seja, entende que a eficácia constitucional é contida, o que não prejudica a sua plena eficácia de próton. É que sendo uma norma constitucional de eficácia contida, enquanto não for regulamentada, sua eficácia será plena. Enquanto o legislador ordinário não intervier, restringindo sua extensão, sua eficácia será plena até que seu campo de ação seja reduzido, a posteriori, pelo legislador — e como não existe, por enquanto, uma lei regulamentando esta matéria, é indiscutível que sua aplicabilidade é de ser imediata.

Enfim, temos elementos para agilizar o processo, apoiados em um direito fundamental, eis que vivemos em um país, não numa porção territorial. Contra os maus juízes poderão ser feitas reclamações no Conselho Superior da Magistratura, bem como impetrados mandados de segurança.


[1] artigo 319 do Código Penal– Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

[2] Aprazar é o ato de marcar, determinar (prazo, tempo, data) para alguém em relação a alguma coisa.

[3] Aprazer é o ato que implica 1) causar prazer, ser aprazível; 2) sentir prazer, agradar, contentantar-se, deleitar-se.

[4] artigo 189 do Código de Processo Civil – O juiz proferirá:

I – os despachos de expediente, no prazo de 2 (dois) dias;

II – as decisões, no prazo de 10 (dez) dias.

[5] Vide nota nº 7.

[6] artigo 186, inciso III, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Compete ao Conselho Superior da Magistratura:

(…)

iii – impor sanção a juiz de Direito, pelo retardamento em despachos e decisões, na forma dos arts. 801 e 802 do Código de Processo Penal.

§ único – Nenhuma das medidas previstas nos incisos II e III será tomada sem que se faculte ao juiz o direito de resposta, se se cuidar da representação da parte ou do interessado; e, em qualquer caso, a providência observará o resguardo devido à dignidade e à independência do magistrado.

[7] artigo 801 do Código Penal – Findos os respectivos prazos, os juízes e os órgãos do Ministério Público, responsáveis pelo retardamento, perderão tantos dias de vencimentos quantos forem os excedidos. Na contagem do tempo de serviço, para o efeito de promoção e aposentadoria, a perda será do dobro dos dias excedidos.

[8] artigo 802 do Código Penal – O desconto referido no artigo antecedente far-se-á à vista da certidão do escrivão do processo ou do secretário do tribunal, que deverão, de ofício, ou a requerimento de qualquer interessado, remetê-la às repartições encarregadas do pagamento e da contagem do tempo de serviço, sob pena de incorrerem, de pleno direito, na multa de quinhentos mil-réis, imposta por autoridade fiscal.

Autores

  • é advogado paulistano com dedicação às questões relativas a direito e tecnologia das informações. Além de autor de diversos outros livros, é partícipe da coletânea ATA NOTARIAL (SAFe [Porto Alegre], 2004, 1ª Edição). Foi o coordenador de cursos sobre a importância da ata notarial em diversos Estados, em 2004

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