Operadoras x médicos

Falta de política estatal causa crise entre médicos e planos de saúde

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5 de julho de 2004, 11h24

Por força de um movimento politizado e bem organizado, ao menos estrategicamente analisando, médicos do país inteiro vêm se organizando junto às entidades de classe visando impor às operadoras de planos de saúde e empresas de seguro-saúde reajuste nos valores pagos por consulta realizada.

A estratégia arquitetada visa uma paralisação geral dos médicos, que portanto não atenderiam usuários de empresas de saúde que não reajustarem os preços conforme patamares colocados unilateralmente pela classe médica. Em Indaiatuba/SP, por exemplo, a Associação Paulista de Medicina, em assembléia convocada, decidiu, a partir do dia 1º de julho, paralisar o atendimento a usuários de 19 planos de saúde.

Há notícia de que a questão ganhou proporções maiores no estado do Maranhão, de Minas Gerais e no sul do país, quando então, por força da paralisação decorrente do movimento operadoras foram descredenciadas de hospitais porque os médicos não atenderam cidadãos deste ou daquele plano de saúde. Usuários, que mantinham as prestações de seus contratos em dia, deixaram de ser atendidos pelos profissionais, empresas que contratavam determinada operadora rescindiram o contrato, e, logicamente, a rede pública de saúde ficou sobrecarregada ainda mais.

Todos sabemos que na maioria da vezes o valor pago pelas empresas fica aquém do que efetivamente merece ganhar um médico, mas a questão não é tão simples quanto parece e entendemos que há uma visão, por parte das entidades de classe, equivocada sobre os fatos. Se de um lado é justo o entendimento de que um médico deve ser melhor remunerado, de outro lado temos visto que, ao contrário do que normalmente divulgado, as operadoras de planos de saúde passam por um momento histórico-financeiro difícil. Muito difícil. Basta um olhar atento aos balanços publicados em abril deste ano, em jornais do país inteiro, para constatação da real situação.

Fora deste eixo encontram-se poucas empresas, normalmente as vinculadas a grandes instituições financeiras ou cooperativas médicas, quando, neste último caso, lucros ou prejuízos são divididos entre os cooperados. O fato é que o governo federal vem se mostrando incapaz, há alguns anos, de lidar com a questão. Deveria o estado fomentar, com incentivos, fiscais ou não, a exploração da atividade de operadoras de planos de saúde para que as mesmas, com um pouco mais de liquidez, pudessem implementar uma política mais adequada de pagamento aos médicos credenciados, pagamento este que representa aproximadamente 60% dos gastos das operadoras.

Este, aliás, outro ponto interessante da questão. Os médicos vinculados às operadoras de planos de saúde somente têm esta condição porque firmaram contrato de credenciamento, que, na maioria das vezes, pode ser rescindido com prévio aviso simples com trinta dias de antecedência. A não contraprestação adequada de seus vencimentos poderia ensejar do profissional o ato de se retirar do plano, rompendo seu contrato em vista de seu descontentamento, como prevê o artigo 7º do Código de Ética Médica (“o médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem não deseje..”).

Assim entendemos que a via eleita pelas entidades de classe — a paralisação — é profundamente equivocada, não porque somente operadoras e médicos sairão perdendo, mas porque o cidadão, que com dificuldade paga seu plano de saúde, será o maior perdedor já que, sem atendimento médico, irá ser encaminhado para a rede pública de saúde, que, muito embora tenha profissionais com capacidade reconhecida, estes não darão conta do atendimento já dificultoso.

Não se enxerga, com isso, o que está exposto. Impondo o estado dificuldades para o setor de operadoras de planos de saúde está o mesmo dando um tiro no próprio pé uma vez que, não sendo fomentado o mercado da saúde a rede pública será a maior afetada. Há assim, uma leitura oposta dos fatos tanto pelos Conselhos Regionais, ao editarem resoluções cujo conteúdo somente por lei federal poderiam ser tratado — fixação de uma tabela de honorários médicos — quanto pelos médicos ao anuírem com o movimento, já que o ato poderia ser interpretado como infração de natureza ética já que “a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade” (artigo 1º do Código de Ética Médica).

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