Guarda do segredo

Inviolabilidade da vida privada é regra, e não exceção

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14 de junho de 2006, 15h22

O segredo é uma instituição, desde épocas remotas, presente na vida dos homens. De antiga origem são expressões como “segredos da natureza”, “segredos de Deus” e “segredos de império”. Em nossos tempos modernos falam-se no “direito à intimidade”, no “sigilo bancário”, no “sigilo postal”, “sigilo fiscal”, das conversações telefônicas, etc..

No plano das relações entre agentes políticos e cidadãos, o segredo pode se apresentar como direito dos primeiros à ocultação de sua vontade e intenções ou dever de apresentar a verdade ao conhecimento do público e, do ponto de vista dos indivíduos, como dever de submissão ou direito de proteção contra a devassa das autoridades em seus assuntos privados.

A evolução histórica mais recente da instituição do segredo nas relações de autoridade parece seguir um movimento inverso conquanto se mude o ponto de partida da investigação.

Se antes, em nome das intituladas “razões de Estado”, admitia-se a ocultação do poder, hoje exige-se a sua visibilidade e contesta-se a opacidade das suas decisões. Do lado do indivíduo, se antes podia ter sua vida demasiadamente controlada pelas autoridades, hoje é titular de direitos à vida privada em seus variados desdobramentos. Visibilidade do poder e direito à intimidade e vida privada são faces da mesma moeda, produto do moderno regime democrático.

Mudaram os valores e a transformação foi acompanhada pelo direito positivo, que se, de um lado, traz para o domínio da lei variadas técnicas de conhecimento e controle do exercício do poder político, de outro arma, com a autoridade da lei, as afirmações axiológicas da proteção à intimidade da pessoa e da vida privada.

Nas duas direções, diminuiu a esfera de ação do Estado e ampliou a reservada à liberdade dos cidadãos, os valores da transparência no exercício do poder e os da intimidade e vida privada consagrados em lei inscrevendo-se no processo geral de aprimoramento do regime fundado nos valores da liberdade e da democracia.

O enfoque do segredo nas duas direções, do Estado para o indivíduo e deste para o primeiro, depara-se de particular importância na avaliação do real significado do tema tratado, pois serve para refrear idéias falsas, que tentam a consciência de qualquer um, do segredo instituído não propriamente em favor da liberdade dos indivíduos, mas dos detentores do poder político legislando em causa própria e dos amigos para encobrir ilicitudes e obter impunidade.

A intimidade e inviolabilidade da vida privada são não apenas direitos assegurados pela ordem jurídica mas ainda conquistas que não podem ser desnaturadas pela exageração de apenas casuais efeitos indesejáveis.

O sigilo da vida privada pode efetivamente levar à ocultação de ilicitudes, mas não é esta sua motivação inspiradora e nem sua conseqüência principal, à parte o acidental e privilegiando-se a essência podendo ser vistos tanto no início quanto no fim da construção do instituto seus fundamentos materiais de promoção e aperfeiçoamento do regime de liberdades.

O instituto da inviolabilidade da vida privada é, de conseguinte, garantia do cidadão e sua quebra injustificada acarreta danos à pessoa moral e aos superiores interesses da sociedade.

Este é um juízo analítico das opções axiológicas que se pode fazer na matéria e, se estiver correto, conduz à conclusão de que, no domínio dos negócios privados, o centro de gravidade da questão do sigilo está não nos interesses da autoridade, mas da liberdade, sendo o segredo a regra e não a exceção.

No quadro da análise supra apresenta-se questionável invocar o sigilo relativamente a informação de atos da administração, mas versando assuntos privados compõe desdobramento do princípio da inviolabilidade da vida privada adotado pela Constituição de 1988, artigo 5º, X, e sua ruptura é questão a ser tratada com máxima e rigorosa cautela.

Conseqüência que se extrai dessa intelecção é que a quebra de sigilo bancário dos indivíduos exige para sua decretação a prévia existência de elementos autorizadores de uma persecução.

A medida pressupõe a existência de indícios atendíveis de cometimento de ilícito tributário ou criminal, mais do que meras e vagas suspeitas exigindo-se a existência de elementos concretos de verossimilhança da hipótese de transgressão à lei penal ou às leis fiscais.

O mecanismo institucional do sigilo no domínio privado não tem caráter absoluto e, havendo provas de probabilidade de ocorrência de delito, justifica-se o sacrifício da liberdade individual que, em tal hipótese, isola-se nos interesses do indivíduo, mas onde faltam estes elementos, retorna na plenitude de suas projeções no interesse social contrário ao exercício abusivo do poder.

O sigilo bancário é, como explicitado acima, garantia individual que deve ser respeitada nos ditames da Carta da República de 1988.

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