Traje de ministro do STF não se ajusta a políticos profissionais
3 de fevereiro de 2006, 17h46
A toga de Nelson Jobim nunca lhe caiu bem: o traje de ministro do Supremo Tribunal Federal não costuma ajustar-se a políticos profissionais. Desde a posse em 1997, sofreu sucessivas avarias provocadas pelas traças da suspeita. Foi reduzida a farrapos nesta terça-feira, vítima do atrevimento de um predador das urnas fantasiado de juiz.
De costas para a nação exausta de patifarias, Jobim decidiu suspender a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto, decretada pela CPI dos Bingos. O homem favorecido por Jobim é muito amigo de Lula, que o presenteou há três anos com a presidência do Sebrae. O premiado retribuiu o brinde em agosto, quando resolveu livrar o companheiro chefe de outra enrascada. A mão estendida acabou lembrando o abraço do afogado.
Sem que ninguém lhe perguntasse, Okamotto afirmou que devolvera ao PT, espontaneamente e com recursos próprios, os R$ 29.400 emprestados a Lula. Nem revelara o favor ao beneficiário. Amigo é para essas coisas. Estranhamente (ou não), a história só foi divulgada quando ganhava corpo a suspeita de que a bolada recebida pelo PT havia jorrado do valerioduto.
Convocado pela CPI, Okamotto escorregou num depoimento bisonho. Confuso, gaguejante, tinha a expressão de quem morreria eletrocutado se fosse submetido a um detector de mentiras. Não provou que pagara a dívida de Lula com dinheiro próprio. Não explicou de que modo a quantia sacada da sua conta em Brasília pousou em contas do PT em quatro agências do Banco do Brasil em São Paulo.
O depoimento tornou indispensável e urgente a quebra dos sigilos. Os advogados de Okamotto correram ao comitê eleitoral de Jobim, camuflado no prédio do STF com a plaqueta ”Presidência”. Lá estava o ministro proibido de descansar no verão: o político em campanha lhe ordenara que ficasse de plantão, pronto para socorrer os flagelados da grande crise.
Jobim nem esperou a chegada dos bacharéis amigos para rabiscar o elogio do cinismo. ”O requerimento pela quebra dos sigilos indica fatos com suporte apenas nas matérias jornalísticas e no depoimento do impetrante”, diz um trecho do despacho de terça-feira. Atenção para o ”apenas”. Aos olhos de Jobim, parece pouco a catarata de denúncias e descobertas (e não meras ”matérias jornalísticas”) produzida por reportagens investigativas.
”Esta corte veda a quebra de sigilos bancário e fiscal com base em matéria jornalística”, conclui Jobim. Espertamente, agora o texto omite o ”depoimento do impetrante” mencionado linhas antes. Nem um Nelson Jobim ousaria fazer pouco do naufrágio de Okamotto na CPI. Melhor parar nas ”matérias jornalísticas”. Para um candidato à vaga de vice-presidente na chapa liderada por Lula, o essencial era ficar bem no retrato visto do Planalto.
Depois de suar a toga como advogado semi-clandestino de José Dirceu, Jobim parecia atingido o limite do suportável por ministros decididos a julgar com isenção. A espantosa decisão sobre o caso Okamotto informa que, simulando não ser concorrente a nada, Jobim é capaz de tudo. Juristas independentes já se movimentam para deter o perigo. Os integrantes do clube da toga estão ruidosamente quietos. A discrição só é virtude quando não decorre do medo.
Ou Nelson Jobim abandona formalmente a carreira política – e se matricula num cursinho intensivo de imparcialidade – ou deixa o STF em paz e faz fora dali o que quiser. O Supremo não pode ser desonrado por decisões políticas tecidas com trucagens de rábula.
Devolva a toga, companheiro Jobim.
*Artigo publicado nesta quinta-feira (2/2) no Jornal do Brasil.
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