Cláusula de barreira

Condenar legenda à clandestinidade é ir contra a democracia

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9 de novembro de 2006, 14h41

Anuncia-se para 2007 a aplicação da “cláusula de barreira”, decorrente da Lei 9.096/95, segundo a qual somente tem direito a funcionamento parlamentar o partido que, em cada eleição para a Câmara receber, no mínimo, 5% dos votos, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 2% de cada um deles.

O objetivo da norma é o estreitamento do quadro partidário, supostamente para facilitar a formação de maiorias parlamentares e reforçar a governabilidade. Os defensores da regra dizem que não há justificativa para tantos partidos, já que não existem tantas ideologias a serem representadas.

Assim, formou-se nas últimas semanas uma idéia de que a tal cláusula de barreira significa um aperfeiçoamento do nosso sistema político. Será mesmo? A importação acrítica de modelos de outros países não oferece a melhor resposta. Por exemplo, a experiência alemã ocorre no âmbito de um regime parlamentarista, no qual a fragmentação do quadro partidário afeta a governabilidade, de maneira imediata.

O mesmo não ocorre no regime presidencialista, em que os governos não são constituídos pelo parlamento, e sim por vontade direta do povo. É preciso olhar para o Brasil e refletir sobre características dos nossos processos históricos. Não são os pequenos partidos que dificultam a formação de maiorias parlamentares no Congresso, e sim a inexistência de uma clara hegemonia política em uma sociedade desigual e complexa. Não obstante, todos os governos, após a redemocratização, construíram maiorias parlamentares, ressalvados momentos de crises, as quais jamais derivaram da ação exclusiva de pequenos partidos.

Logo, a pluralidade partidária está pagando uma conta que não lhe pertence. De outro lado, também não resiste o argumento embasado na suposta correlação entre grandes correntes ideológicas e partidos políticos. Afinal, em termos programáticos o que distingue o PFL do PSDB?

Na verdade, em vários países admitem-se partidos que não se articulam mecanicamente com ideologias como o socialismo ou o liberalismo, por exemplo agremiações “verdes” ou defensoras de interesses regionais. Condenar tais legendas à “clandestinidade” seria uma barreira contra a democracia, sobretudo em nações em processo de construção institucional, como o Brasil. Portanto, é urgente a mudança da Lei 9.096/95, no contexto de uma reforma política mais ampla, que reveja as opções adotadas na Constituinte de 1988.

Mesmo que essa mudança não aconteça, a aplicação da cláusula de barreira não pode tolher o exercício dos mandatos obtidos nas urnas. Não há em nosso sistema constitucional amparo para a criação de deputados de “segunda classe” ou “zumbis”. Basta que se analisem os artigos 44 e seguintes da Constituição. Destacamos o artigo 58, parágrafo 1º, o qual assegura, na composição das Mesas e das Comissões, a proporcionalidade entre os vários partidos presentes nas Casas Parlamentares.

O cerceamento dos mandatos de parlamentares enfrenta duas ordens de obstáculos: seria antidemocrático, na medida em que desrespeitaria a vontade popular, e anti-econômico, pois deputados seriam remunerados igualmente para trabalharem menos que os demais. Ademais, a privação total do funcionamento parlamentar levaria a uma insustentável contradição: um partido não poderia atuar no Congresso mas manteria a legitimidade para atuar perante o STF, provocando ações de inconstitucionalidade, ou para exercer a Chefia do Poder Executivo.

Ou seja, um partido seria menos representativo do que os demais no âmbito interno do Parlamento, e igualmente representativo no que se refere ao controle de constitucionalidade ou ao exercício do governo. Tudo isso se resume na conclusão de que “funcionamento parlamentar de acordo com a lei” (artigo 17, IV, da Constituição) jamais pode ser interpretado como proibição ao dito funcionamento.

Finalmente, lembramos que regras restritivas de direitos devem ser submetidas ao princípio constitucional da proporcionalidade, banindo-se limitações sem razoabilidade. Vejamos o caso do PCdoB. O nosso partido foi fundado há mais de 84 anos, período em que teve intensa participação na vida brasileira, apesar dos longos anos de cerceamento. Temos uma atuação destacada nos movimentos sindical, popular e da juventude. Representamos uma parcela específica do pensamento político contemporâneo, razão pela qual não admitimos a hipótese de extinção ou fusão com outros partidos.

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