Processo Administrativo

Justiça não pode revisar decisões desfavoráveis ao fisco

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9 de setembro de 2005, 13h40

Com base no Parecer 1.087/2004, do Procurador da Fazenda Nacional, editou-se, em 25 de outubro de 2004, a Portaria PGFN 820, publicada no dia 29 do mesmo mês, que trata da possibilidade de submissão das decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda à apreciação do Poder Judiciário, quando desfavoráveis ao Fisco.

Referido ato veio a possibilitar a aplicação do entendimento firmado no sentido de que as decisões dos citados órgãos que lesarem patrimônio público devem ser sujeitadas à revisão judiciária quanto à sua legalidade, juridicidade, ou em caso de erro de fato.

Os fundamentos jurídicos que embasaram o Parecer, que por sua vez deu origem à Portaria citada, são os que seguem:

(i) As decisões do Conselho de Contribuintes se revestem de natureza de ato administrativo;

(ii) Todo e qualquer ato administrativo poderá ser revisto pelo Poder Judiciário, a teor do que dispõem os incisos XXXV e LXXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal;

(iii) Assim, a decisão final proferida pelo Conselho de Contribuintes, desfavorável a qualquer dos sujeitos da relação jurídico-tributária, pode ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, seja para controle de legalidade, seja para controle de juridicidade, ou em razão de erro de fato ocorrido no julgamento administrativo.

Ocorre, contudo, que tal entendimento, ao contrário do que se apresenta, é absolutamente desprovido de qualquer sustentação jurídica, razão pela qual a Portaria PGFN 820/04 deve ser declara inconstitucional e afastada de nosso ordenamento. Vejamos.

Dispõe o ato administrativo, em seu artigo 2º, que:

“Art. 2º – As decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e, cumulativa ou alternativamente:

I – versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais);

II – cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e

III – possam causar grave lesão ao patrimônio público.

Parágrafo único – O disposto neste artigo aplica-se somente a decisões proferidas dentro do prazo de cinco anos, contados da data da respectiva publicação no Diário Oficial da União.

Diante do dispositivo ora transcrito, verifica-se que foram levados em conta, para submissão de decisões à reavaliação pelo Poder Judiciário, a sua legalidade, o valor discutido no processo administrativo, a relevância da matéria e a lesão ao patrimônio público.

Entretanto, independentemente do motivo pelo qual pretenderia o Estado a reavaliação de tais decisões, a devolução da matéria àquele Poder, nos casos em que a questão tenha sido solucionada de forma favorável ao contribuinte, é simplesmente incabível, ante à falta de qualquer previsão constitucional que a permita.

De fato, ao contrário do que alegam a administração pública e o Procurador da Fazenda Nacional, os incisos XXXV e LXXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal não se prestam a justificar a sua pretensão. Mas, em verdade, quando analisados mais a fundo, servem para afastar a possibilidade de o Estado buscar a revisão de decisões administrativas pelo Judiciário. Explica-se:

É certo que as decisões administrativas estão inexoravelmente sujeitas à revisão do Poder Judiciário.

Contudo, tal regra se encontra prevista no Capítulo I, do Título II, da Constituição Federal, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, os quais, por sua vez, são direitos e garantias fundamentais, o que significa que referida regra se presta a amparar tão somente o cidadão, e nunca o Estado.

Buscar a aplicação do artigo 5º em favor da Administração Pública é de certo inviável, eis que o seu objetivo é justamente o de proteger os cidadãos contra eventuais abusos por ela originados.

Aceitar o contrário seria o mesmo que aniquilar qualquer utilidade do processo administrativo, ou mesmo de qualquer das garantias constitucionais conferidas aos cidadãos, eis que poderiam tais garantias também ser invocadas pelo Estado contra eles.

Com base nessa simples observação, já se mostra certa e indiscutível a impossibilidade da aplicação da pretensão administrativa no atual universo jurídico.

Entretanto, mesmo que se considere que as alegações acima expostas não se prestam à conclusão pela inconstitucionalidade do ato ora analisado, ainda assim padeceria ele de vício, frente ao que dispõe o artigo 45, do Decreto 70.235/72, que regulamenta o processo administrativo fiscal. Confira-se:

“Art. 45 – No caso de decisão definitiva favorável ao sujeito passivo, cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo, de ofício, dos gravames decorrentes do litígio.”

Da mesma forma, verifica-se que as decisões proferidas pelos Conselhos de Contribuintes ou pela Câmara Superior de Recursos Fiscais constituem ato jurídico perfeito, não sujeitas à revisão quando favoráveis ao contribuinte, de modo que estão claramente amparadas pelo princípio da segurança jurídica.

Intentar o contrário, por meio de uma portaria, configura não somente clara ilegalidade em face da referida lei, mas também outra inconstitucionalidade, ao passo que há evidente afronta ao princípio da legalidade.

O que se vê, com base no até aqui exposto, é que, com a edição da Portaria PGFN 820/2004, busca o Poder Público suprimir os direitos da sociedade a fim de saciar a sua eterna sede arrecadatória, situação esta que não pode ser permitida sob quaisquer condições.

Ante o exposto, concluímos que o entendimento apresentado pelo Parecer PGFN/CRJ 1.087/2004 é absolutamente falho e desprovido de sustância jurídica, uma vez que fora firmado abalizado no artigo 5º, da Constituição Federal, que, ao contrário do que se pretendeu, presta-se somente a proteger os cidadãos, nunca o Estado.

Por tal razão, temos por conseqüente a certa ilegalidade e inconstitucionalidade da Portaria PGFN 820/2004, de modo que deverá ela ser rechaçada do ordenamento jurídico pátrio, afastando-se por definitivo qualquer possibilidade de o Estado buscar a revisão das decisões administrativas a ele desfavoráveis por meio do Poder Judiciário.

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