O meio ambiente e a destinação de pneus usados
16 de dezembro de 2005, 11h56
Os direitos difusos e coletivos, denominados por muitos como direitos de terceira geração despertaram grande atenção no Brasil quando se iniciaram os debates e reflexões sobre as relações de consumo e a publicação, em 1990, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Assim, razoável período transcorreu marcado pela grande preocupação e esforços por parte especialmente da sociedade civil para que aquela importante lei fosse cumprida em seus exatos termos, inibindo o abuso de fabricantes, comerciantes, enfim, daqueles denominados como fornecedores pelo referido texto legal.
Entretanto, no rol dos chamados direitos de terceira geração não estão apenas elencadas as disposições legais que regulam as relações de consumo, mas muitas outras questões de suma importância para a sociedade moderna, em especial, o Direito Ambiental. Dentro desse ramo, encontramos amplo número de normas que procuram estabelecer uma quase utópica harmonia entre o homem e sua ilimitada necessidade de produzir e consumir e os recursos naturais ainda disponíveis, portanto, limitados. O chamado desenvolvimento sustentável .
Transcendendo as relações de consumo e adentrando objetivamente no tema proposto, o que se propõe é uma breve análise sobre responsabilidade pós-consumo e o take back police, em particular o gerenciamento de resíduos sólidos e a Resolução 258 de 26 de agosto de 1999 do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, que em vista dos pneumáticos inservíveis abandonados ou dispostos inadequadamente constituírem sério passivo ambiental, determinou às empresas fabricantes e importadoras de tais utensílios, a obrigação de coletar e dar destinação final ambientalmente adequada aos mesmos que estiverem em território nacional .
Esses pneus já utilizados, devido a sua composição de borracha natural e sintética, tecidos e fios metálicos zincados e latonados, óleos e aditivos altamente poluentes têm como característica lenta biodegradação, trazendo então ao meio ambiente sérios problemas. Sua reutilização, salvo algumas iniciativas pioneiras, é inviável, tornando-o um passivo ambiental a toda sociedade pois gera poluição e degradação aos recursos naturais, e para o segmento específico das indústrias e importadoras de pneus novos e reformados que são as destinatárias da norma. Assim, muitos desses pneumáticos acabam sendo lançados nos rios, mares, enfim, contribuem para o comprometimento do meio ambiente.
Iniciativa do Poder Público busca maneiras de se evitar o aumento desenfreado do acúmulo sem destinação de tais resíduos impondo sua reutilização como combustível e em processos de produção como o do aço, cimento, e, inclusive, da própria indústria de pneus. A produção de um pneumático reformado economiza 20 litros de petróleo no caso de pneus de passeio e 40 litros nos pneus de caminhonetes em relação a pneus comuns. Importante lembrar que petróleo é um recurso natural não renovável.
Ainda com objetivo de conter o aumento de tais resíduos sem destinação, o Poder Público, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente proibiu a importação de pneus usados e exige a comprovação por parte das empresas importadoras de pneus novos da destinação de pneumáticos inservíveis no montante estabelecido na Resolução como condição para o desembaraço aduaneiro dos produtos vindos do exterior.
A mencionada Resolução inovou quando de forma gradativa aumentou o grau de comprometimento das empresas exigindo a cada ano, a partir de sua publicação, uma quantidade crescente de pneumáticos inservíveis a serem destinados de forma ambientalmente adequada. O artigo 12 prevê aplicação de severas multas nas hipóteses de não cumprimento que vão de R$ 1. mil a R$ 50 milhões.
Contudo, demonstrando seu verdadeiro intento de preservar o meio ambiente, o próprio Decreto 3179/99 que impõe as temíveis multas, também prevê a possibilidade da suspensão de sua exigibilidade quando o infrator, por meio de compromisso ajustado com a autoridade competente, obrigar-se a fazer obstar ou reparar a degradação ambiental causada, podendo, inclusive, ter sua penalidade pecuniária reduzida em 90% (noventa por cento) de seu valor atualizado monetariamente .
Atualmente a Resolução determina que para cada quatro pneus novos fabricados no país ou pneus novos importados, inclusive os que equipam veículos importados, as empresas fabricantes e as importadoras deverão dar destinação final a cinco pneus inservíveis, e, para cada três pneus reformados importados tais empresas deverão dar destinação a quatro pneus inservíveis. Trata-se de exigência, do ponto de vista empresarial, bastante rigorosa e que exige consideráveis investimentos, inflacionando, portanto, seu custo.
Vale ressaltar aqui o fato de que esta Resolução não atinge apenas o setor de pneus, mas também o automotivo uma vez que algumas montadoras possuem determinados modelos cuja fabricação não é realizada no Brasil, portanto, importam esses veículos abastecendo o mercado interno sujeitando-se ao alcance da norma.
Ainda quanto a Resolução, encontra-se junto ao Senado Federal o projeto de lei PLS 216/2003 de autoria do senador Flávio Arns que visa além da transformação da resolução em lei, a regulamentação da atividade do segmento de fabricantes de pneus remoldados cuja associação de classe defende a importação de pneus usados como matéria-prima, prática proibida pelo Ministério do Meio Ambiente .
Quanto à condição de inservível a própria Resolução traz sua definição. Entretanto, quanto à destinação dos pneumáticos, o termo ambientalmente adequada impõe aos obrigados a realização de pesquisas dirigidas de como efetivamente dar destinação a esses utensílios, lembrando que essa devida destinação deve se pautar nos dispositivos da legislação ambiental, inclusive no que se refere ao licenciamento ambiental.
Enfim, uma tarefa bastante complexa e que certamente requer a atuação de equipe multidisciplinar de profissionais na idealização e execução de projetos capazes de atender às exigências legais então verificadas, uma vez que segundo o Ibama cerca de 70 milhões de pneus de automóveis inservíveis deixaram de ter destinação conforme previsão legal apenas no ano de 2004 o que impõe ao órgão a intensificação na fiscalização e imposição das sanções legais que são extremamente rigorosas.
Há informações de algumas iniciativas pioneiras que têm apresentado resultados bastante satisfatórios, o que além de fazer cumprir as exigências da lei ambiental, proporciona a veiculação do chamado “marketing verde” , mitigando assim ao menos parte dos recursos investidos na adaptação de processos industriais e comerciais.
Entretanto, apenas uma empresa brasileira tem cumprido com as determinações da lei, sendo que as maiores produtoras não cumpriram nenhuma das metas exigidas desde a publicação da resolução do Conama. Houve, inclusive denúncias sobre um possível envolvimento do presidente do Ibama na “preservação” não do meio ambiente como visa a resolução, mas das grandes empresas fabricantes de pneus que não cumprem a norma e assumem isso abertamente perante a opinião pública, sendo representado criminalmente junto a Procuradoria da República exigindo-se ainda explicações da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva sobre seu eventual conhecimento da prevaricação denunciada contra o agente submetido ao seu ministério, o que gerou reação do órgão ambiental que multou as transgressoras.
A técnica utilizada nesse caso é conhecida como co-processamento e é utilizada desde 1975 na Europa e Estados Unidos para destinação de resíduos industriais no intuito de substituírem combustíveis e/ou matéria-prima. No Brasil, há uma resolução do Conama (264/99) que regulamenta a atividade. Essa técnica é utilizada por fabricantes de pneus reformados ou também chamados de remoldados, que em parceira com indústrias de cimento destinam pneumáticos inservíveis que após picados servem como fonte de energia ecológica substituindo o coque de petróleo nos fornos de clínquer , como matéria-prima nas cimenteiras que melhora a qualidade do cimento, além de substituírem o minério de ferro — recurso natural não renovável — na fabricação de aço, todos processos industriais com pequenos impactos para o meio ambiente.
Utilizam essas técnicas duas grandes indústrias de cimento do país com fábricas instaladas no Nordeste, exatamente na Paraíba, Alagoas, Bahia e Ceará, além de Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, ambas se utilizando da mesma tecnologia trazida da Inglaterra para o Brasil por uma indústria de pneus reformados. Esse projeto envolve o incentivo de catadores de pneus, como aqueles que recolhem latas de alumínio, agindo como agentes ecológicos e organizados em cooperativas.
As empresas interessadas na execução desses projetos procuram estimular esses trabalhadores oferecendo assessoria na constituição de cooperativas de catadores, sua organização operacional e administrativa, e essencialmente, contribuindo na comercialização dos pneumáticos, de molde a viabilizar a existência sustentável de tais organizações o que é de seu pleno interesse. Essa é a base desses projetos que se desdobram na obtenção de licenças ambientais por parte das empresas receptoras desses resíduos o que viabiliza a certificação do cumprimento das exigências contidas na Resolução 258/99 às empresas fabricantes e importadoras de pneus novos e reformados.
Além do resultado ambiental que essas exigências legais visam, merece destaque os benefícios no ponto de vista social, econômico e até de saúde pública apurados a partir da execução e conclusão desses projetos. Incluem socialmente aqueles menos favorecidos, gerando aos mesmos a possibilidade e incentivo a organização resgatando-os muitas vezes da marginalidade e informalidade plena, minimizando, mesmo que de forma tímida, as mazelas sociais e econômicas do país em que vivemos. Noutro ponto, especialmente, os projetos incentivam o recolhimento de pneus inservíveis do meio ambiente, o que diminui os focos de insetos transmissores de doenças como dengue, implicando na redução de mais de 80% a incidência dessas doenças no ano de 2003 no estado do Paraná pioneiro nesse trabalho.
Portanto, de uma forma geral, certamente as exigências da Resolução 258/99 requerem significativos investimentos por parte das empresas obrigadas, pois como visto nesta breve e singela análise, os projetos até então existentes nesse ramo, são complexos e que envolvem grande número de agentes, entretanto, o resultado disso, certamente transcendeu às expectativas do Poder Público uma vez que esses projetos não refletem apenas benefícios do ponto de vista ecológico, mas também sociais, econômicos e de saúde pública.
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