Presente e futuro

Criança que trabalha hoje será o jovem desempregado de amanhã

Autor

  • Andréa Nocchi

    é juíza do Trabalho no Rio Grande do Sul e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

13 de novembro de 2006, 6h00

Estudos recentes demonstram que o desemprego atinge fortemente os jovens em busca do primeiro emprego. Segundo dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) — referentes à Pnad/IBGE 2005 — no Brasil, o desemprego dos jovens entre 15 a 24 anos é de 19,1%, com expressão mais perversa no caso de mulheres e negros, cujos índices são de 24,7% e de 20,4% respectivamente. Ainda, 57,4% dos jovens empregados não têm carteira assinada, trabalhando sem qualquer proteção legal.

No entanto, essa expressão cruel das relações de (des)emprego é somada, paradoxalmente, aos mais altos índices de trabalho infantil no mundo: estima-se cerca de 4 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 16 anos trabalhando no Brasil de hoje.

Vivemos o drama da juventude desempregada e sem futuro. Negar direito ao trabalho é condenar os jovens ao desalento e à desesperança. Sem trabalho digno, tornam-se alvo fácil do crime organizado, das drogas, do tráfico e da prostituição.

Além do desemprego, esses jovens estão despreparados para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. A falência do ensino de qualidade na rede pública e dos bons cursos profissionalizantes impõe aos jovens pobres, especialmente aos negros, uma cruel realidade. A origem do problema está na infância abandonada e sem acesso à educação. Muitos dos jovens desempregados foram crianças que não tiveram direito à infância plena.

Muitas delas foram trabalhadoras e estiveram expostas a condições que comprometeram em definitivo sua saúde mental e física. Sabe-se que duas de cada dez crianças trabalhadoras não freqüentam a escola e, como conseqüência, a taxa de analfabetismo atinge 20,1%, contra 7,6% no caso de crianças que não trabalham.

Entre os jovens de 15 a 17 anos trabalhadores, somente 25,5% conseguiram concluir os oito anos de escolaridade básica. Entre os adolescentes que não trabalham, esse percentual é significativamente maior: 44,2%.

Portanto, além de conviverem com a falta de emprego, os jovens não têm acesso a postos de trabalho melhor remunerados porque lhes falta o instrumento básico: educação.

Falar sobre a necessidade de educação de qualidade desde a primeira infância e da necessidade de garantir as crianças e adolescentes uma infância segura com acesso à escola até concluir o ensino médio parece chover no molhado. Entretanto, a realidade assustadora evidenciada pelos números mencionados leva à convicção que, nos programas governamentais, a abordagem tem se mostrado ineficaz na tarefa de inclusão da juventude no mercado de trabalho e na prevenção e combate ao trabalho infantil. As propostas permanecem no plano das idéias, do discurso, e não da prática política.

Os programas de incentivo ao primeiro emprego não obtiveram êxito e o percentual de desemprego permanece em crescimento. Iniciativas que gerem emprego para os jovens precisam contar, além de vontade política do governo federal, com o envolvimento dos governos estaduais e municipais, bem como com empresas e organizações não-governamentais, investindo também em projetos de formação profissional qualificada.

É urgente que se mude o rumo desta história. É do presente e do futuro de uma nação que estamos falando. Políticas públicas eficientes que garantam a inserção dos jovens no mercado de trabalho, como profissional ou na condição de aprendiz a partir de 14 anos, devem ser prioridade dos governantes. Construir alternativas para estes jovens é condição indispensável para o rompimento com a situação que os condena — quase que irremediavelmente — à exclusão, pobreza e marginalização.

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  • é juíza do Trabalho no Rio Grande do Sul e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

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