Carreiras distintas

Procuradores da Fazenda protestam contra unificação de carreiras

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28 de março de 2005, 19h12

O Sinprofaz — Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional vai deflagrar um Dia Nacional de Mobilização na próxima quarta-feira (30/3). Será feito um ato público em Brasília pela manutenção da especialização e por repúdio a unificação das carreiras da advocacia pública federal.

O ato terá lugar no auditório do edifício-sede do Ministério da Fazenda. A manifestação foi aprovada em assembléia-geral, no último dia 18 de março.

Representantes da categoria vão se reunir para tratar das reivindicações com o procurador-geral da Fazenda Nacional, Manoel Felipe Rêgo Brandão, e com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Os procuradores também vão se reunir nas unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda a partir das 15h.

Os procuradores da Fazenda reclamam de que “em plena era da especialização, a Advocacia Pública Federal está mergulhada numa inusitada discussão em torno da unificação ou especialização de suas carreiras”.

Leia o manifesto que será entregue pelo Sinprofaz às autoridades

Nas últimas semanas, em plena era da especialização, denominação consagrada nas searas da Ciência e da Teoria Geral da Administração, a Advocacia Pública Federal está mergulhada numa inusitada discussão em torno da unificação ou especialização de suas carreiras (Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador do Banco Central e Procurador Federal).

Este manifesto procura demonstrar que um movimento pela unificação das carreiras da Advocacia Pública Federal coloca-se na contramão da evolução da Ciência da Administração, dos ditames constitucionais pertinentes, da organização e experiência da Administração Pública Federal e da realização do princípio da eficiência, inscrito no caput do art. 37 da Constituição, além de não encontrar similitude na organização das demais carreiras de Estado responsáveis pela administração da Justiça – a Magistratura e o Ministério Público -, pois que integralmente organizadas, na esfera federal, de maneira especializada, a saber: Justiça Federal (e respectivos Juízes Federais), Justiça do Trabalho (e respectivos Juízes do Trabalho), Justiça Eleitoral (e respectivos Juízes Eleitorais), Justiça Militar (e respectivos Juízes-Auditores), Ministério Público Federal (e respectivos Procuradores da República), Ministério Público do Trabalho (e respectivos Procuradores do Trabalho), Ministério Público Militar (e respectivos Procuradores da Justiça Militar), Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (e respectivos Procuradores e Promotores de Justiça).

Em primeiro lugar, o conhecimento científico acumulado acerca das atividades administrativas no seio das organizações desenvolveu e aperfeiçoou a idéia de especialização do trabalho humano como vetor essencial na busca da eficácia e da eficiência. Firmou-se, ao longo do tempo, a premissa de que a especialização do trabalhador, aqui tomado em sentido amplo, tende a aumentar a eficiência das organizações. A chamada abordagem clássica da Administração, nos primórdios desta ciência, no início do século XX, consagrou, o que o tempo revelou ser de forma definitiva, a premissa da especialização do trabalho. Não destoam as abordagens subseqüentes, a exemplo da teoria neoclássica que chegou a qualificar a especialização como um princípio fundamental do trabalho no interior das organizações. Os tempos modernos, com a explosão do conhecimento complexo e multidisciplinar e das inovações tecnológicas em ritmo frenético, aprofundaram de tal forma a necessidade de especialização no mundo do trabalho que se cunhou a denominação “era da especialização”. Percebe-se, atualmente, que o trabalho em equipe e em rede, ao lado de outras novidades organizacionais, tão-somente qualificaram o movimento pela especialização, agora flexível, entre outras vertentes. Resta, pois, incontroverso que a teorização sobre a administração das organizações humanas não construiu um princípio da unificação ou da generalização como forma eficaz e eficiente de gestão de pessoas que trabalham. Obviamente, a especialização, como aqui considerada, é uma tendência de administração de recursos humanos, sendo concretizada em intensidades e formatos variáveis dependentes das necessidades das organizações.

Em segundo lugar, verificamos no texto constitucional, particularmente na estruturação das carreiras típicas de Estado, definições fundamentais considerando a premissa da especialização. Assim, restou prestigiada a idéia em questão quando consignado no art. 131, parágrafo segundo do Texto Maior o ingresso por concurso público nas classes iniciais das carreiras (no plural) da instituição Advocacia-Geral da União. No mesmo sentido dispôs o art. 29, parágrafo segundo do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao tratar da opção dos Procuradores da República entre as carreiras (no plural) do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União. Recentemente, por força da Emenda Constitucional no 42, de 2003, o art. 37, inciso XXII da Constituição trata expressamente das carreiras específicas (mais uma vez no plural) da Administração Tributária. A organização funcional especializada da Magistratura e do Ministério Público federais já foi destacada no início do texto. Certamente, o constituinte, originário e derivado, não descurou a longa experiência científica acumulada pela humanidade acerca da especialização do trabalho.

Em terceiro lugar, certos fatos da experiência administrativa recente no seio da Administração Pública Federal mostram o desacerto de movimentos no sentido contrário ao da especialização de carreiras jurídicas. Constata-se, neste sentido, uma forte resistência por parte dos dirigentes das Agências Reguladoras, modelos por excelência de especialização funcional, em administrar quadros advocatícios de Procuradores Federais dotados de ampla mobilidade e alto índice de falta de identidade organizacional, esta última característica decorrência direta da primeira.

Em quarto lugar, o abandono da especialização das carreiras da Advocacia Pública Federal significaria um golpe de morte na eficiência das atividades estatais neste campo. Vale registrar que a própria Constituição Federal, nos citados art. 131, parágrafo terceiro e no art. 29, caput e parágrafo quinto, do ADCT, ao dispor sobre a Advocacia Pública da União, definição uma organização bifurcada a partir da atuação ou não em matéria tributária ou fazendária.

Não se pode deixar de também ressaltar a extrema complexidade das normas tributárias nacionais, que formam um emaranhado de milhares de diplomas jurídicos que regem o Fisco, suas relações com os contribuintes e as obrigações destes para com a manutenção do Estado e da sociedade, fazendo com que, na área da advocacia privada, os advogados tributaristas sejam os mais bem remunerados e treinados dentre todos os ramos do Direito, até porque, além da complexidade normativa, não é raro que os conflitos tributários judicializados atinjam patamares de milhões ou bilhões de reais.

Resta, ainda, dizer que sequer consegue ser mensurada a repercussão que a adequada e eficiente atividade de recuperação (cobrança administrativa e judicial) de créditos públicos não pagos gera sobre o pagamento espontâneo de tributos pelos contribuintes.

Como a advocacia privada tributária no Brasil apresenta-se altamente especializada e organizada, notadamente através de cursos e treinamentos, publicações, eventos e outros expedientes, impõe-se a manutenção de um corpo de advogados públicos igualmente especializado para lhe fazer frente, hoje e amanhã, imperando a sensatez, os Procuradores da Fazenda Nacional. Neste sentido, importa destacar o tempo e o custo para se formar um Procurador da Fazenda Nacional apto a atuar nas batalhas forenses diárias contra os melhores, mais bem equipados e mais bem preparados e remunerados escritórios de advocacia tributária do País.

Neste processo de formação profissional, a “cultura” fazendária, fator de importância transcendental, simplesmente seria desmantelada com uma “unificação de carreiras” e sua conseqüente mobilidade funcional extremada. Sem qualquer exagero, uma “unificação de carreiras” que suprimisse a existência dos Procuradores da Fazenda Nacional seria uma das maiores aventuras jamais vistas na Administração Pública Federal, com conseqüências, inclusive financeiras, incalculáveis.

Refuta-se, nesta sede, a prevalência do argumento central do “movimento” pela “unificação de carreiras”: a racionalização administrativa. A propalada racionalização operaria no nível da gestão de pessoal. Com certeza, um só corpo de advogados públicos facilitaria a prática dos atos de nomeação, remoção, promoção, entre outros. Nesta linha, as despesas de pessoal até tenderiam a alguma diminuição. Ocorre que esta visão desconsidera o mais importante. Em matéria de advocacia pública, assim como em todas as atividades finalísticas, os resultados do trabalho ou a eficiência da atuação são, com imensa folga, mais relevantes que os aspectos meramente organizacionais. Ademais, e não parece subsistir dúvida quanto a este aspecto, a eficiência dos resultados obtidos suplantaria a “economia” com a racionalização. Em suma, a maior racionalidade prometida pela unificação não consegue superar em importância a maior eficiência propiciada pela especialização.

Em quinto lugar, não deve ser desconsiderado o potencial de ofensa ao instituto do concurso público nos movimentos de unificação de carreiras. Afigura-se inaceitável que indivíduos alçados a certos cargos públicos pelos mais variados expedientes administrativos divorciados do princípio da igualdade de acesso aos cargos públicos por parte de todos os cidadãos aptos venham, agora, a ser “beneficiados” com transposições e enquadramentos típicos destas tristes passagens da vida administrativa cognominadas de “unificação de carreiras” e apelidados pela imprensa brasileira como “trens da alegria”. Mesmo aqueles ocupantes de cargos, nas carreiras de Advocacia Pública Federal, por concursos específicos, voltados para postos com competências funcionais bem definidas, não poderiam ser simplesmente alçados a um novo cargo com rol de competências significativamente distintos, porque ampliados, dos anteriores.

Nesta linha de raciocínio, os Procuradores da Fazenda Nacional enquanto advogados especializados da Administração Tributária Federal apóiam ações governamentais voltadas para a efetivação do fortalecimento da Administração Tributária preconizado no art. 37, inciso XXII da Constituição, dispositivo introduzido pela Reforma Tributária da Emenda Constitucional no 42, de 2003.

Sustentam os Procuradores da Fazenda Nacional que este processo de fortalecimento da Administração Tributária Federal, atividade essencial do Estado, conforme a letra da Constituição, deve ser pautado nas seguintes definições básicas:

(a) transparência na construção do projeto, efetivada mediante discussão aberta com as entidades e as carreiras interessadas, com o Parlamento, com a Imprensa e os mais variados setores da Sociedade Civil;

(b) mudanças que conduzam efetivamente ao fortalecimento da Administração Tributária, traduzido na estruturação administrativa condizente com o volume e a relevância das atribuições desempenhadas;

(c) valorização das carreiras integrantes da Administração Tributária, com definição adequada de competências, prerrogativas, garantias, condições de trabalho e remunerações;

(d) fixação de mecanismos que garantam o adequado financiamento das atividades realizadas pelos órgãos e agentes da Administração Tributária.

Brasília, 28 de março de 2005.

Aldemario Araujo Castro

Presidente do SINPROFAZ

Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional

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