Verdade de Goebbels

CNMP não aumentou salários de promotores, apenas ampliou teto

Autor

  • Hugo Melo Filho

    é juiz do Trabalho mestre em Ciência Política membro do Conselho Nacional do Ministério Público e presidente da Comissão de Planejamento Estratégico e Acompanhamento Legislativo do órgão.

18 de dezembro de 2006, 16h13

“Uma mentira repetida mil vezes se converte em uma verdade.” Todos sabem que esta frase é de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista. Setores da imprensa brasileira sabem que a estratégia funciona. E bem.

Tomemos a seguinte notícia: “O Conselho Nacional do Ministério Público surpreendeu ontem ao tomar decisão que aumenta despesas. E em causa própria. Por sete votos a cinco, aprovou resolução que acaba com o subteto de R$ 22,1 mil mensais para procuradores e promotores de Justiça estaduais. A iniciativa permite que, a partir de agora, eles embolsem o salário máximo do funcionalismo: R$ 24,5 mil, o mesmo que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal”. Nestes termos, com variações mínimas, boa parte dos jornais divulgou decisão do CNMP, tomada na sessão de 4 de dezembro, que teria dado “aumento a procurador estadual”. Verdade?

O que dizia, de fato, a nova redação da Resolução 9/06, que resultou da decisão acima mencionada? Qualquer pessoa que saiba ler compreenderá que não foi concedido, nem poderia ter sido, aumento a quem quer que seja. Na verdade, o CNMP alterou parâmetros que fixara, há alguns meses, para o cumprimento das regras constitucionais que estabelecem limites à remuneração dos agentes públicos, iniciativa moralizadora que, curiosamente, não teve repercussão na imprensa. A nova redação era clara: não poderá haver fixação de subsídio maior do que 90,25% do subsídio de ministro do STF (R$ 22,1 mil). Evidentemente, a definição do valor do subsídio, observado este limite, haveria de ser feita por lei estadual. Assim, poderia haver, como há, subsídios menores do que o limite. Não é verdade, então, que tivesse sido concedido aumento aos promotores.

Por outro lado, a segunda parte do texto evidenciava o entendimento majoritário do CNMP quanto à correta interpretação do artigo 37, XI, da Constituição da República. Prevaleceu a opinião de que o limite de 90,25% diz respeito apenas ao subsídio dos juízes e membros do Ministério Público estaduais, não se constituindo em teto remuneratório. A matéria é controvertida — basta ver o escore da decisão: sete a cinco. Mas, por exemplo, o CNJ decidira no mesmo sentido, há cerca de dois meses, por unanimidade.

Nos termos da decisão do CNMP, algumas parcelas que, excepcionalmente, não integrassem o subsídio poderiam ser recebidas até o limite de R$ 24,5 mil. Não é verdadeiro, pois, que todos os membros do Ministério Público passariam a receber o mesmo que os ministros do Supremo. Apenas alguns poucos que têm direito, por força de lei, a tais parcelas remuneratórias não integrantes do subsídio. Com toda certeza, não chegariam a 10% do total de membros do Ministério Público. Em alguns estados, talvez ninguém viesse a ser beneficiado.

E que parcelas seriam essas? Tanto o CNJ quanto o CNMP, nas resoluções que fixaram os limites remuneratórios, deixaram claro que, por exemplo, gratificação pelo exercício de função de procurador-geral de Justiça, prestação de serviços à Justiça Eleitoral e outras que configurem exercício cumulativo de atribuições não se incluem nos subsídios. Vê-se, assim, que seriam excepcionalíssimos os casos de recebimento de valores além do subsídio (máximo de R$ 22,1 mil). De toda forma, somente se houvesse previsão do seu pagamento em lei e limitação ao teto nacional (de R$ 24,5 mil).

Alardearam alguns jornais que o CNMP se rendera a demandas corporativas, decidindo em benefício próprio. Disseram, também, que haveria efeito cascata, repercutindo a decisão em aumentos para outras categorias, cujos vencimentos são atrelados ao do Ministério Público. Nenhuma das informações procede. Em primeiro lugar, o conselho não “se mobilizou em torno de causas corporativas”. Foi, isto sim, provocado por associação de membros do Ministério Público e teve de deliberar sobre o pedido. A decisão poderia ter sido em sentido contrário. Bastaria a mudança de um único voto.

Depois, dos sete conselheiros que votaram a favor, quatro não poderiam, de forma alguma, auferir vantagem da decisão: um é juiz e os demais advogados. Como falar em decisão em causa própria? Demais disso, dos cinco vencidos, quatro são membros do Ministério Público (onde está o corporativismo?). A alusão a efeito cascata somente pode refletir ignorância ou má-fé. Não há “vencimentos de várias categorias de funcionários públicos federais, estaduais e municipais” vinculados à remuneração dos membros do Ministério Público. Os servidores, de todas as esferas, são remunerados segundo critérios fixados em lei, não sendo permitida a vinculação sugerida.

A decisão sequer chegou a produzir efeitos. O procurador-geral da República, que também preside o CNMP, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a resolução. Não porque a medida tenha “provocado indignação no procurador-geral”, como mencionaram alguns jornais. Simplesmente porque o seu entendimento sobre a matéria é contrário ao quanto decidido. E o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar suspendendo os efeitos da decisão do CNMP, até julgamento final da ADI.

O Conselho Nacional do Ministério Público, em 18 meses de existência, cuidou de temas da mais alta relevância e de imenso interesse social: vedou o nepotismo, estabeleceu critérios objetivos e transparentes para as promoções e remoções de promotores, limitou o exercício do magistério pelos integrantes da carreira, limitou-lhes a possibilidade de exercício da advocacia e de outros cargos, regulamentou os concursos públicos para ingresso na carreira, fixou regras para o controle da atuação administrativa e financeira dos órgãos, estabeleceu limites remuneratórios, regulamentou a tramitação do procedimento investigatório criminal, além de atuação diuturna nas questões disciplinares.

Salvo a questão do nepotismo, nada disso rendeu notícia. A decisão aqui examinada — que pode ser juridicamente discutível, mas há de ser respeitada — foi o suficiente para detonar a estratégia goebbelsiana, com furor pouca vezes visto. A quem interessa reduzir a credibilidade dos órgãos de controle?

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  • é juiz do Trabalho, mestre em Ciência Política, membro do Conselho Nacional do Ministério Público e presidente da Comissão de Planejamento Estratégico e Acompanhamento Legislativo do órgão.

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