Estatística na Justiça

Precisamos mudar as regras, diz ministro Nelson Jobim.

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12 de maio de 2005, 18h29

“Se colocássemos, alguns anos atrás, um carro no centro de São Paulo, para ir ao aeroporto de Congonhas, às 6 horas da tarde, não adiantava o Ayrton Senna estar na direção porque as coisas não andavam. E esse é o problema que nós temos. Precisamos mudar as regras. São dois eixos fundamentais. Um é a gestão, e outro, as regras de processo.” A afirmação foi feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal em entrevista coletiva, nesta quinta-feira (12/5), sobre os indicadores estatísticos do Poder Judiciário brasileiro.

Ele comentou, ainda, a falta de dados sobre a Justiça de São Paulo. “O presidente do Tribunal do Estado de São Paulo vai conseguir implantar, em agosto, o sistema de informatização. Eles atrasaram um pouco o sistema de informatização e no final do ano, provavelmente, teremos todo o sistema funcionando. Sabe-se que é mais fácil criar um sistema de informática que reformar sistemas velhos. Com essa informatização, o tribunal de São Paulo vai ter condições de gestão”, afirmou.

Leia a entrevista publicada no site do STF

1. Que conclusão o senhor tira dessa pesquisa?

Que temos um conjunto de magistrados, na sua grande maioria, sem condições de ofertar os resultados do seu trabalho. É aquela imagem a que me referi: se colocássemos, alguns anos atrás, um carro no centro de São Paulo, para ir ao Aeroporto de Congonhas, às 6 horas da tarde, não adiantava o Ayrton Senna estar na direção porque as coisas não andavam. Precisamos mudar as regras. São dois eixos fundamentais. Um é a gestão, e outro, as regras de processo. Com Esse levantamento, mais a presença, nesse encontro, do presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, na qual tramita o processo de reformas [infra-constitucionais], podemos fazer alteração substancial no paradigma do sistema processual brasileiro. Podemos, também, trabalhar no sistema proativo dos tribunais no sentido de gerir a massa de processos que têm, e não, ficar no sufoco da massa de processos para a sua administração. São questões administrativas e processuais.

2. Tem algum dado que deixou o senhor surpreso?

Todo mundo falava, em linguagem comum, da morosidade do sistema. Mas não tínhamos dimensão disso. O dimensionamento demonstrou que o sistema é moroso. Agora, uma coisa é ter sistema moroso, outra coisa é saber por que é moroso. Pelos levantamentos que fizemos, observando o grau da carga de trabalho relacionada com a capacidade de decisão, podemos concluir que os elementos que integram o sistema, ou seja, os juízes, são bons. O que tem é um travamento brutal do sistema que invibializa resultados efetivos.

3. Quais os dados que chamaram mais atenção?

Primeiro, a taxa de congestionamento. Estamos com média nacional de 56%, o que significa que, de cada cem processos no ano de 2003, tivemos a capacidade de julgar em torno de 47, 48, o que mostra que o sistema não está funcionando. Repito: que não se veja nisso que você está examinando da perspectiva de que os juízes e os integrantes do sistema judiciário, são péssimos. Não. É o sistema que não funciona e que dispõe de gente que tem capacidade de fazê-lo funcionar.

4.Então, qual é o problema?

Processual e de gestão. Basicamente, a regra processual que não prevê o ônus do risco da demanda. Demandar representa, para todos aqueles que têm condição de empurrar a demanda por mais tempo, vantagem de natureza financeira e econômica.

5. A pessoa recorre e não paga mais por isso?

Ela não tem ônus por ter recorrido. Se alguém é condenado no primeiro grau e não recorre, vai ter de satisfazer a obrigação em menor prazo. Se recorre, vai ter de satisfazer a mesma obrigação com pequenos acréscimos e prazo muito maior, porque ele não tem nenhum risco de recorrer. O máximo que pode acontecer na decisão do tribunal de segundo grau em relação ao de primeiro grau é manter o cidadão que recorreu no estado em que se encontra. Não há nenhum acréscimo.

6. A diminuição desses recursos vai tornar a Justiça mais ágil?

Diminuirá a taxa de congestionamento. O levantamento efetivo do tipo de litigiosidade que existe no Brasil poderá fazer com que o Judiciário sugira ao Poder Executivo – e essa é a função daquela mensagem do presidente do Supremo Tribunal Federal no início de cada ano, que a reforma do Judiciário determinou – políticas públicas para a redução da litigiosidade. Poderá agir, também, na questão processual. Não adianta gerir, exclusivamente, a questão do sistema. É preciso, também, gerir as causas da entrada no sistema.

7. Quem mais recorre é o governo?

Depende da Justiça que você analisar. Na Justiça do Trabalho, não. Na Federal, sim, já que ela tem a competência para julgar questões relativas à União. Nela, temos grau de recorribilidade muito maior, porque o maior número de réus federais está na Justiça Federal. É evidente que temos casos de aproveitamento da demora para o não-cumprimento das soluções dos problemas.

8. Se o governo diminuir o número de recursos, isso vai trazer benefícios ou prejuízos para a União?

A recorribilidade da União vai depender dos custos que se determinam. Temos de lembrar que ainda estamos na fase final decorrente das demandas que vieram dos planos econômicos. São aqueles “esqueletos”. Estamos na fase terminal dos esqueletos. Esperamos que o Executivo e a Advocacia Geral da União comecem a formular súmulas internas, no sentido de não recorrer das decisões já consolidadas nos tribunais.

9. E sobre o Conselho Nacional de Justiça?

Queremos implantar o conselho a partir do início de junho. Vamos ter um momento inicial de ajustamento de seu funcionamento. Ele deverá funcionar aqui no prédio do Supremo. Começaremos a trabalhar naquilo que me parece mais relevante. Têm-se duas funções nesse conselho. Uma é formular políticas e estratégias nacionais, e os subsídios começam a aparecer com essa pesquisa. A outra, a questão disciplinar, é meramente supletiva.

10. Qual seria o papel do Executivo e do Congresso Nacional na melhora da prestação de serviços pelo Judiciário?

No ano passado, fizemos longas discussões com o Ministério da Justiça e se produziu uma série de projetos, no que deu origem ao que chamamos de “Pacto para a Melhora do Sistema Judiciário Nacional”. Assinamos um documento – o presidente Lula, o na época presidente do Senado, José Sarney, e o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, e eu. Foram formulados 20 projetos, que tramitam parte na Câmara, parte do Senado – grande parte na Câmara – e exatamente estão dentro desse conjunto de mudanças de paradigmas do sistema; e queremos aprová-los até o fim do ano.

11. Com base nesses números que o senhor apresentou, qual a perspectiva para o cidadão em relação ao sistema judiciário?

Primeiro, temos de otimizar isso para fazer com que esse sistema de avaliação seja constante, on-line e dia-a-dia para o gestor. Creio que teremos condições de começar a ter uma resposta não antes de quatro, cinco anos. A partir do quinto ano é que vamos começar a ter resultados dessas operações.

12. Em termos de gestão, quais são os principais defeitos?

Hoje se faz um sistema de julgamentos sem nenhuma correlação. Vou dar o exemplo de uma coisa simples que se pode fazer. Quando começam a entrar recursos no Supremo Tribunal, o Supremo diz que está havendo avalanche de recursos sobre um assunto. Esse assunto se tornou relevante para o tribunal. Mas, na verdade, esse assunto já é relevante. Quando chegou aqui, já chegou dez anos depois. Então, tem dez anos que aquilo está tramitando. O fato é que podemos criar uma capilaridade com o STJ com o segundo grau da Justiça Federal e da Justiça comum Estadual, de forma tal que possa o presidente do tribunal, em articulação com os outros, dizer olha, tem uma questão que está surgindo aqui, que está aumentando o número de demandas; precisamos resolver esse tema. Então se pinça um recurso daqueles, traz para cá, decide e resolve os outros.

13. Mas aí o conselho vai ter de contar com a boa vontade dos tribunais, uma vez que eles têm autonomia administrativa?

No momento em que se verificar que isso dá resultado, acaba-se por adotá-lo, pela racionalidade e não, pela obrigação. Não há necessidade de se impor. A relação do conselho não é a de se impor nada a ninguém. É demonstrar resultados e trabalhar harmonicamente com os outros para criar soluções administrativas e de gestão.

14.Nesse caso então, permanecem situações de tribunais estaduais que gastam muito com pessoal, que não prestam serviços qualificados. Isso, num curto prazo, não tem solução?

Temos o problema da transparência. No momento em que começam a aparecer os números, muda-se o sistema. Vamos ter, no conselho, a função de fazer aplicar o artigo 37 da Constituição, e aí, examinaremos caso a caso.

15. Qual a redução do custo para a população com a melhora da eficiência?

Não há como quantificar. Mas no momento em que você reduz o tempo de decisão, você diminui a litigiosidade. Um dos efeitos da redução do tempo é diminuir o grau de litígios que só eram litígios porque demoravam. Então, vão ficar apenas os litígios reais, e não, aqueles jogados para se ganhar, com o tempo, resultados financeiros.

16. O senhor acha que se tem de investir mais em informática do que se investe hoje?

Não só investir mais, como também utilizar o sistema com maior racionalidade. A informática é um sistema de auto-alimentação de despesas. Faz um num dia, outro dia tem outro melhor… Temos de ter sistemas de software e hardware ajustados às nossas necessidades. Quando se diz que se investiram 70 milhões em informática, quero saber como isso foi utilizado, a relação custo/benefício.

17. Por que faltam tantos dados de São Paulo?

Agora que o presidente do Tribunal do Estado de São Paulo vai conseguir implantar, em agosto, o sistema de informatização. Eles atrasaram um pouco o sistema de informatização e no final do ano, provavelmente, teremos todo o sistema funcionando. Sabe-se que é mais fácil criar um sistema de informática que reformar sistemas velhos. Com essa informatização, o tribunal de São Paulo vai ter condições de gestão.

18. Qual tribunal funciona melhor?

O exemplo mais claro em termos de resultados de informatização é a capacidade de gestão que tem o Tribunal do Rio de Janeiro; tem sistema de gestão extraordinário e os relatórios de gestão foram implantados há mais de oito anos. Está vindo para o Conselho Nacional de Justiça um dos participantes desse processo, o desembargador Marcos Faver.

19. A Justiça Estadual, por estar mais próxima da população, vai receber direcionamento especial com base nesse estudo?

Vamos tentar fazer uma política nacional. Evidentemente, você vai ter condições de estabelecer médias de performance e fazer diferenciações. As necessidades do Poder Judiciário do Amazonas são completamente distintas das do Judiciário de Sergipe. Em Sergipe, em três horas você cruza o Estado; no Amazonas, não. Não adianta balançar uma variável exclusiva – no Amazonas custa tanto, em Sergipe custa tanto. Tem de se considerar variáveis no contexto geográfico, do espaço e no populacional, inclusive.

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