Pipoca no juizado

O dia em que Maria Tereza conheceu a Justiça brasileira

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3 de junho de 2006, 7h00

Maria Tereza Abrahão, de 66 anos, sentiu-se mais uma vez humilhada e ridicularizada tanto pela Justiça como pela empresa alimentícia Yoki, da qual era habitual cliente por anos e anos. Desta vez, foi no Juizado Especial Cível do Fórum Regional do Jabaquara, em São Paulo, onde compareceu, na terça-feira (30/5) para nova audiência de conciliação. Mas saiu de lá amargurada e decepcionada com a sentença do juiz, já que não houve acordo.

Pessoa simples, mas ciosa de seus direitos e responsabilidades, a cidadã brasileira Maria Tereza Abrahão, saiu da sala 222 do Fórum do Jabaquara trêmula de espanto com a Justiça e com o juiz, que após alguns minutos de audiência proferiu sua sentença: condenou a Yoki Alimentos a devolver a Dona Maria Tereza pouco mais de R$ 17 — o dinheiro que ela gastou em outubro de 2004 na compra de oito saquinhos de milho de pipoca da marca Yoki — acrescidos de juros. E nada mais.

Ao tentar fazer a pipoca com o conteúdo do primeiro saquinho em sua própria casa, para agradar a filha e alguns amigos ali reunidos, foi um vexame: a maioria dos grãos de milho não estourou e os que viraram pipoca “eram pipocas duras como pedra, nunca tinha visto nada igual”.

Acreditando no Código de Defesa do Consumidor, Maria Tereza rapidamente entrou em contato com o SAC-Serviço de Atendimento ao Consumidor da Yoki por telefone, mas não lhe deram muita atenção.

Armou-se de coragem e, de posse dos sete saquinhos e meio de milho para pipoca, lá foi ela de ônibus até o SAC da Yoki, localizado na própria fábrica, em outro município (São Bernardo do Campo). Foi atendida após 40 minutos de espera e só a muito custo lhe entregaram um protocolo, dizendo que o produto iria para análise. Faltava carimbar a data no protocolo. Maria Tereza insistiu até que colocaram a data no papel.

Mais de um mês depois, nada de resposta, Maria Tereza resolveu recorrer ao Procon. Atravessou a cidade com dificuldade — o joelho direito sempre inchando —, mostrou todos os documentos que lhe pediram, mas não deu em nada: a empresa alegou que o prazo de validade vencera (em razão da demora da própria empresa em atender à reclamação da consumidora) e que não trocaria o produto. Devolver o dinheiro, então, nem pensar.

Estimulada pelo funcionário do Procon, resolveu recorrer à Justiça e lhe indicaram o escritório experimental de uma Universidade localizada em Moema, vinculado ao JEC do Fórum do Jabaquara. Um estagiário de Direito redigiu a inicial, e sugeriru que Maria Tereza pleiteasse R$ 350, sendo R$ 18 pela devolução do dinheiro gasto na compra do milho e R$ 332 a título de reparação pelos danos morais sofridos — a humilhação de que fora vítima por culpa da Yoki. Enfim, nada que fosse enriquecê-la, mas que servisse de lição para a mega-empresa do ramo alimentício passar a respeitar o consumidor em vez de fazê-lo perder tempo em busca de direito líquido e certo garantido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Na primeira audiência no JEC do Jabaquara, mais de seis meses atrás, a advogada da empresa destratou Maria Tereza e ofereceu trocar o milho imprestável por igual quantidade — oito saquinhos — da mesma marca. A consumidora evidentemente não aceitou – afinal, não considerava sequer a hipótese de voltar a consumir qualquer produto da Yoki.

O juiz-conciliador, em vez de trazer a empresa-ré à razão e pressionar para que ela cedesse um pouco e se fizesse ali um acordo razoável, apenas cumpriu tabela: marcou nova audiência, realizada finalmente em 30 de maio.

Dia 30, o juiz da sala 222 do JEC do Jabaquara não se comoveu com o fato de que essa senhora, com o joelho direito inchado, buscava apenas e tão somente que o Estado fizesse Justiça.

Uma vez mais, o Estado favoreceu a empresa poderosa, em detrimento da desprotegida consumidora. O advogado da empresa ofereceu os mesmos oito saquinhos de milho, prontamente rechaçados pela requerente. Instado pelo juiz a melhorar sua oferta, acrescentou R$ 50. Mais algumas ponderações do advogado dativo, alguma insistência do juiz e a infeliz senhora até concordava em se contentar com R$ 150, mas a empresa não cedeu.

Sem acordo, o juiz recebeu a contestação do advogado da empresa, que não logrou comprovar que o milho tivera seu prazo de validade vencido quando já estava de posse de Maria Tereza. O juiz deu uma sentença rigorosa e considerou cumprida sua missão. Não se deu ao trabalho de apenar a empresa por ter postergado por um ano e meio a devolução do dinheiro gasto por Maria Tereza.

Pessoa de brios que nem mesmo um jovem juiz logrou alquebrar com sua frieza, Maria Tereza pretende recorrer da decisão, o que lhe consumirá tempo e dinheiro. Afinal, ela agora não está mais atrás dos R$ 18 que gastou na compra do milho, mas do reconhecimento de que ela está coberta de razão — e que se existe o Código de Defesa do Consumidor, é para ser cumprido.

Processo 05.100140-7

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