Briga da vizinhança

Limitação social ao direito de propriedade edilício

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2 de dezembro de 2006, 6h00

O professor Miguel Reale, nosso mestre da Faculdade de São Francisco da USP, um dos idealizadores do Código Civil, apontava a qualidade da lei, sob a inspiração de três princípios básicos: eticidade; sociabilidade e operabilidade. Dizia o mestre que o princípio da eticidade busca fugir do formalismo jurídico em favor da capacidade de adaptação do código às mudanças e valores da sociedade, bem como a adaptabilidade às questões, trazendo a idéia de que os princípios éticos devem prevalecer sob o puro formalismo jurídico.

A sociabilidade traz o reconhecimento do fator do prevalecimento do interesse coletivo ao interesse individual. O Código Civil de 2002 é inovador. Traz nova forma de encaramento do Direito positivo: a codificação. Não existe mais no caso condominial a esparsa Lei 4.591/64 (1 a 28). O condomínio agora é visto sob o prisma da codificação, ao encontro de outros códigos e da Constituição Federal.

Impende olhá-lo sob esse ângulo e verificar que a nova lei civil é ultrapassada em alguns tópicos. Porém, brilhante e arrojada em outros. Por sua magnitude, no caminho da codificação, tornar-se-á, com o tempo, em código imortalizador da sua época.

Caio Mário da Silva Pereira, analisando a natureza jurídica do condomínio horizontal, salientou-a como pertencente a um conceito dominial novo (Pereira, Cond. e Incorp, p. 87). A originalidade e peculiaridade da propriedade horizontal está na fusão dos conceitos de domínio singular ou exclusivo e de domínio plural ou comum, para a criação de um conceito próprio ou de um complexus jurídico que existe neste tipo de propriedade e que não é encontrado em nenhum outro tipo de propriedade. O novo Código Civil, no seu aspecto inovador, trouxe um novo perfil de condômino, desdobrando-o em três facetas: reiteradamente inadimplente, infrator e anti-social, atribuindo-lhes constrangimento de multa de 5 até 10 vezes o valor da taxa condominial (artigos 1.336 e 1.337).

É preciso dar corda ao raciocínio e vislumbrar o sistema da codificação trazido pela nova lei substantiva, que nada obstante alarga em muito o poder do magistrado em sua judicatura no exame das questões a ele submetidas.

O artigo 1.331, ao enfatizar propriedade exclusiva e propriedade comum, criou um novo direito de propriedade, ou seja, como preconiza Silvio Venosa, um direito complexo. Essa distinção evidente entre propriedade comum e exclusiva foi inserida pelo legislador no capítulo do Condomínio Edilício, dando um traço marcante e peculiar à propriedade edilícia, propriedade da fração ideal, diferençando-a do condomínio geral, voluntário ou necessário.

Como se não bastasse, não se pode compreender a questão condominial na visão atualizada do novo Código Civil, dando atenção apenas ao capítulo edilício ou a rigorismos formais, neste ponto ultrapassados. É necessário mais, muito mais.

É mister tocantemente à codificação colacionar vários outros artigos do mesmo código, por exemplo: artigos 1.277 e 1.279 da Lei de 2002 (direito de vizinhança).

Se assim não fosse, poder-se-ia entender que a multa aplicável ao condômino anti-social, “aquele que desfigura a vida no microcosmo condominial”, terminaria com a multa de até 10 vezes o valor da taxa de condomínio ordinária.

Contudo, olhar mais atento à codificação, podemos admitir que artigo 1.331, nesse novo binômio do direito de propriedade, trouxe em seu bojo a limitação social ao direito de propriedade edilício, pois trata de propriedade comum e exclusiva, de impossível divisão e com o direito de uso e convivência até que ocorra a possibilidade da limitação social restringir o direito de convivência do condômino proprietário.

Senão vejamos. Imaginemos a hipótese de um condômino reiteradamente anti-social, anteriormente multado em até 10 vezes o valor da taxa condominial.

Nada obstante à reação do condomínio, esse condômino proprietário anti-social agudou seu comportamento, trazendo aos condôminos seus vizinhos e moradores, permanente violação de seus direitos à honra, privacidade, sossego, segurança, etc.(drogas ou alcoolismo permanente e exacerbado).

Imaginemos ainda que o condomínio e seus condôminos movimentem a máquina judiciária, pedindo a exclusão do direito de convivência no condomínio daquele proprietário com manifesto comportamento anti-social.

O requerimento judicial poderia amparar-se no artigo 273 do CPC que estabelece: “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”.

Mas não é só. Atente-se para o artigo 461 e seus parágrafos da lei adjetiva que abre ensejo à antecipação da tutela, podendo-se requerer ao juiz a concessão da tutela específica da obrigação e, assim, de ofício, ou a requerimento poderá determinar a remoção de pessoas e coisas, fortalecendo o requerimento judicial de exclusão do direito de convivência do condômino anti-social.

Essa é a limitação social trazida pelo novo Código Civil ao direito de propriedade. Não se viola esse direito. Apenas a limitação social o restringe, pois o condômino privado da convivência naquele condomínio poderá locá-lo, cedê-lo em comodato, aliená-lo, emprestá-lo. Prevalece, então, o interesse coletivo.

É óbvio que o desvirtuamento da vida no microcosmo do condomínio, por causa do anti-social, incide mais diretamente no sistema condominial residencial, pois é onde se refugia a família em seu sagrado lar.

Se estas ponderações estiverem corretas, podemos dizer que o legislador do novo Código Civil cuidou até mesmo da exclusão do condômino por reiterado comportamento anti-social após a comprovação da continuidade do comportamento e da impossibilidade do condomínio na defesa de seus direitos corrigir a incompatibilidade de convivência.

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