Planeta terra

Tributos são eficazes quando usados para preservação ambiental

Autor

23 de março de 2006, 7h00

O meio ambiente, tema muito em voga no final do século passado e início deste, foi objeto de inúmeras conferências de âmbito global (Estocolmo em 1972, Rio de Janeiro em 1992, Kyoto em 97, para não citá-las todas), uma vez que é de vital importância que seja preservado.

No mundo desenvolvido de hoje, não é raro a falta de preocupação com a exploração indiscriminada dos recursos naturais renováveis, ocorrendo freqüentemente a socialização do prejuízo ambiental e a monopolização do lucro da exploração, onerando os contribuintes, consumidores e membros da coletividade.

Demais disso, é garantia constitucional, sem parâmetro em nenhum outro país, a qualidade de vida e a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (conforme o teor do artigo 225 da Constituição Federal).

A criação de uma tributação proibitiva (no sentido de onerar certas matérias-primas) relativa ao uso de determinados recursos naturais, além de necessária, é deveras coerente com as determinações da Carta Magna, daí a razão deste trabalho.

Além de taxas, manifestamente repressivas, pois implicam um ônus tributário, e que são comumente utilizadas com matizes de preservação, é de se ponderar a utilidade de desestimular certas atividades.

Dessa forma, o uso do Imposto de Renda, do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do Imposto sobre Produtos Industrializados, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, do Imposto sobre Serviços, entre outros, podem se caracterizar como impostos ambientais, ao lado das taxas, perseguindo um objetivo comum, que é a proteção ambiental.

Este ensaio tem como principal enfoque analisar, en passant, as possibilidades que o uso dos tributos com a finalidade de preservação do meio ambiente e que podem representar no cenário legislativo atual.

Prólogo dos tributos ambientais

A existência dos green taxes, tributos ecologicamente orientados, enceta a empreitada. Na verdade, trata-se de tributos que orientam a decisão política, econômica, de modo a tornar a opção ecologicamente mais correta e adequada (Ferraz, 2003, p. 167).

Destarte, tem como principal finalidade orientar a atividade empresarial, que antes somente era caracterizada pelo binômio custo/benefício, e agora pretende se evidenciar pelo trinômio custo/benefício/meio ambiente.

No Brasil, é muito comum o emprego da função extrafiscal do ICMS na preservação do meio ambiente. A Constituição Federal dispõe que 75% da arrecadação do ICMS seja destinada ao estado para a sua manutenção e investimentos, e 25% sejam distribuídos aos municípios (art. 158, IV).

De acordo com a legislação estadual de regência, muitos estados brasileiros vêm destinando essa parcela aos municípios que tenham manifestado preocupações com as questões ambientais.

O surgimento dessa figura se deu no Paraná no ano de 1990, em sua Constituição Estadual, artigo 132, sendo, posteriormente, regulado pela Lei Complementar 59/91, conhecida como “Lei do ICMS Ecológico”. Nessa lei complementar, era dito que 5% do total destinado aos municípios seriam repassados àqueles com unidades de conservação e com mananciais de abastecimento.

O estado de Minas Gerais também o fez, por meio da Lei Estadual 12.040/95, bem como o estado do Mato Grosso do Sul, que já dispunha de previsão em sua Constituição Estadual (artigo 153, parágrafo único, II) e a regulamentou com a Lei Complementar 57/91 (Zeola, 2003, p. 187).

No entanto, a grande dificuldade que existe na legislação tributária atual é a resistência à adoção de uma sistematização legislativa, da instituição de tributos com caráter ambiental e de mecanismos de arrecadação e fiscalização. Isso é facilmente visualizado quando em análise os instrumentos econômicos ambientais de intervenção.

Pode-se mencionar três mecanismos de proteção ambiental utilizados pelo estado: as sanções penais, as medidas administrativas e os instrumentos econômicos.

O primeiro deles está em flagrante declínio, pois os elementos de que dispõe o estado para aplicação de sanções encontra resistência nos novos paradigmas de modernidade, resultando a legislação de punição aos crimes ambientais, como a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) muito mais simbólica que efetiva, razão da infinidade de meios de defesa individual e do redirecionamento das penas para a figura da pessoa jurídica, desembocando, no mais das vezes, nas penalidades administrativas (Moraes, 2004, p. 195).

Segundo mecanismo, as medidas administrativas são geralmente representadas pela repressão e pelas práticas de cunho ordenatório.

Já os instrumentos econômicos influem na decisão econômica, mais especificamente nos preços de bens e serviços, tornando mais atraente a opção ecologicamente mais desejável (Rosenblatt, 2004, p. 169). A orientação que se adota neste ensaio é a dos incentivos fiscais.


Sem dúvida alguma, o tributo aparece como uma forma altamente eficaz no sentido da preservação ambiental, pois proporciona ao estado recursos para agir, por meio da tributação fiscal, bem como estimula condutas não-poluidoras e ambientalmente corretas (Oliveira, 1995, p. 26).

No entanto, outro objetivo do trabalho, além de enfocar a prevenção e a precaução, medidas estas que antecedem qualquer evento danoso, é aquele que diz respeito a incentivos fiscais e incremento de políticas de subvenção e desoneração. O contrário geraria acréscimos à já tão elevada carga tributária nacional. Preferível, portanto, é a proposta de incentivos.

Os incentivos fiscais no direito ambiental: mais alguns exemplos

Tema que nos leva mais adiante na abordagem é o dos incentivos de cunho fiscal, sejam eles administrativos ou tributários. A adoção de medidas interventivas serve para implementação de políticas ambientais, não se consubstanciando somente como forma de arrecadar tributos e gerar receitas, mas principalmente como instrumento para a promoção de condutas ambientalmente desejáveis.

Inúmeros são os autores que já defendem a instituição de políticas fiscais premiais no direito ambiental. Essa política tem de encontrar um equilíbrio entre os custos da poluição e os custos de seu controle. O Estado, seja pela imposição de tributos, seja pela concessão de subsídios, pode incrementar as políticas públicas de preservação ambiental.

Essa prática surgiu na Europa, em meados da década de 80, e ganhou novos contornos entre 1989 e 1994, quando incorporada à legislação de diversos países, como França, Itália, Estados Unidos, entre tantos outros (Cunha, 2004, p. 140).

No Brasil, ganha força a tese da tributação ambiental, principalmente quando vista pela lente dos incentivos, pois quase todos os tributos podem ser utilizados com essa conotação de sanção positiva, premial.

Entretanto, a maioria desses instrumentos ambientais tributários depende de iniciativas legislativas municipais e estaduais, notadamente na mobilização de parlamentares e autoridades executivas, além da sociedade civil, de forma a tornar a discussão participativa e democrática, sob pena de esvaziar o conteúdo deste novo filão tributário (Rocco, 2004, p. 296).

Alguns exemplos são elucidativos. Nos impostos de competência da União, o Imposto de Renda, por meio da Lei 5.106/66, inicialmente autorizava as pessoas físicas a abater de suas declarações de rendimentos o que fosse empregado em florestamento e reflorestamento; e às pessoas jurídicas poderiam descontar 50% do valor do imposto também naquilo que fosse aplicado nessas atividades (Araújo, 2003, p. 36).

No caso do IPI, o Decreto Federal 755/93 estabeleceu alíquotas diferenciadas para veículos movidos a gasolina e a álcool.

Com o ITR — Imposto Territorial Rural, e o uso das figuras das áreas de reserva legal, de preservação permanente, de RPPNs — Reservas Particulares do Patrimônio Natural e das áreas de servidão florestal, termos tomados de empréstimo do próprio Direito Ambiental, não foi muito diferente, pois a Lei 9.393/96 isentou essas áreas da cobrança do imposto.

Os impostos de exportação e exportação (II e IE), principalmente em razão da possibilidade de variação das alíquotas, também podem servir como eficazes instrumentos de política ambiental, se observada a preferência por produtos ambientalmente recomendados nas transações comerciais (Nunes, 2005, p.164).

Com os estados se dá o mesmo. Anteriormente, foi mencionado o “ICMS Ecológico”; porém, este não é o único tributo passível de utilização ambiental pelo estado. Também é viável a emprego do IPVA — Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores na atividade ambiental.

Para citar um caso específico, no estado do Rio de Janeiro, por via da Lei 948/85, o IPVA era diferente para carros a gasolina e a álcool, e mais recentemente, o desconto de 75% no imposto para os carros com equipamento de gás natural (Rocco, 2004, p. 271).

Demais disso, o Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos pode ter serventia relacionada àqueles imóveis considerados como produtivos ou de interesse ambiental, incluindo os patrimônios tidos como históricos ou culturais, e ter suas alíquotas e/ou base de cálculos variáveis conforme sua importância (Nunes, 2005, p. 164).

Há mais. Os municípios podem se valer do uso ambiental do IPTU — Imposto Predial Territorial Urbano, dada sua progressividade no tempo e seu uso de acordo com a função social da propriedade. O próprio Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, em seu artigo 7º, fixou a progressividade como instrumento de política urbana.

Por fim, o Imposto Sobre Serviços e as diversas formas de se estimular as empreitadas na área ambiental com a redução de ônus e a concessão de incentivos. O mesmo pode ser feito com as taxas e contribuições de melhoria, dependendo da atividade a ser tributada.


Para se coadunar às finalidades do Direito Ambiental, as taxas que têm serventia podem ser as de serviço, com a colocação ou disposição de serviços públicos de natureza ambiental, e as taxas de Polícia, aplicadas no exercício de fiscalização e controle de atividades que exijam licenciamento ambiental (Costa, 2002, p. 306).

Com as contribuições sociais o mesmo. Àquelas empresas menos poluidoras seria concedida uma redução no recolhimento das contribuições patronais.

Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados e propostos, mas o que se propôs aqui não se exaure somente nisso. A tentativa mais importante, senão a única, é mostrar a possibilidade de realização e do incremento de políticas públicas de incentivo fiscal. As conclusões dirão se o objetivo foi atingido.

Conclusões: a possibilidade de associação das políticas públicas tributárias de incentivo ao meio ambiente equilibrado

Ao final, como considerações terminativas deste ensaio, pode-se concluir possível a implementação dos incentivos fiscais na proteção do meio ambiente com resultados eficazes.

O desenvolvimento tecnológico e o avanço científico das últimas décadas, na busca desmedida pelo lucro, levou o homem ao limiar de uma crise ambiental, a despeito dos benefícios que foram trazidos no pós-Revolução Industrial.

Os riscos advindos dessa forma de sociedade revelaram um conflito entre o desenvolvimento e a preservação. Com isso, os modelos de preservação começaram a se revelar insuficientes para conter os abusos da indústria pós-moderna.

Atualmente, cabe às normas jurídicas papel de relevante importância na adoção de condutas consoantes o meio ambiente equilibrado e sadio, seja repressivamente, seja preventivamente. Ou penas, ou prêmios.

O Direito, inclusive o Ambiental, tem como tarefa fazer o bem comum dentro da comunidade que vige e, neste trabalho, a sociedade moderna é mostrada sendo questionada e colocada em xeque, em razão de seus riscos ambientais.

Os apontamentos que aqui foram feitos remontam mais à prevenção e precaução, que à correção e ao risco. É preferível errar em favor do meio ambiente que correr riscos em prol de interesses privados.

O Estado, na iminência de problemas, age como regulador da atividade econômica, seja via fiscalização, repressiva e punitiva, seja no caminho preventivo, fazendo uso dos incentivos. Assim o é com finalidade determinada e com base jurídica para implementação de políticas públicas governamentais, positivamente (repressões tributárias) ou negativamente (subsídios fiscais).

Os mecanismos de proteção mencionados no corpo do trabalho foram três: as sanções penais, as medidas administrativas e os meios econômicos. Interessaram, neste momento, os instrumentos econômicos.

Destarte, o tributo, como elemento econômico, aparece muito eficaz na preservação ambiental quando comparados os exemplos nacionais e internacionais. A adoção de medidas tributárias, mormente de incentivos (subsídios, subvenções, alíquotas reduzidas ou zero, isenções, anistias, imunidades, diferimentos, não-incidência) serve para implementação de políticas públicas desenvolvimentistas e preservacionistas, concomitantemente.

Os custos da produção têm de estar equilibrados com os custos de seu controle. Os exemplos variados dão conta da viabilidade da adoção dessas medidas, principalmente pelo Estado regulador.

O mais importante é a adoção, no âmbito dos três Poderes, de técnicas de solução, ao menos paliativas, e o cabimento desses novos meios de “política” de desenvolvimento de cunho ambiental.

Os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais facultam adequar os tributos à proteção e à garantia de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Alguns estados já iniciaram essa corrida legislativa e conjugaram estes dois emergentes ramos do direito público.

É crível que este processo, uma vez implementado, desencadeie soluções para muitas mazelas ambientais no país. As bases estão lançadas. O futuro dirá se foram suficientes.

Referências bibliográficas

— ARAÚJO, Cláudia Campos de et al. Meio Ambiente e Sistema Tributário – Novas Perspectivas. São Paulo: SENAC São Paulo, 2003.

— COSTA, Regina Helena. Tributação Ambiental. In: Direito Ambiental em Evolução. FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Curitiba: Juruá, 2002.

— CUNHA, Paulo. A Globalização, a Sociedade de Risco, a Dimensão Preventiva do Direito e o Ambiente. In: Estado de Direito Ambiental: Tendências. Aspectos Constitucionais e Diagnósticos. FERREIRA, Heline Sivini e LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pg. 109-147.

— FERRAZ, Roberto. Tributação e meio ambiente: o green tax no Brasil (a contribuição de intervenção da Emenda 33/2001). In: Revista de Direito Ambiental, ano 8, n.° 31, jul-set de 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pg. 167-172.

— KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental — O Controle dos Conceitos Jurídicos Indeterminados e a Competência dos Órgãos Ambientais – Um Estudo Comparativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

O Município no Brasil e na Alemanha – Direito e Administração Pública Comparados. São Paulo: Oficina Municipal, 2003.

— MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (In)Eficiência do Direito Penal Moderno para a Tutela do Meio Ambiente na Sociedade de Risco (Lei n.° 9.605/98). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

— NUNES, Cleucio Santos. Direito Tributário e Meio Ambiente. São Paulo: Dialética, 2005.

— ROCCO, Rogério. Dos instrumentos tributários para a sustentabilidade das cidades. In: O Direito Ambiental das Cidades. ROCCO, Rogério e COUTINHO, Ronaldo (Orgs.). Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

— ROSENBLATT, Paulo. Limitações constitucionais à instituição de contribuição de intervenção ambiental. Revista de Direito Ambiental, ano 9, n.º 36, out-dez de 2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

— ZEOLA, Senize Freire Chacha. ICMS – Instrumento de proteção e conservação do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, ano 8, n.° 30, abr-jun de 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, pg. 179-197.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!