Proteção de dados

Leia o pedido da CPI dos Bingos de quebra de sigilo de Okamotto

Autor

3 de fevereiro de 2006, 19h37

O Supremo Tribunal Federal, especialmente seu presidente, ministro Nelson Jobim, voltou a ser acusado de interferir indevidamente nos trabalhos do Legislativo. O motivo dos novos ataques foi o fato de Jobim ter dado liminar que impediu a quebra de sigilos fiscal, telefônico e bancário do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto.

Jobim entendeu que o requerimento de quebra de sigilo, aprovado pela CPI dos Bingos, estava baseado em notícias da imprensa, o que o STF não aceita. O presidente do Supremo ressaltou que o requerimento “fundamenta-se em notícias veiculadas em matérias jornalísticas, sem sequer indicar um fato concreto que delimite o período de abrangência dessa medida extraordinária”.

O pedido de quebra de sigilo de Okamotto foi feito depois que ele assumiu, em depoimento à CPI dos Bingos, ter pago uma dívida de R$ 29,4 mil do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com o PT, mesmo sem o conhecimento do presidente.

A revista Consultor Jurídico teve acesso ao requerimento (confira abaixo) que pediu a quebra de sigilo do presidente do Sebrae. Notadamente, no pedido, o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) fundamenta o pedido em reportagem do jornal Folha de S.Paulo e da revista IstoÉ, e cita o depoimento de Okamotto na CPI.

Segundo um alto juiz ouvido pela ConJur, “havia motivos para pedir a quebra de sigilos de Okamotto, pricipalmente depois de seu depoimento na CPI, quando assumiu ter pago a dívida de Lula com o PT”. Porém, ele observa que, no requerimento, a CPI realmente não soube fundamentar o pedido, o que deu margem para que Okamotto conseguisse a liminar.

Advogados paulistas também deram sua opinião e consideraram acertada a liminar do presidente do Supremo. “Sigilo é uma coisa muito séria. É uma segurança do cidadão, até mesmo para o dia-a-dia, e o juiz não pode tomar este direito sem ter certeza ou prova concreta dos fatos”, afirmou um advogado.

“Uma coisa são os inquéritos da CPI, outra coisa é o senador saber colocar isso no papel de forma fundamentada e criteriosa, para fazer um pedido desses (quebra de sigilo). Realmente, este requerimento da CPI não tem pé nem cabeça”, completou.

O advogado Ovídio Rocha Barros Sandoval, de Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão, autor do livro CPI ao pé da letra, defende que o pedido da CPI dos Bingos não poderia mesmo prosperar. “Esta CPI foi aberta com um fato determinado: bingos. E este requerimento de quebra de sigilos de Okamotto não tem nenhuma ligação com o fato determinado. É só sobre o fato determinado que a CPI pode trabalhar”, afirma o especialista.

Sandoval lembra, ainda, que a quebra de sigilo é uma exceção no campo do Direito. “Para uma quebra de sigilo são necessários elementos concretos que devem estar em consonância com fato determinado”, explica.

Pedido sem resposta

A CPI dos Correiros também chegou a aprovar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto. Porém, o requerimento, assinado pelos deputados Onyx Lorenzoni (PFL-RS) e Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) em 2005, ainda não obteve resposta. Questionado pela reportagem da ConJur em Brasília sobre o paradeiro do pedido, Onyx afirma que não houve resposta sobre o requerimento e que solicitaria informações à secretaria da CPI.

“A recente descoberta de que o Sr. Paulo Okamotto, atual presidente do Sebrae e amigo de longa data do Ex.mo Sr. Presidente da República, efetuou o pagamento de empréstimo levantado por S. Exa. junto ao próprio partido de que à época era presidente de honra leva a uma pertinente dúvida do real nível de comprometimento financeiro que permeou toda a seara governamental e partidária na atual administração pública”, afirmam os deputados no requerimento.

Segundo o pedido, “nota oficial assinada por José Pimentel, atual tesoureiro do PT, e Ricardo Berzoini, atual secretário-geral da sigla, o PT informou que Okamotto, na qualidade de ‘procurador legal’ de Lula, primeiro se recusou a reconhecer a dívida e, depois, a parcelou em quatro vezes, demonstrando a total falta de coerência entre os fatos e as alegações apresentadas”.

Leia o pedido de quebra de sigilo de Okamotto pela CPI dos Bingos

REQUERIMENTO Nº 317/2005, DE 2005

Nos termos do disposto no §3º do art. 58 da Constituição Federal e da Lei 1.579/52, bem como nos dispositivos regimentais aplicáveis à espécie, requeiro a transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do Sebrae, senhor Paulo Okamoto.

Justificação

Já se sabe que o esquema operado por Marcos Valério, chamado de Valerioduto, possui braços em diversos setores da Administração Pública. Nesse cenário, a Folha de São Paulo publicou matéria jornalística em agosto passado, na qual revela que a prestação de contas do Partido dos Trabalhadores, no ano de 2003, apresenta lançamentos contábeis que indicam a concessão de empréstimos a dirigentes do partido, entre eles o presidente Lula.


Não haveria problemas na operação se os recursos utilizados não fossem originários de contas bancárias que recebem repasses do Fundo Partidário. Portanto, tratam-se empréstimos pessoais sem juros concedidos com dinheiro público, o que é expressamente vedado pela lei que regulamenta o uso do fundo partidário. O partido justificou que o empréstimo tinha sido quitado pelo amigo e procurador do presidente senhor Paulo Okamoto, atual presidente do Sebrae.

No entanto, as explicações prestadas pelo partido não foram convincentes, como atesta reportagem da Revista IstoÉ reproduzida a seguir:

“O relato explosivo de Duda (Mendonça) se somou à explicação pouco convincente do PT para justificar o empréstimo de R$ 29,4 mil que apareceu nas contas do partido, em nome de Lula. Suspeita-se que a fatura tenha sido paga pelo valerioduto. O Planalto negou. Duas semanas depois, o amigo de Lula e presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, alegou que eram despesas de Lula quando ainda presidia o PT e garantiu que pagou as despesas do próprio bolso, sem avisar nada ao presidente. Mas o ministro Jaques Wagner negou tudo, dizendo que Lula nada devia ao partido. A história continua sem explicação.”

Além disso, a vinda de Okamoto a esta CPI não esclareceu as circunstâncias obscuras nas quais teria ocorrido a transação ilícita. A versão apresentada pelo senhor Paulo Okamoto é completamente inverossímel. Para honrar a dívida do presidente, Okamoto afirmou que teria sacado dinheiro em espécie da própria conta bancária e entregou ao PT. Contudo, Okamoto não respondeu por quê não pagou diretamente o empréstimo por meio de depósito bancário ou transferência eletrônica nas contas do PT. Da mesma forma, não explicou por quê não fez apenas um depósito em vez de diversos saques em dinheiro para pagar a dívida. Okamoto, diz que começou a sacar o dinheiro um mês antes do pagamento da 1ª parcela da dívida e o guardava em casa.

Aqui nesta CPI, já apresentou uma outra versão, ao afirmar que sacou parte do dinheiro da conta bancária de sua esposa.

Esses são apenas alguns exemplos de uma história recheada de contradições, o que torna de fundamental importância a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico do senhor Paulo Okamoto.

Cabe ressaltar que o Sebrae, entidade presidida pelo senhor Paulo Okamoto, movimenta recursos da ordem de R$900 milhões por ano. Ademais, existem denúncias de que os fundos de pensão dos servidores do Sebrae seriam administrado pela Global Previ, apontada como uma das favorecidas nos contratos dos fundos de pensão do governo.

Por todo o exposto, e dando seguimento às investigações capitaneadas por esta CPI, solicito a aprovação do presente requerimento.

Sala das Comissões, de dezembro de 2005

Senador ANTERO PAES DE BARROS

Leia a liminar de Jobim

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado por Paulo Tarciso Okamotto, contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito – “Bingos”, que aprovou requerimento de quebra dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Explica o Impetrante que

“……………………A referida Comissão Parlamentar de Inquérito, como é cediço, só foi instalada após ordem judicial, obtida através de diversos mandados de segurança impetrados perante o Supremo Tribunal Federal (MS 24.831-9/DF e outros)

No julgamento do citado Mandado de Segurança, da relatoria do Ministro Celso de Mello, reconheceu-se o direito dos impetrantes de instalar para, portanto, investigar e apurar a utilização das casas de bingo para a prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a relação dessas casas e das empresas concessionárias de apostas com o crime organizado.

Na ocasião, foi realçado o fato de que a futura comissão preenchia os três requisitos constitucionalmente necessários para sua criação, sendo um deles a apuração de fato determinado.

…………………………” (fls. 5/6)

Indica que os pressupostos para a quebra de sigilo não foram preenchidos, pois

“……………………… a decisão da Comissão foi absolutamente genérica, eis que aprovou requerimento no sentido da pura e simples ‘transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do SEBRAE, senhor Paulo Okamoto. …………….” (fls. 9)

E que

“…………………..é de rigor reconhecer-se que só será justificável e lícita a quebra de sigilos se voltar a apurar esses fatos específicos, ou seja, se estiver relacionada direta ou indiretamente a períodos que guardem relação de pertinência aos fatos sob apuração.

Admitir o contrário seria conferir às comissões de inquérito a prerrogativa para, a pretexto de apurar o ocorrido em 2005, quebrar o sigilo de cidadão dos últimos cinco ou dez anos para saciar a curiosidade dos Senadores que a compõem e da Imprensa….”


(fls. 10)

Também aponta ausência de fatos específicos para justificar a quebra de sigilo das informações e acrescenta que

“…………nenhum dos motivos invocados pela autoridade coatora, plasmados no Requerimento nº 317/05, se liga intimamente, tem relação direta ou guarda relação de conexão, próxima ou remota, com o objeto da Comissão……………………” (fls. 20)

Requer

“……………….

a) em sede liminar, a suspensão do ato que aprovou o Requerimento nº 317/05, cujo objeto é a “transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do Sebrae, senhor Paulo Okamoto;

b) no mérito, a confirmação da medida liminar, com a anulação do ato ……………………” (fls. 24)

Extraio do Requerimento impugnado:

“…………………Já se sabe que o esquema operado por Marcos Valério, chamado de Valerioduto, possui braços em diversos setores da Administração Pública. Nesse cenário, a Folha de São Paulo publicou matéria jornalística em agosto passado, na qual revela que a prestação de contas do Partido dos Trabalhadores, no ano de 2003, apresenta lançamentos contábeis que indicam a concessão de empréstimos a dirigentes do partido, entre eles o presidente Lula.

Não haveria problemas na operação se os recursos utilizados não fossem originários de contas bancárias que recebem repasse repasse do Fundo Partidário. … O partido justificou que o empréstimo tinha sido quitado pelo amigo e procurador do presidente senhor Paulo Okamoto, atual presidente do SEBRAE.

No entanto, as explicações prestadas pelo partido não foram convincentes, como atesta reportagem da Revista IstoÉ … Além disso, a vinda de Okamoto a esta CPI não esclareceu as circunstâncias obscuras nas quais teria ocorrido a transação ilícita. … Aqui nesta CPI, já apresentou uma outra versão, ao afirmar que sacou parte do dinheiro da conta bancária de sua esposa. Esses são apenas alguns exemplos de uma história recheada de contradições, o que torna de fundamental importância a quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico do senhor Paulo Okamoto.

Cabe ressaltar que o Sebrae, entidade presidida pelo senhor Paulo Okamoto, movimenta recursos da ordem de R$ 900 milhões por ano. Ademais, existem denúncias de que os fundos de pensão dos servidores do Sebrae seriam administrados pela Global Previ, apontada como uma das favorecidas nos contratos dos fundos de pensão do governo. ……………” (fls. 30/31)

Decido

O pedido tem plausibilidade jurídica.

O requerimento impugnado não apresenta “a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional” (STF – Pleno, MS 23452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 12.5.2000).

Com efeito, o requerimento indica fatos com suporte apenas nas matérias jornalísticas e no depoimento do Impetrante. E esta Corte veda a quebra de sigilos bancário e fiscal com base em matéria jornalística. Assim decidi, em Plenário, no MS 24.135, julgado em 3.10.2002, de cuja ementa destaco:

“………………………..

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – ROUBO DE CARGAS. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO DO IMPETRANTE COM BASE EM MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. EXCEPCIONALIDADE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA VIDA PRIVADA DOS CIDADÃOS SE REVELA NA EXISTÊNCIA DE FATO CONCRETO. AUSÊNCIA DA CAUSA PROVÁVEL JUSTIFICADORA DAS QUEBRAS DE SIGILO.SEGURANÇA CONCEDIDA. ………………………..”

No mesmo sentido:

“…………………………

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Os poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias de que as CPIs são constitucionalmente investidas (CF, artigo 58, § 3º) não são absolutos. Imprescindível a fundamentação dos atos que ordenam a quebra dos sigilos bancários, fiscais e telefônicos, visto que, assim como os atos judiciais são nulos se não fundamentados, assim também os das comissões parlamentares de inquérito.

2. A legitimidade da medida excepcional deve apoiar-se em fato concreto e causa provável, e não em meras conjecturas e generalidades insuficientes para ensejar a ruptura da intimidade das pessoas (CF, artigo 5º, X). Segurança concedida…………………” (MS 23960/DF, Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 16.11.2001).

Como já verificado, o Requerimento nº 317/05 fundamenta-se em notícias veiculadas em matérias jornalísticas, sem sequer indicar um fato concreto que delimite o período de abrangência dessa medida extraordinária.

Assim, demonstrada a plausibilidade jurídica, defiro o pedido liminar e determino a “suspensão do ato que aprovou o Requerimento nº 317/05, cujo objeto é a ‘transferência dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do presidente do Sebrae, senhor Paulo Okamoto’”.

Eventuais dados obtidos pela CPI em decorrência do cumprimento do Requerimento impugnado devem permanecer lacrados e sob custódia da CPI até ulterior decisão do STF.

Ressalto que deferi a liminar em face da motivação apresentada, que poderá ser reexaminada com a chegada das informações. Solicitem-nas.

Comunique-se.

Brasília, 27 de janeiro de 2006.

Ministro NELSON JOBIM

Presidente

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!