Medida de urgência

Com ou sem CPMF, é preciso pensar numa reforma tributária

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27 de dezembro de 2007, 23h00

A decisão do Senado de vetar a prorrogação da CPMF trouxe novamente à pauta saudáveis discussões sobre a carga tributária brasileira, seus desequilíbrios e a necessidade de uma reforma tributária urgente.

É certo que testemunhamos uma derrota política do Poder Executivo, talvez movida por falhas negociais no processo político ou mesmo pelo desejo do Senado de se reabilitar perante a sociedade diante da grave crise que recentemente vivenciou.

Mas não podemos ser proibidos de sonhar. Sonhar que o Senado teve autonomia para dar um basta na sede de arrecadação do Poder Executivo e não aceita mais emendas à Constituição que só fazem ruir a força normativa da Carta Magna; que o Poder Executivo terá maturidade suficiente para demonstrar ao mercado a sua capacidade de conviver com o processo democrático e fazer os ajustes fiscais necessários; e sonhar que estamos caminhando, finalmente, para uma reforma tributária estrutural para amenizar a perversidade de nossa carga, pecaminosa pelo seu tamanho e por seus desequilíbrios.

A CPMF possui lastro inspiracional no IPMF, que incidia à alíquota de 0,25% sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira e também se dizia de caráter provisório.

A CPMF surgiu com o acréscimo do artigo 74 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), a partir da Emenda Constitucional 12/96, que possibilitou à União instituir contribuição provisória sobre movimentação financeira, à alíquota máxima de 0,25%, podendo o Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, numa excepcionalidade ao princípio rígido da legalidade (artigo 150, I, CF/88), tal como nos tributos regulatórios.

Seguiu pela edição da Lei 9.311/96, que desenhou a hipótese de incidência do tributo, bem como a duração de treze meses, estendida para 24 meses pela Lei 9.539/97, conforme autorização dada pela Emenda Constitucional 12/96. Depois as Emendas Constitucionais 21/99, 37/2002 e 42/03, seqüencialmente, prorrogaram a cobrança do tributo até 31/12/2007, com a manutenção das alíquotas.

O fundamento desse tributo sempre foi de que o produto da arrecadação deveria se destinar ao custeio da saúde pública o que, em parte, não é verdadeiro, pela desvinculação de 20% da arrecadação se destinar ao pagamento da dívida pública.

Lá se vão mais de dez anos de cobrança de um tributo que nasceu para ser provisório, mas, de forma constante, vem agredindo a desenho constitucional de origem com novas e repetidas emendas de prorrogação.

Quais as vantagens e desvantagens da CPMF? A atração do Governo Federal por este tributo reside na alta capacidade de arrecadação e na facilidade de fiscalização. A CPMF tem base de incidência alargada, sem depuração de capacidade contributiva, numa alíquota reduzida e com um número ínfimo de pessoas jurídicas responsáveis pelo recolhimento do tributo. Outra característica interessante é a sua face extrafiscal, ou seja, por se tratar de um tributo que incide diretamente na movimentação bancária, num país com sofisticado sistema financeiro e com a economia concentrada nele, a CPMF passou a ser um instrumento de fiscalização eficaz para controle da renda declarada pelo contribuinte.

Se estas são as características positivas da CPMF, ela já vai tarde. Para sua função extrafiscal (controle), o Poder Executivo — até que o STF diga o contrário — detém instrumentos legais suficientes, não necessitando da CPMF (Lei Complementar 105/01). Por outro lado, a CPMF, ao incidir sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, assim entendida como liquidação de operações bancárias que representem circulação escritural ou física da moeda, curiosamente estará sempre tributando um fato já alvo de outros tributos. As importâncias são retiradas das contas bancárias para: a) pagamento de produtos e serviços que já foram objeto de cobrança dos tributos sobre o consumo; b) aquisição de patrimônio, alvo de tributação de outros tributos sobre ele existentes; e c) ao final, a tributação da própria renda que já foi alvo de tributação na fonte.

Assim, a CPMF veio tributar supostos sinais de riqueza que eram alvo de outros tributos e, quando não alcança tais signos presuntivos, certamente fere a capacidade econômica. Apenas para ilustrar, a soma das contribuições supostamente destinadas ao custeio da Seguridade Social (PIS, Cofins, CSLL e CPMF) totaliza 45,07% da carga tributária, sendo três delas (PIS, Cofins, CPMF) com alvo direto sobre o consumo. E, se focarmos no consumo, não podemos nos esquecer do ICMS, IPI e do ISSQN.

Além disso, incidindo em toda e qualquer movimentação ou transmissão de valores, a CPMF torna-se um tributo plurifásico e cumulativo, o que atrai as mazelas apontadas pelos economistas: distorção dos preços, verticalização dos setores econômicos e rompimento da neutralidade na competitividade; desestímulo à exportação; estímulo à importação de bens e efeitos nos preços finais de aumento progressivo, o que somente não é sentido de forma mais aguda por conta de uma alíquota atualmente reduzida.

A CPMF é mais um sinal de um Sistema Tributário capenga, altamente regressivo e fortemente assentado em tributos incidentes sobre o consumo, enquanto a renda e o patrimônio dos contribuintes economicamente mais fortes são aliviados ou desonerados.

Num primeiro momento, o Governo Federal deve se valer de majorações nas alíquotas de IOF, PIS e Cofins, além de reduzir gastos e revogar incentivos para reequilibrar as suas finanças. Com ou sem CPMF, é urgente repensarmos numa Reforma Tributária estrutural que proteja o federalismo, desonere o consumo, reduza a regressividade e privilegie a produção.

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