Desmonte do Estado

Reduzir férias de juízes desestimula ingresso na carreira

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28 de agosto de 2007, 18h51

Iniciado o maior julgamento criminal de políticos da história do Brasil, ao mesmo tempo (coincidentemente), o Judiciário volta a ser atacado novamente como a ‘bola da vez’. Seria isso uma estratégia para tentar desviar a atenção da opinião pública, ou, para tentar desmoralizar o julgamento do Supremo Tribunal Federal?

Bastou o STF iniciar o julgamento dos 40 políticos acusados pelo Procurador-Geral da República da ‘quadrilha do mensalão’ e voltaram as acusações na mídia contra o Judiciário, dentro daquela velha tática de ‘distrair a sociedade’ com outros assuntos, e, ‘intimidar’ ou esvaziar o julgamento dos ex-membros do governo.

Desta vez ‘escalaram’ o respeitável Senador paulista — economista Eduardo Matarazzo Suplicy — para apresentar um Projeto de Lei bem polêmico, ‘barulhento’, e comover a população propondo a redução das férias de juízes e promotores.

Alega a justificativa do Projeto de Lei 374/07 — de forma inverídica — que os juízes e promotores trabalham somente durante 183 dias por ano.

Assim, não escondem o desejo de sempre tentarem ver o Judiciário numa posição antipática, e assim esqueçamos as várias mazelas do Executivo e do parlamento.

Para isso, agora, utilizaram um modelo curioso de calendário com matemática ‘criativa’: somaram os 102 sábados/domingos do ano; os feriados de Carnaval; da Semana Santa; 07 de setembro; Natal; Ano-novo; 21 de abril; 01 de maio, etc… como se fossem folgas exclusivamente dadas só para os juízes e promotores.

Mas, deixando de lado a análise desse aspecto demagógico do projeto, qualquer advogado sabe que ele padece de insanável vício de inconstitucionalidade (nati-morto), pois é matéria de iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal (LOMAN). Mesmo assim, necessitamos registrar que nem todo juiz consegue ficar sem trabalhar todos os feriados, sábados e domingos, como pensam e argumentam.

Não raro, magistrados levam dezenas de processos para casa e ainda assim, nos seus gabinetes, empilham-se centenas de outros ante a crescente demanda diária.

Aliás, exatamente porque o juiz é obrigado a gastar muito tempo presidindo audiências (de segunda a sexta-feira) é que necessita de tempo extra para estudar e decidir (sentenciar) às vezes em casa, ou a noite, ou sábado, domingo, etc…

De outro lado sabemos que os mandatários têm que comparecer obrigatoriamente a Brasília, nas reuniões do Senado apenas nas terças, quartas e quintas (03 dias/ semana = 12 dias/mês) totalizando só 120 dias/ano de trabalho nos dez meses de funcionamento do Congresso. Isso lhes proporcionam 245 dias de descanso/ano, aliás, número esse bem diferente dos ‘mortais’ servidores que têm direito a 142 dias (102 sábados/domingos + 30 de férias + 10 de feriados).

Então, vê-se claramente que o projeto de lei é parte do ‘jogo do xadrez político’ que tenta incutir na população uma idéia (falsa) de que o juiz trabalha pouco, apenas nas audiências no Fórum, de 13h às 18h, e precisam ser ‘punidos’.

Ocorre, são incontáveis os magistrados que até durante as férias reservam tempo para colocar processos em dia, sem se dedicar somente aos familiares.

Tudo se agrava nas Comarcas do interior onde existem chamamentos na madrugada: emergências, pedidos de prisão pela polícia, de alvarás de soltura, questões envolvendo menores, famílias, hospitalares, etc… sem falar de eventuais ameaças reais que sofrem e que nem sempre podem ser divulgadas.

Junto com os professores (magistério), com os membros do Ministério Público e os parlamentares, a magistratura tem dois meses de férias — há décadas — pois são serviços públicos que requerem maior grau de trabalho intelectual sem hora para começar nem para acabar. Infelizmente não termina às 18h como na maioria dos casos em geral, que podem se ‘desligar’ do serviço, após ‘bater o ponto’.

Tanto é verdade, que os professores corrigem e preparam provas; estudam e preparam aulas, etc… não raro, nos finais de semana e muitas vezes durante a noite, na própria casa. Merecem então dois meses de férias a compensar a jornada que ultrapassa 8 horas por dia — mais de 45 horas semanais — sem direito a hora extra!

Com alto grau de responsabilidade, tensão e sobrecarga de trabalho, recente pesquisa médica apurou que 65% dos magistrados de Belo Horizonte dormem induzidos por medicamentos.

Reduzindo para um mês as férias, haverá maior desestimulo para o ingresso na importante carreira da magistratura, tornando-a menos atrativa aos advogados sérios e honestos. Será resultado da cartilha do ‘desmonte’ do Estado Democrático e suas instituições. Caminhamos para recrutar profissionais desqualificados com maiores chances de erros judiciários e aumento da morosidade, num desprestígio indireto para os advogados, promotores, defensores públicos, cidadãos, etc… E surgindo esse Judiciário fraco, cabisbaixo, serão exatamente os mais humildes os que mais sofrerão sem ter um ‘porto seguro’ e forte a enfrentar eventuais abusos cometidos pelos mais ricos e o poder público (governo), o descaso na previdência, o abandono da saúde, a violação das aposentadorias, a criminalidade, etc.

Vejam: há cinco anos atrás o concurso para juiz de Direito em São Paulo teve cerca de 10 mil candidatos. Hoje, apesar do desemprego e aumento dos formados em Direito teve apenas 4 mil candidatos!

Evidente que sem o direito a compensar dias e horas extras trabalhadas, o juiz passará a fechar o Fórum às 18h após 8h de trabalho, deixando lá todos processos. A justiça ficará pior, para que, num círculo vicioso, possam criticá-la ainda mais!

De outro lado, por quê tal projeto de lei não propôs reduzir também para 30 dias o recesso parlamentar, e não os obriga também a darem presença em todas reuniões das segundas e das sextas, como um bom exemplo de alto espírito público?

Aos Senadores, diferentemente, a proposta não mudou o direito a 120 dias de trabalho/ano (no Senado) nem alterou o total de 245 dias de ‘férias’ anuais!

Enfim, o projeto pode até ser polêmico e curioso, mas falta coerência e ética.

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