Lei dos outdoors

Cidadão pode sofrer restrição indevida com a Lei dos outdoors

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2 de janeiro de 2007, 6h00

São Paulo não constitui exceção à realidade das grandes metrópoles que vivem o problema da ocupação “errática” do espaço urbano disponível para anúncios em fachadas ou placas em locais púbicos. Projetos de lei procurando evitar a poluição visual nos espaços urbanos — como a Lei 14.223/06, que dispôs sobre “a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana, visíveis a partir de logradouro público” — já existem há muito tempo. Portanto, a nova lei não constituiu surpresa para a cidade. Entretanto, sua aplicação tem gerado acalorados debates e os direitos individuais dos cidadãos podem sofrer restrições indevidas.

O primeiro aspecto que chama a atenção é o nível de detalhe existente na lei para a definição dos vários elementos visuais que pretende regrar. Outro aspecto é a grande extensão de seus “objetivos”, das suas “diretrizes” e das “estratégias” de implantação das políticas por ela determinadas. Diante de tantos detalhes e especificações, certamente será sempre difícil interpretar as várias situações concretas que deverão ser submetidas à lei com o passar do tempo.

Por outro lado, é uma lei por demais ampla na delimitação das regras. Há linhas gerais nas regras a serem observadas pelas comunicações visuais, deixando que o poder público decida sobre casos concretos. Isso dará às autoridades municipais um amplo grau de discrição ao analisarem os pedidos de anúncios, o que certamente gerará um razoável contencioso e a criação de uma custosa e demorada burocracia para a aprovação das mensagens desejadas pelos cidadãos.

O Decreto 47.950, de 5 de dezembro deste ano, que regulamentou a lei pouco ajudou nesse particular. Apenas repetiu os conceitos legais, definindo os órgãos competentes para aplicar os preceitos da nova legislação. O que mais preocupa é o exíguo prazo para adaptação às novas regras. “Todos os anúncios especiais autorizados e indicativos já licenciados deverão se adequar ao disposto” na lei até 31 de dezembro de 2006, admitida uma única prorrogação de até 90 dias em casos justificados, “mediante requerimento”, a ser decidido pelas autoridades municipais.

A lei define “anúncio indicativo” como sendo aquele “que visa apenas identificar, no próprio local da atividade”, os estabelecimentos ou profissionais que dele fazem uso. Os anúncios especiais são aqueles que possuem “características específicas, com finalidade cultural, eleitoral, educativa ou imobiliária”. Como não havia regras tão definidas, a lei coloca uma série de problemas para as empresas que ao longo do tempo gastaram recursos na construção de uma identidade visual.

Em caso de bancos, supermercados, lojas de conveniência, cadeias de alimentação, redes de varejo em geral, os gastos poderão ser enormes na “adaptação” à nova lei. Além das despesas com a reconstrução de fachadas, as empresas podem sofrer vultosos prejuízos decorrentes da confusão de imagem perante os seus consumidores, que levarão tempo para identificar os estabelecimentos antes localizados com um simples olhar para os dísticos apostos nos imóveis. Isso pode significar, concretamente, perdas de vendas.

Ainda que os propósitos da lei sejam louváveis, as suas normas mereceriam uma transição mais gradual e lenta. Primeiramente, poderiam ser obrigatórias somente a partir da vigência do novo decreto, que estabeleceu os órgãos responsáveis e os procedimentos de solicitação de aprovação. Em segundo lugar, melhor seria que houvesse o prazo de um ano para a pretendida adaptação, onde essas situações de construção de imagem poderiam ser destacadas de outras, onde existe apenas o apelo publicitário.

Essa simples providência, por sinal, respeitaria situações contratuais existentes que não podem ser simplesmente ignoradas, sob pena de indenização por parte do poder público. Em terceiro lugar, um período mais longo de implantação permitiria às próprias autoridades identificar todas as situações existentes, abrindo margem a interpretações mais inteligentes e diferenciadas das novas regras.

Ou seja, por qualquer ângulo que se olhe seria mais prudente um período mais lato de adaptação. Sob o ponto de vista estritamente jurídico, há que se respeitar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Essa precipitação da lei não se justifica já que a cidade conviveu todos esses anos com a situação atual, nada impedindo que haja uma transição inteligente e ordenada para a nova realidade propugnada. Finalmente, não podemos desprezar a competência constitucional do município para estabelecer regras tão abrangentes sobre imóveis particulares.

O uso da propriedade, nos termos da Constituição, sofre limitações em nome do interesse público. Porém, essas restrições não podem ser de molde a ferir direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos, tampouco a invadir competências de outros níveis de governo. Vale ressaltar que é o Código Civil — lei nacional aplicável à União, aos estados e aos municípios — que regula a propriedade imóvel.

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