Berlinda presidencial

Constituição não impede que presidente seja investigado por CPI

Autor

  • Felippe Mendonça

    é advogado professor mestre e doutor em Direito pela USP associado fundador da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (Faddh) e membro do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério dos Direitos Humanos para o desenvolvimento para a apresentação de estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo.

23 de maio de 2006, 19h17

Nesta terça-feira (23/5), em entrevista, o presidente do Senado, Renan Calheiros, baseou-se no artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição Federal para fundamentar uma impossibilidade constitucional de abertura de CPI contra o presidente da República face a atos alheios ao exercício de suas funções.

Para analisar o dispositivo em questão, deveremos ater quais são as funções do presidente da República. Uma breve leitura no artigo 78 responde a questão em tela.

Ao tomar posse, o presidente e seu vice prestam determinados compromissos perante o Congresso Nacional. Dentre esses, encontram-se: manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a União, a integridade e a independência do Brasil. Atento ao compromisso de observância da lei, onde todos os seus atos devem estar de acordo com a mesma, torna-se uma de suas funções não transgredi-la.

Dentre os crimes de responsabilidade previstos no artigo 85 da Constituição Federal, em seu inciso VII, encontra-se “o cumprimento das leis e das decisões judiciais”. Portanto, seu cumprimento é inerente a suas funções, sim.

Para não nos prendermos apenas na obrigatoriedade do presidente da República de cumprir a legislação vigente, pois este poderia ser rebatido sob argumento errôneo de que essa obrigatoriedade é relativa aos atos em exercício de suas funções, devemos analisar conjuntamente qual o crime específico que o presidente possa ter cometido, devendo ser investigado por ser inocente até que se prove o contrário, como qualquer outro cidadão.

Na investigação, as seguintes perguntas deverão obter respostas:

– Por que alguém pagaria uma dívida particular do presidente da República? Por amizade, gratidão, ou simples busca de favorecimento?

Apenas investigando será possível afirmar que tal dívida foi paga para obter vantagem pessoal sobre o cargo do amigo e apenas com essa investigação poderá descobrir se a vantagem foi oferecida pelo chefe do Executivo ou por um de seus “soldados”; se foi cumprida ou se não passou do imaginário de quem pagou pela dívida que, dessa forma, teria alguma facilidade adquirida.

Os crimes aos quais o presidente sofreria investigação seriam diretamente referentes às suas funções. Antes de tudo, seriam inerentes ao seu cargo. Seriam crimes de responsabilidade. Seria exercício arbitrário ou abuso do poder. Seria abuso de autoridade, concussão ou corrupção passiva. Todos, invariavelmente, inerentes ao seu cargo. Não se pode garantir que o presidente cometeu, de fato, algum desses crimes, por isso extremamente necessário investigar.

Qual foi a moeda de troca? Caso o bem feitor, amigo inigualável, tenha recebido qualquer forma de vantagem pelo seu ato caridoso, certamente os crimes cometidos pelo presidente da República seriam inerentes as suas funções.

Resta uma última análise sobre a questão. O artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição Federal impede que o presidente da República seja responsabilizado por atos estranhos ao seu exercício. Não existe nenhum impedimento de investigação por uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Portanto, caso o resultado final de uma investigação encontre determinado ato que não seja inerente à função presidencial e não contrarie texto de lei, não poderá ser o presidente responsabilizado e perder seu cargo por este.

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