Seis por meia dúzia

MPs do trabalho não passam de regras inócuas e coloridas

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10 de maio de 2006, 13h02

As medidas provisórias editadas em 8 de maio de 2006 devem entrar para os anais do Direito do Trabalho como um marco histórico no rol das normas inócuas e coloridas. O traço peculiar do governo anterior era a especialidade em legislar de forma sorrateira, incluindo inovações desagradáveis lá no fim de uma lei sobre outro assunto. O presidente sociólogo reeditava as medidas provisórias várias vezes e lá pelas tantas, acrescentava um artigo novo para ver se a pancada passava despercebida na reedição.

O atual governo muda este cenário e cria uma nova forma de ilusionismo pela qual cria a impressão de que está legislando, mas não introduz nada de novo na ordem jurídica.

Com efeito, a Medida Provisória 293 que, com tanta pompa e circunstância anuncia o reconhecimento das centrais sindicais, na verdade, não atribui a tais entidades nenhuma função de representação. Veja-se o que diz a norma: “Art. 1o A central sindical, entidade de representação geral dos trabalhadores, constituída em âmbito nacional, terá as seguintes atribuições e prerrogativas: I – exercer a representação dos trabalhadores, por meio das organizações sindicais a ela filiadas; e II – participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores”.

Vamos atentar para o inciso I: a central exerce a representação dos trabalhadores, por meio das organizações sindicais a ela filiadas. Então, por si mesma, a central não exerce representação sindical. Continua a ser um fantasma que assombra a estrutura sindical brasileira e sua manifestação concreta em termos legais somente poderá ocorrer através dos sindicatos, federações e confederações.

A única intervenção direta no mundo jurídico que lhe é permitida está fixada no ítem II quando se estabelece que a central poderá indicar representantes para “espaços de diálogo social”. E que espaço é este? É o tão famoso e tão inócuo Fórum Nacional do Trabalho, que foi reinventado (na Medida Provisória 294) como Conselho Nacional de Relações de Trabalho e que terá a função de apresentar pareceres.

A experiência do FNT que levou quase que dois anos para produzir um anteprojeto de reforma sindical renegado pela imensa maioria das entidades e que o governo sequer apresentou formalmente ao Congresso Nacional, é bastante elucidativa quanto à utilidade deste novo órgão.

De qualquer modo, acabou ficando assim: o reconhecimento das centrais sindicais, neste formato, traz somente a possibilidade de que estas indiquem representantes para um órgão que irá produzir pareceres. Por detrás de tudo isto, está a insistente política de tentar fritar o ovo sem quebrá-lo. O governo faz uma barretada ao movimento sindical no “mês do trabalhador”, sem alterar em nada o cenário jurídico em vigor no país.

A única conseqüência prática da medida provisória é aquela que não está escrita, mas ocorre como conseqüência de tal ato: a estabilidade no emprego para os dirigentes das centrais. Os patrões já não poderão despedi-los sem prévio inquérito judicial onde se apure a prática de falta grave.

As centrais são reconhecidas, mas sem que lhes seja permitido negociar em favor dos trabalhadores e a única mudança que se produz na ordem jurídica é aquela que não está dita expressamente: a estabilidade no emprego para seus dirigentes. Não é a toa que as centrais somente reclamaram de que junto com o reconhecimento não veio nenhum aporte financeiro. Surgiu até a reivindicação de que lhes seja repassado o dinheiro que hoje vai para o FAT. Talvez seja até bom, se considerarmos o volume de valores do FAT que lhes tem sido destinado.

O autoproclamado Governo Popular caminha para seus últimos meses de mandato sem que tenha produzido qualquer inovação legal que beneficie concretamente os trabalhadores, especialmente, no campo do Direito Coletivo do Trabalho.

As mais antigas e prementes necessidades neste território, passam pela introdução da representação sindical por empresa, legalização da contribuição universal em razão da contratação coletiva, direito à informação na negociação coletiva, ultra-eficácia da norma coletiva nos contatos individuais, proteção contra atos antisindicais. Medidas como esta, contudo, tão reclamadas há tantos anos, não são sequer cogitadas para a condição de anteprojeto de lei, quanto mais, para medida provisória.

Desde o começo do governo, há a preocupação em não bater aonde dói no patronato. O pretexto para este cuidado profilático sempre foi a alegação de busca do consenso, mas jamais poderá existir consenso nestas questões, como a experiência do FNT demonstrou.

É sintomático que no mesmo dia em que promulgou as tais medidas provisórias, o governo encaminhou ao Congresso projeto de lei que legaliza as associações de trabalhadores que se reúnem para trabalhar sem carteira assinada, ou seja, as assim chamadas cooperativas de trabalho. Sem entrar no mérito do “pacote de bondades” que o governo tanto celebra com relação às políticas públicas, a verdade é que, no campo da legislação trabalhista, o governo omitiu-se de tomar qualquer iniciativa realmente inovadora.

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