Mudança de mentalidade

Súmula Vinculante não irá operar milagres sem mudanças

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19 de dezembro de 2006, 6h00

O Congresso Nacional aprovou dois dispositivos destinados a agilizar a tramitação dos milhões de processos que estão à espera de decisões da Justiça brasileira. Ocorre que tanto a súmula vinculante quanto a repercussão geral não vão operar milagres se não houver mudanças significativas no sistema, sobretudo no que diz respeito à mentalidade de alguns operadores do Direito.

A publicação de súmulas com decisões do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho não é novidade, embora sua aplicabilidade seja subjetiva. Ocorre que os magistrados, principalmente os de primeira instância, nem sempre costumam seguir as determinações de seus pares. Em alguns casos, é compreensível esse comportamento. Mas há situações em que não se justifica um posicionamento contrário às decisões dos tribunais superiores.

Fica a impressão que alguns profissionais questionam particularidades de um processo apenas por capricho, sem levar em conta a jurisprudência existente. Esse posicionamento dos magistrados cria distorções ao permitir que um mesmo tema receba decisões diferenciadas, o que acaba gerando uma desconfiança nos cidadãos em relação ao trabalho de nossa Justiça. E, claro, torna a tramitação de processos muito mais morosa.

Existem súmulas no STF sobre questões como FGTS, contribuições e impostos, entre muitas outras, que não são aplicadas. Uma mudança de mentalidade dos operadores de Direito agilizaria uma série de questões que hoje tramitam nas diversas instâncias do Poder Judiciário. O questionamento em torno desses entendimentos poderia ser restrito apenas aos representantes do Ministério Público e aos advogados.

Não há, ainda, garantias de que as decisões da suprema corte serão julgadas com a velocidade necessária à geração de súmulas. O próprio ministro Gilmar Mendes, do STF, reconhece que o dispositivo não terá efeito se o tribunal não alterar os prazos de alguns julgamentos, que podem exigir 12 ou 14 anos.

Imagine-se um caso de recomposição salarial de uma determinada categoria, que só poderia avançar após a decisão do STF — quando, provavelmente, boa parte dos trabalhadores beneficiados já estaria morta. A demanda pela súmula vinculante terminaria, assim, paralisando de vez o processo judicial, em vez de agilizá-lo, como se promete. E sempre será possível exibir diferenças microscópicas nos processos para escapar à súmula vinculante.

Será que não seria muito mais eficiente, então, desenvolver um trabalho de mudança de mentalidade, destinado a convencer juízes de primeira instância a reconhecerem a farta jurisprudência do STF?

Assim como a súmula vinculante, a repercussão geral é outro tema que deve gerar muita discussão. O dispositivo, aprovado pelo Congresso Nacional, permite que o Supremo selecione somente as causas que considerar conveniente, sob a alegação de que os julgamentos só receberão guarida se tratarem de temas de interesse geral da sociedade, e que têm obrigatoriamente de passar pelo plenário. O problema é que a maioria das ações que tramitam hoje pelo tribunal são monocráticas, ou seja, não precisam ser votadas pelos ministros. Dessa forma, a repercussão geral pode se transformar em requisito para conhecimento das ações, sem oferecer soluções de mérito para as mesmas. Outro gargalo.

É sempre bom lembrar que o Direito não é uma ciência exata. A aplicação da Súmula Vinculante e da repercussão geral poderá apenas comprovar que a velocidade de nossa Justiça depende muito menos de novas leis e muito mais de procedimentos singelos, como a conscientização dos operadores do Direito e investimentos que permitam um fluxo eficiente de trabalho.

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