Ação e reação

JB decide suspender coluna de Alberto Dines em reação a artigo

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11 de junho de 2004, 19h09

A partir deste sábado os leitores do Jornal do Brasil não contarão mais com a coluna assinada pelo jornalista Alberto Dines. A decisão de suspender o espaço foi tomada nesta sexta-feira (11/6) pelo presidente do conselho editorial do jornal, José Antonio Nascimento Brito.

A decisão é uma resposta direta ao artigo intitulado A imprensa sob custódia, publicado por Dines em seu Observatório da Imprensa. No texto, o jornalista critica a cobertura feita pelo JB em relação à omissão do governo do estado para enfrentar a rebelião que ocorreu na Casa de Custódia de Benfica.

Leia o artigo de Alberto Dines

OMISSÃO & VIOLÊNCIA NO RIO

A imprensa sob custódia

O ideal de Maquiavel é um Príncipe que não precisa prestar satisfações aos súditos. Hoje, quando governantes se calam é sinal de que não estão sendo pressionados a se manifestar. E esta pressão só pode ser exercida pela imprensa.

Se o casal governador do Rio de Janeiro adotou a tática da omissão durante quatro dias para enfrentar a calamidade na Casa de Custódia de Benfica, cabia à imprensa fazer um estardalhaço federal. Pior do que a mentira é o silêncio. Inverdades acabam sendo descobertas, mas o silêncio desmobiliza, desanima os cobradores, esfria indignações. Sobretudo quando a opinião pública começa a imunizar-se com a repetição.

O “comunicador” Anthony Garotinho sabia o que fazia quando desapareceu misteriosamente mal começou a calamidade em Benfica. Contava com o fim de semana, o providencial hiato inventado pelo jornalismo brasileiro, habeas corpus dos relapsos. Previa que se o noticiário sobre o motim iniciado no sábado não fosse alimentado no domingo, na terça-feira estaria secundarizado ou esquecido.

Garotinho errou: não imaginou a dimensão e o grau de brutalidade do massacre, o caso continuou sendo noticiado com destaque até a sexta-feira seguinte. Mas acertou nos efeitos: sem informações, a imprensa carioca não ficou suficientemente chocada com o episódio nem conseguiu chocar. Muito menos acionar os alarmes para acordar o governo federal imerso nos seus dramas de consciência.

Isso não significa que O Dia e O Globo, os principais jornais da cidade, tenham escondido a cobertura. Acompanharam o caso razoavelmente, desde a edição do domingo (30/5). Mas, o que chama a atenção do observador é que a cobertura mais contundente, mais insistente e mais dramática – portanto a mais jornalística – foi a do jornal Extra, do Grupo Globo, cuja circulação não se compara em termos quantitativos ou qualitativos aos dois jornalões citados.

Se esta ênfase do Extra fosse transferida para O Dia e, sobretudo, para o portentoso Globo, evidentemente produziria um efeito-cascata, incontrolável, com resultados bem diferentes. Inclusive sobre a mídia paulista, que costuma ter mais penetração na esfera política.

Esta é a questão: se a ingovernabilidade do Rio de Janeiro transformar-se em questão nacional o casal Garotinho conseguirá manter-se impune? Um editorial curto e grosso na primeira página do Globo, mesmo na segunda-feira (31/5, quando já se tinha uma noção da carnificina) teria provocado um turbilhão político bem diferente da resignada reação que o episódio produziu.

Desmascarar governantes

Então cabe perguntar: e o Jornal do Brasil?

O JB abdicou de fazer jornalismo. Parece jornal, tem periodicidade de jornal, tem os atributos formais de um jornal, tem uma história incorporada ao jornalismo brasileiro, mas neste momento é movido por dinâmica e prioridades diferentes das de um jornal. Pode até estar reinventando o jornalismo, mas este não é o jornalismo do qual foi um dos expoentes e continua sendo praticado pela maioria dos seus concorrentes.

Compreende-se, o JB está em crise. Não apenas em crise financeira mas em crise interna. Dos nove vice-presidentes que ostentava no seu expediente antes do trágico fim de semana, dois vices-presidentes jornalistas estavam demissionários desde a sexta-feira (Augusto Nunes e Cristina Konder) e o nome do terceiro foi retirado do expediente no sábado, sem o menor aviso aos leitores (Wilson Figueiredo, com 42 anos consecutivos de casa!) [veja sua entrevista reproduzida na rubrica Entre Aspas, nesta edição].

O JB tem ainda excelentes profissionais no comando da redação, mas a empresa e a diretoria esqueceram que jornalismo não é uma colagem de noticias – jornalismo é um compromisso político com a sociedade. A prova deste esquecimento está na edição de terça-feira (1º/6), quando as dimensões do massacre de Benfica já eram conhecidas inclusive pelos próprios leitores do jornal.

Neste dia crucial, o JB fez o balanço do caso com uma chamada insignificante na parte inferior da primeira página! Ao lado, com destaque dez vezes maior, para satisfazer o enorme contingente de socialites que devoram suas colunas sociais, enorme foto de uma carioca friorenta ostentando um “casaquinho básico”. Antes assim, poderia estar falando em brioches.

E, como se não bastasse, na quinta-feira (3/6) – depois da manchete correta do dia anterior, “Inquisição do tráfico mata 30 presos” – o jornal recuou acintosamente para enveredar pela linha business com esta pérola em oito colunas: “Rio troca imposto por segurança”.

Trata-se de mais uma pilantragem desenvolvida nos laboratórios do casal Garotinho para esconder sua dupla incompetência como responsável pela segurança pública e para atrair incautos defensores da livre iniciativa: empresas que financiarem a segurança pública terão desconto de 10% no ICMS.

Descobre-se então que esta manchete foi financiada pelos patrocinadores de um seminário organizado pelo Grupo JB, estrelado pela deslumbrante governadora Rosinha e convertido no sábado seguinte num caderno especial.

Seria injusto acusar unicamente o Jornal do Brasil: O Dia também dá sinais de que não deseja embaraçar o projeto político do casal Garotinho, sobretudo depois das desavenças entre duas herdeiras do falecido Ari de Carvalho, que transformaram o arquiconservador Ronald Levinsohn numa espécie de publisher informal do jornal.

O Globo tem vigor e garra de sobra para mostrar ao país a débâcle da unidade federativa onde as Organizações Roberto Marinho têm sua sede. Delegar esta tarefa ao jovem Extra é uma forma de relegar a catástrofe carioca à esfera paroquial.

Não apenas na invasão do Iraque mas também em Benfica comprovou-se que a imprensa é crucial para desmascarar governantes. Ou para servir inocentemente aos seus ignóbeis propósitos.

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