Leis e notícias

O ministro, os procuradores, e agora, os jornalistas

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15 de março de 2007, 12h44

Tanto não pode um juiz acusar sem fundamento, como fez o ministro Joaquim Barbosa, do STF, imputando ao advogado e ex-ministro Maurício Corrêa o crime de tráfico de influência, quanto não deve uma reportagem sugestionar os leitores, deixando-lhes a impressão de que um juiz do Supremo descumpriu sua função de julgar com imparcialidade.

A matéria hostil deixa o magistrado em desvantagem porque, pela natureza do seu cargo, ele não pode entregar-se a polêmicas e bate-bocas. Só leigos podem impressionar-se com a insinuação de que houve os erros imputados ao ministro Gilmar Mendes na reportagem da Folha de domingo, dia 11, pois os critérios da lei, de aplicação obrigatória, muitas vezes não coincidem com os da opinião pública.

É visível a balela de que Mendes teria enriquecido, ilicitamente, dando aulas em curso jurídico de que seria quotista, “no horário de trabalho”, quando advogado-geral da União, cargo que se exerce todo tempo, sem recebimento de horas extras.

A improbidade consistiria na remuneração das tais aulas, segundo a ação, proposta por procurador sabidamente singular nos seus juízos, que tem dado mostras de achar que a inocência é desaforo.

Tolice supor que um ministro da Suprema Corte se indispusesse com o Ministério Público em geral por causa de uma ação sem pé nem cabeça, proposta por um dos membros da instituição. Milhares de vezes, após a ação, o ministro prestigiou o Ministério Público, adotando seus pareceres.

Gilmar Mendes, respeitado por sua cultura de um dos melhores constitucionalistas brasileiros, não decide sozinho. Os seus votos só prevalecem se acompanhados pelos demais ministros, mulheres e homens de notável saber e reputação ilibada, requisitos constitucionais da sua investidura.

Seria tolice acreditar que esses ministros pudessem acompanhar às cegas o voto de um relator. Isso nunca acontece, como demonstram os anais da jurisprudência, nos quais se vê que, em dúvida, o ministro pede para examinar pessoalmente o processo.

Censure-se, então, a reportagem também no ponto em que, tal como compreenderão os leitores, ela faz ao Supremo Tribunal Federal a acusação gravíssima de haver seguido Mendes, trancando, indevidamente, ações contra magistrados e réus denunciados pela Operação Anaconda.

Antes de criticar de modo consistente um julgamento, é indispensável examiná-lo, inclusive com a ajuda de especialistas. Freqüentemente, o homem da rua não entende e não aprova decisões judiciais como a do STF que rejeitou a denúncia do procurador-geral da República contra Fernando Collor por considerá-la inepta, o que, em linguagem técnica, significa apenas a falta de aptidão para apresentar um pedido à Justiça.

Quando, cortejando a opinião pública, oscilante nos seus julgamentos, o juiz negar a proteção do direito a quem, segundo a voz corrente, seja culpado, ele estará abrindo caminho para a desproteção dos inocentes.

Reconheça-se que, muitas vezes, se torna difícil compreender certos julgamentos sem a adequada formação jurídica. O homem da rua não aceita que um tribunal aplique o inciso LVII do artigo 5º da Constituição (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”) quando se tratar de pessoa para cuja culpa, segundo a mídia, todos os fatos apontam. Também não entende como uma sentença, clamorosamente ilegal, prevaleça apenas porque a parte perdeu, por um dia, o prazo para recorrer dela.

Podem-se criticar as decisões dos juízes.

Assim procedem, diariamente, os advogados, em especial quando recorremos delas. Uma coisa, entretanto, é criticar os pronunciamentos; outra é noticiá-los de modo a influenciar o leitor, deixando nele a impressão de que houve um julgamento propositalmente errôneo para beneficiar alguém. A matéria jornalística não poderia qualificar de erradas as decisões do ministro, nem insinuar isso, senão depois do exaustivo exame das circunstâncias processuais em que ele as proferiu.

A reportagem saiu do sério, publicando a insólita declaração de uma procuradora, de que seria pretensiosa e ofensiva a decisão do ministro Gilmar Mendes que julgou inepta denúncia subscrita por Claudio Fonteles. Muito ilustre embora, esse procurador não está imune dos erros que autenticam a humanidade de cada um. Agrippino Grieco apontou cincas e tropeços dos melhores autores no livro “Disparates de Todos Nós”.

Deplorável e deprimente é que uma reportagem de jornal desperte, pelo descuido na elaboração, conjecturas de desavisados e desencadeie maledicências. Dê-se razão a Beaumarchais: depois da calúnia, alguma coisa sempre fica.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 15/03/2007

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