“Fala sério”

Leia a petição do juiz que foi à Justiça para ser chamado de doutor

Autor

10 de novembro de 2004, 14h26

“Fala sério”. Esta foi a reação do porteiro de um prédio do Rio de Janeiro quando o juiz Antônio Marreiros da Silva Melo Neto pediu para ser tratado como “doutor” ou “senhor”. A resposta do funcionário foi um dos motivos, que levaram o juiz a procurar a Justiça para exigir que os empregados do prédio o tratassem formalmente.

Seu pedido foi atendido. O desembargador Gilberto Dutra Moreira, da 9ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de janeiro, concedeu a liminar a Marreiros e criticou o juízo de primeiro grau, que não proveu a antecipação de tutela ao colega, chamando de “teratológica” a negativa. O juiz de primeira instância considerou injustificado o perdido de seu colega.

Segundo a inicial do juiz, tudo começou quando o apartamento do juiz foi inundado por um vazamento na laje. Marreiros pediu providências ao porteiro para resolver o problema, mas não foi atendido. Mais incomodado ainda ficou ao sentir que o funcionário do prédio não o tratava da forma que considerava conveniente.

Segundo o juiz, o porteiro se dirigia a ele com “intimidade”, chamando-o de “você” e “cara”, enquanto chamava a síndica de “dona” Jeanette.

Primeiro o juiz acionou o condomínio para que obrigasse os funcionários do prédio a tratá-lo com o devido respeito. Como seu pedido não surtiu efeito, recorreu à Justiça.

Leia a íntegra da inicial

Exmo Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de São Gonçalo

Antonio Marreiros da Silva Melo Neto, brasileiro, solteiro, Juiz de Direito, titular da 6ª Vara Cível desta Comarca vem, diante de VExª, propor Ação para cumprimento de obrigação de fazer (com requerimento de tutela antecipada) e de indenização por danos morais contra condomínio do Edifício Luiza Village e Jeanette Granato, com domicílio na rua XXXX Ingá, Niterói, pelos seguintes motivos:

Dos fatos. Omissão dos réus.

I – o autor reside no edifício do réu cuja síndica é a ré;

II – em 26-08-03, a cerca de 20h, numa noite chuvosa, o autor notou infiltrações no teto do segundo andar de seu apartamento. O autor solicitou, pelo interfone, a presença do zelador. Pelo empregado que trabalhava na portaria foi dito ao autor que o zelador não estava porque não mora no Condomínio. O autor solicitou qualquer outra providência e pelo empregado foi dito que nada podia fazer até a chegada da síndica ou do porteiro. Sem outra opção, o autor foi obrigado a pedir auxílio de um profissional de seu conhecimento que, por sorte e mediante remuneração, prestou auxílio ao autor. Após pegarem a chave (com o empregado que estava trabalhando na portaria) e abrirem o cadeado da porta que dá para a laje sobre o segundo andar do apartamento do autor, o profissional e o autor verificaram que o local (pertencente ao réu) estava alagado pela chuva e que o ralo estava entupido por uma cueca velha. Retirada esta, a água escoou. Em razão disso os móveis do autor ficaram molhados e o teto de seu apartamento danificado. Naquela noite o autor, por culpa dos réus (que não mantiveram limpo o local que ficou alagado e não prestaram nenhum auxílio ao autor), passou por maus momentos pois, por cerca de 5 horas, ficou enxugando a água que jorrava em sua sala, fazendo ligações para pedir ajuda e ouvindo do empregado, que estava na portaria, que ele nada podia fazer para resolver o problema. Feita a reclamação, no livro próprio (cópia anexa), o autor foi formalmente ignorado pelos réus, embora o zelador tivesse comparecido no apartamento do autor e visto os danos;

III – meses antes, aquele mesmo empregado, que trabalhava na portaria do réu, interfonou para o apartamento do autor para cobrar-lhe o pagamento de sua cota condominial que sequer estava vencida;

IV – após os episódios acima narrados, o autor notou que o referido empregado tratava-o (o autor) com intimidade, chamando-o de “você” e “Antônio”. O autor, então, pediu-lhe para ser tratado como “senhor”. Por duas vezes, essa solicitação foi feita pelo interfone e esse empregado, após perguntar agressivamente “á só isso?”, desligou o aparelho repentinamente e sem dar atenção ao autor. No dia 14-08-04, num sábado à tarde, o autor foi na portaria do prédio e pediu o livro de reclamações ao referido empregado, bem como a presença do síndico ou do sub-síndico. Por ele foi dito que o livro não estava na portaria, pois a “Dona Jeanette” (ré) havia saído e levado o livro consigo. Pelo empregado também foi dito que o sub-síndico também não estava, mas que o zelador estava presente. O autor, diante do zelador, perguntou ao empregado porque a síndica era chamada de “Dona Jeanette” e o autor era por ele tratado como “você” e “Antônio”, embora, por mais de uma vez, tenha lhe solicitado o tratamento formal (“senhor”). O empregado então disse, de maneira agressiva, que não iria chamar o autor de senhor, muito embora o autor insistisse e deixasse claro que não consentia com aquela intimidade. Após uma discussão sobre se o empregado devia, ou não, tratar o autor como senhor, o empregado virou as costas para o autor e foi embora para o interior do prédio. Durante a discussão, o empregado, apesar dos protestos do autor, continuou a tratar o autor como “você” e “cara”. Ao dar as costas ao autor e se retirar para o interior do prédio, o empregado ficou dizendo de modo debochado: “Fala sério, fala sério…”;


V – no dia seguinte, o autor escreveu, no livro de reclamações, uma solicitação para que a síndica (ré) orientasse os empregados, que trabalhavam no Condomínio, para darem ao autor (e demais moradores que assim queiram) o tratamento formal (“senhor”), pois essa deferência não é devida somente a ela. Sobre essa solicitação, a sindica (a ré) desconversou e escreveu, no livro, ordem para que os empregados do Condomínio tomassem ciência da solicitação e se manifestassem sobre o assunto. Diante da evasiva da ré, o autor reiterou sua solicitação e até o presente não foi atendido por ela (ver cópia do livro de reclamações, anexa). Os réus estão omitindo, dolosamente, o cumprimento de seu dever de orientar os empregados do Condomínio a respeitar os condôminos, cuja manifestação mínima é o tratamento formal. Como conseqüência, os réus (o réu por intermédio da ré) estão incentivando os empregados do Condomínio a desrespeitar o autor, o que, como visto, vem ocorrendo;

VI – não é a primeira vez que a ré usa sua condição de síndica do Condomínio réu como pretexto para agredir o autor. De outra vez, porque o autor propôs uma ação de consignação em pagamento contra o Condomínio (onde o autor foi vencedor), a ré disse, e fez constar numa ata de assembléia de condomínios, que o autor não cumpriu sua palavra e teria decidido fazer, por conta própria, um desconto no valor do Condomínio; posteriormente, em contestação judicial, a ré, a Administradora do Condomínio e sua advogada, puseram-se a chamar o autor de juiz que age de má-fe e sem bom senso. Por esses motivos, o autor propôs uma ação de indenização por danos morais contra a ré. Infelizmente (como demonstram essas novas investidas da ré contra o autor) e apesar daquele evidente comportamento ilícito da ré causador de dano do autor, este não obteve êxito e foi vencido no processo de indenização (segue, em anexo, cópia da inicial do autor e da sentença que julgou improcedente o seu pedido de indenização, onde o então juiz, dr. Edgard Machado Massa, fundamentou sua decisão afirmando, em evidente excesso de linguagem, que o autor é um “cidadão comum”, alguém que se recusa a pagar suas contas condominiais, criador do impasse, envolvido em questiúnculas e atritos condominiais, proponente de uma “famigerada consignatória” etc) E o óbvio vem ocorrendo e continuará acontecendo enquanto não houver uma decisão judicial que declare o desacerto do comportamento dos réus (especialmente da ré) com uma punição didática;

VII – em 07-09-04, no período da tarde, no estacionamento do réu, o pneu dianteiro esquerdo do carro do autor foi furado na lateral (doc. Anexo). O autor registrou o fato no livro do condomínio, ressaltando que menos de dois meses antes, no estacionamento do condomínio, outro pneu de seu veículo foi furado na lateral.

Dos danos sofridos pelo autor

O autor é condômino do réu e reside naquele local onde espera encontrar refúgio para todos os problemas enfrentados em seu cotidiano. Por outro lado, diante das constantes agressões que os réus insistem em dirigir à pessoa e ao patrimônio do autor, impõe-se o registro de que o autor sempre esteve quite com todas as suas obrigações condominiais, tanto as de ordem econômica quanto as de cunho pessoal, pois jamais tratou a ré, outro condômino ou qualquer empregado do Condomínio com desrespeito, pois vive de maneira discreta, transitando bem pouco pelas partes comuns do edifício, sequer participando de reuniões de condôminos com os quais não mantém nenhum contato, não havendo nenhuma reclamação de quem quer que seja contra o autor ou sua conduta. Não há nenhuma explicação lógica para que as agressões dirigidas contra o autor (como também não havia ao tempo em que a ré ofendeu o autor, por escrito e oralmente, numa assembléia de condôminos e numa contestação judicial). E o que causa espécie e é até aterrorizante é que os réus usam, como pretexto para agredir o autor, o fato de este exercer o seu direito, como a propositura de uma ação judicial, a reclamação e solicitação de providências, quanto a danos causados pelo Condomínio ao seu patrimônio (do autor) ou (o que é extremamente espantoso) o direito de ser chamado de senhor (e pelos empregados que trabalham no prédio onde o autor reside e cujos salários são pagos com a sua colaboração. Ou seja, o autor está pagando para ser insultado!). Assim, o autor está sendo ofendido em sua dignidade e tranqüilidade espiritual.

Ressalte-se que o autor é um Juiz de Direito e, como tal (assim como Dr. Edgard Machado Massa afirmou, sobre si esmo, num processo de indenização contra a Credicard S.A. e no mesmo ano em que disse que o autor é um “cidadão comum”) é “um homem público cuja respeitoridade é notória” (cópia anexa). E assim como foi dito sobre o Dr. Edgard Machado Massa, na sentença que julgou procedente o seu pedido de indenização contra o Credicard S.A., deve-se levar em consideração, para liquidar o dano, “as condições pessoais do autor, que como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares” (cópia anexa). Vê-se que, para o Dr. Edgard Machado Massa, “cidadão comum” é expressão que a ele não se aplica (talvez porque era um magistrado).


Do Direito

Dispõe o Direito que aquele que, por ação ou omissão culposa (culpa em sentido amplo), causa dano a terceiro, tem o dever de indenizá-lo. E as dolosas omissões dos réus, deixando de impedir os danos causados pelo alagamento da laje do condomínio, sobre o teto do apartamento do autor (bastando manter o local limpo e tomar imediatas providências para verificar e pôr fim ao entupimento do ralo no local), bem como no carro do autor, e também deixando de orientar seus empregados para não fazerem cobranças (indevidas) ao autor e para a este o tratamento formal, aliado ao fato de que um deles recusa-se expressamente a fazê-lo, com a alegação de que o autor não o merece, ofendem gravemente a dignidade do autor, tanto subjetiva quanto objetiva, bem como a sua tranqüilidade espiritual, sobretudo porque o autor, assim como Dr. Edgard Machado Massa (segundo disse sobre si mesmo), “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares”.

Do requerimento de tutela antecipada

Quanto à obrigação dos réus de orientar os empregados do Condomínio a ter deferência com os condôminos e demais moradores do prédio, dando-lhes, no mínimo, o tratamento formal que solicitem, o “fumus boni iuris” é decorrente do dever do Condomínio e do síndico de fazerem respeitar a hierarquia inerente à relação jurídica trabalhista que, no caso, impõe a subordinação dos empregados do Condomínio aos seus empregadores (os condôminos), sendo o seu descumprimento, inclusive, caso de dispensa do empregado por justa causa (art. 482, h, da CLT). Também deve ser considerado que o autor é um Magistrado e, em razão de sua posição social, “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especial mente em relação aos particulares”, devendo receber o tratamento de acordo com o seu status (“Doutor”, “senhor”). O “periculum in mora” se configura porque, sem a ordem explícita dos réus, para que os empregados do Condomínio respeitem o autor, o empregado que vem insultando-o continuará a fazê-lo. Desse modo, impõe-se o deferimento da tutela antecipada, que ora requer-se, a fim de que V.Exª, liminarmente, digne-se de ordenar aos réus que orientem os empregados que trabalham no Condomínio a dar ao autor, e demais pessoas que vão visitá-lo, o tratamento formal (“Doutor”, “senhor”, “Doutora”, “senhora” etc), sob pena de multa diária de R$ 100,00 pelo descumprimento a partir da intimação.

Dos pedidos

Do exposto, requer a citação dos réus para tomarem ciência desta ação e oferecerem a resposta que tiverem, especialmente contestação, sob pena de se reputarem verdadeiros os fatos narrados na inicial, prosseguindo-se até o final para julgar procedentes os pedidos, confirmar a tutela antecipada requerida e obrigar os réus a orientar os empregados do Condomínio a dar ao autor e suas visitas o tratamento formal (“Doutor”, “senhor”, “Doutora”, “senhora”), sob pena de multa diária, bem como condená-los ao pagamento de indenização por danos morais em valor não inferior a 100 salários mínimos, considerando todos os transtornos causados ao autor pelos réus e seu preposto, bem como que o autor não é um “cidadão comum”, mas “é um homem público cuja respeitoridade é notória” e “como homem público, tem sua honra valorada especialmente em relação aos particulares”, e com o fim de prevenir e reprimir o comportamento dos réus, para que cessem as reiteradas agressões contra a pessoa e o patrimônio do autor.

Protesta pela produção prova documental, depoimento pessoal da ré e inquirição de testemunhas.

Dá-se à causa o valor de R$ 26. 000,00.

Nestes Termos,

Pede deferimento.

Niterói, 8 de setembro de 2004.

Arly Porto Barbosa

OAB 28.210 – RJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!