Depósito prévio

Quem não recorreu na Receita pode ter uma segunda chance

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18 de abril de 2007, 14h14

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a exigência de depósito prévio de 30 % do valor lançado em autos de infração e imposição de multa para permitir recurso ao Conselho de Contribuintes da Receita Federal.

Tal decisão, embora ainda limitada aos contribuintes que procuraram a prestação jurisdicional naquele processo, tem alcance muito maior do que se possa pensar.

Ocorre que ela fixa o entendimento do Supremo, que deve se repetir nas milhares de ações análogas que tratam do tema, e obrigará a administração tributária a retirar esse dispositivo legal, proporcionando ao contribuinte o justo e necessário acesso ao órgão julgador administrativo sem restrições de ordem monetária.

Além do mais, conseqüência indireta será a paralisação de processos de execução fiscal em andamento, para que o processo seja julgado novamente pela administração, ou a anulação de créditos tributários em execução, em face de vícios procedimentais.

Isso porque o contribuinte poderá, nesses casos, demonstrar que deixou de recorrer em virtude de barreira intransponível para o exercício da defesa, qual seja, a obrigação de depositar, antes mesmo que o fisco tivesse certeza do valor que exigiria, já que essa certeza só se configura ao fim do processo administrativo tributário.

Vale explicar: a constituição de um crédito tributário é um ato administrativo complexo, que obedece a diversas etapas nas quais se deve seguir rigorosamente o devido processo e as leis em vigor. Ela começa com o lançamento, que é o ato da autoridade fiscal que exige o imposto e comina penalidades, em conformidade com o disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional.

A seguir, deve-se obrigatoriamente dar ao contribuinte a oportunidade de contestar o ato, exercendo plenamente o seu direito constitucional à ampla defesa, com o que se inicia o processo administrativo tributário, o qual passa por duas etapas: a primeira, com o julgamento realizado por um julgador singular, agente do poder público, que pode ou não considerar o lançamento procedente. O contribuinte poderá, a seu critério, recorrer da decisão desse julgador, interpondo recurso ao órgão julgador de segunda instância, o qual necessariamente é colegiado, composto por representantes dos contribuintes e do fisco.

A obrigatoriedade de depósito prévio vem de encontro ao pleno exercício do direito de defesa, já que impede, ou dificulta, o acesso do contribuinte justamente àquele órgão no qual poderia encontrar um tratamento mais imparcial aos seus reclamos do que naqueles em que somente agentes públicos decidem.

Tal exigência tem como premissa a equivocada percepção de que agindo dessa forma se asseguraria a celeridade processual e se tornaria mais ágil o processo de constituição definitiva do crédito tributário. Mas seu efeito perverso é o de deixar de conferir a certeza e a segurança ao ato administrativo, deixando a administração de exercer a necessária autotutela de seus atos, e com isso fazendo desembocar no Judiciário processos mal instruídos, aumentando o risco da sucumbência e do prejuízo ao interesse público que aparentemente se quis proteger.

A decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal demonstra claramente esse equívoco. Ao condenar a exigência do depósito prévio, trouxe como conseqüência lógica a invalidade dos processos de execução nos quais o contribuinte deixou de recorrer, porque não houve o cumprimento de formalidade essencial de constituição. Destarte, milhares de processos de execução fiscal poderão ter que retornar à esfera administrativa para que sejam julgados pelo órgão colegiado que deixou de apreciá-los.

Ao contribuinte, cabe buscar a tutela judicial para assegurar seus direitos que tinham sido cerceados.

À administração pública, que fique a lição de que o respeito ao devido processo legal não é apenas medida de obediência a normas abstratas, mas também é medida de economia e de atendimento ao interesse público.

É esse o escopo de sua atividade, e não o mero interesse arrecadatório.

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