Mudanças no CPC

Alteração no CPC dá satisfação ao credor sem onerar devedor

Autor

  • Danielle Leoni Nascimento

    é advogada associada ao escritório Braga Nascimento e Zilio Antunes Advogados Associados e faz pós-graduação em Direito Processual Civil na Fadisp — Faculdade Autônoma de Direito.

29 de dezembro de 2006, 9h44

As alterações trazidas pela introdução do artigo 475-Q, do Código de Processo Civil, ao contrário do antigo diploma legal, viabilizam, sem maior oneração do devedor, a mesma garantia de cumprimento em favor do credor. Pode-se dizer, deste modo, que a idéia inserta no disposivo ora estudado consiste na melhor garantia à satisfação do credor, viabilizando, assim, diversas outras possibilidades para o devedor assegurar o pagamento mensal do valor da pensão.

Assim, dentre as alterações introduzidas pelo artigo supracitado, manifesta-se à inovação do parágrafo 1º a viabilidade da constituição de capital dar-se em “aplicações financeiras em banco oficial”, o que já era amplamente aceita em sede de doutrina e de jurisprudência em vista da realidade econômica.

Este mesmo paragrafo agregou, no mesmo dispositivo, as regras anteriormente constantes dos incisos I e II do parágrafo 1º do artigo 602, a inalienabilidade e a impenhorabilidade da garantia enquanto existir a obrigação do devedor. Note-se que o importante é verificar a duração da obrigação objetivamente considerada e não a do obrigado. Assim, é possível, consoante o caso, admitir-se que a obrigação de prestar alimentos pelo ato ilícito passe para os herdeiros do devedor. Neste caso, a inalienabilidade e a impenhorabilidade da garantia permanecem.

Conforme observa Luiz Rodriguez Wambier, pode suceder que com o passar do tempo a aplicação financeira deixe de produzir rendimentos suficientes para assegurar o cumprimento da obrigação. Em tais casos, deverá o juiz determinar que o capital constituído seja complementado.

Na hipótese do parágrafo 2º, o juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica.

Apesar do atual diploma ter admitido a substituição da constituição de capital pela inclusão do beneficiário em folha de pagamento, deve-se atentar ao conceito da “notória capacidade econômica”, vez que tal conceito enseja dificuldade quando se trata de empresa privada, pois ele não se supera pela mera dimensão do faturamento da empresa, ou mesmo pelo seu patrimônio existente hoje. Exige-se que esta condição permita antever a sua durabilidade, ou seja, a estabilidade da sua capacidade econômica.

Na antiga modalidade, a substituição da constituição de capital só era admitida pela prestação de caução fidejussória, que deveria se dar com observância do procedimento estabelecido pelos artigos 829 a 838, do Código de Processo Civil.

Ressalte-se que da decisão sobre a substituição das garantias, conforme bem apontado por Cássio Scarpinella, caberá o recurso de Agravo de Instrumento.

No que se refere à parte final do dispositivo, assevera o jurista supracitado que, — “em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz” – “deve significar que o magistrado decidirá “nos mesmos autos”, sem solução de continuidade, sem exigir do requerente que ele ajuíze uma nova ação mediante um novo processo para requerer o que ele pode requerer “de plano” para o juiz, na mesma relação processual, que decidirá, friso, após o estabelecimento do contraditório. É este o sentido que se deve dar à expressão na mesma linha interpretativa, portanto, do que me parece correto para interpretar e aplicar o contido nos art. 475 M, §1º e 475 O, III.”

No mais, note-se que o valor arbitrado para garantir o pagamento da pensão deverá sempre considerar o critério de expectativa de vida do credor, valendo-se, também, da condição financeira do demandado.

Já, o parágrafo 3º, do artigo 475Q, estabelece que “se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação”. Trata-se de uma revisão incidental da prestação de alimentos, que poderá ser pleiteada tanto pelo credor quanto pelo devedor, justificando tal pedido, bem como comprovando seus motivos. Após o contraditório, o juízo decidirá. Desta decisão comporta recurso de agravo de instrumento.

Neste contexto, vale lembrar que os efeitos das decisões judiciais em geral variam de acordo com as necessidades de cada caso concreto. Assim, os efeitos das decisões judiciais, são, por definição, aderentes à realidade externa ao processo — é o processo que serve ao direito material e não o contrário — e, por isto mesmo, devem se modificar para melhor regulá-la.

Nesse aspecto, deve-se levar em consideração o disposto no artigo 471, inciso I, do Código de Processo Civil que reza:

“Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tradando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;”

No que diz respeito ao parágrafo 4º, do artigo 475Q, “os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário mínimo”

Este parágrafo não encontra correspondente no revogado artigo 602. O que se pretende com isto é manter, enquanto perdura a obrigação, o mesmo padrão monetário da obrigação.

Saliente-se que, a vedação constitucional prevista no artigo 7º, IV, da Constituição Federal, com relação ao emprego do salário mínimo para fins de indexação, diz respeito ao uso do salário mínimo como indexador econômico. O que não se verifica no caso em estudo. Vale dizer, o que a lei pretende é manter o padrão remuneratório da pensão em igualdade de condições com o do salário mínimo.

Neste contexto, merece destaque a Súmula 490, do Supremo Tribunal Federal que dispõe: “A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil, deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo de sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores”.

Por fim, cumpre esclarecer que, o disposto no parágrafo 5º, do 475Q, repete, com mudança de redação, a regra que constava do parágrafo 4º, do 602 que determina que uma vez finda a obrigação de prestar alimentos, as garantias admitidas pelo caput do 475Q serão canceladas. O dispositivo leva em conta, neste cancelamento, as novas hipóteses de garantia constantes dos parágrafos 1º e 2º do artigo 475Q.

Frise-se, ainda, conforme assinala Araken de Assis, que a constituição do capital não afeta o domínio do executado sobre os bens que o integram. No entanto, tais bens se tornaram inalienáveis (para o executado) e impenhoráveis (para o demais credores), “enquanto durar a obrigação do devedor”. A impenhorabilidade perante os demais credores se justifica pela preferência reconhecida ao crédito alimentar. Todavia, esta regra não se aplica para crédito de idêntica natureza.

Cumpre esclarecer, apenas para argumentar, que segundo o artigo 950, do Código Civil, ao tratar da responsabilidade civil por perda ou diminuição da capacidade laborativa, prescreve no seu parágrafo único que “o prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”, o que enseja a superação da dificuldade com a constituição de capital ou mesmo fornecimento de garantia real ou fiança bancária.

Trata-se de direito potestativo do credor de indenização na forma de pensão que lhe permite superar o cumprimento da sentença com o pagamento imediato da obrigação, na sua totalidade, dependendo somente de arbitramento do juízo.

No mais, conclui-se que, as inovações do artigo 475-Q, do Código de Processo Civil, possibilitaram a satisfação do credor com maior eficiência, sem, por outro lado, onerar demasiadamente o devedor. Desta feita, pode-se dizer que o dispositivo estudado está em perfeita consonância com o objetivo das recentes reformas do Código de Processo Civil, qual seja, real efetividade ao processo de execução.

Citações bibliográficas

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Wambier, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento / Luiz Rodrigues Wambier. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revistra dos Tribunais, 2006. Título anterior: Liquidação de sentença.

Wambier, Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática processual civil, II: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006/ Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

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