Sem multa

Projeto de Lei de Nunes não prevê punição para advogados

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27 de janeiro de 2004, 16h35

A parte que tiver recurso rejeitado na Justiça pode perder 10% do valor da causa ou da condenação — a título de honorários — em favor do advogado da outra parte no processo(*). É o que propõe o deputado federal Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), autor do projeto de lei nº 1.798/03 — que altera o Código de Processo Civil, segundo divulga a Agência Câmara. A proposta desperta opiniões divergentes na comunidade jurídica.

O advogado José Benevides Moreira afirma que a intenção do projeto atende os anseios da sociedade sobre o fim da morosidade no Judiciário. “A interposição de recursos desnecessários e pior, meramente protelatórios, atola os gabinetes de juízes e desembargadores que, inevitavelmente, não conseguem dar vazão aos recursos distribuídos e dar a devida atenção a casos de relevância — tanto social como jurisprudencial”, opinou.

Para Moreira, a aprovação do projeto poderá “desestimular os operadores do direito que, utilizando-se do atual sistema recursal vigente, obstam os credores de receber seus créditos”.

Já o advogado Eduardo Nobre acha incompreensível que se tente combater a morosidade punindo o profissional de direito. “O advogado reflete e representa o interesse da parte e tudo o que ele faz é nesse sentido”, observa ele, acrescentando que propostas mal colocadas, mesmo as mais bem intencionadas, “podem provocar retrocessos irreparáveis no contexto dramático do atual quadro da Justiça”.

O advogado Luiz Kignel também criticou a proposta. “Não concordo, embora reconheça que existam inúmeros recursos de apelação com o único intuito de procrastinar a conclusão de um processo. Mas penalizar a parte envolvida pode significar para alguns a impossibilidade de recorrer, tornando o julgamento de primeira instância de caráter mais definitivo”, argumentou.

De acordo com Kignel, “a agilização dos processos passa pela melhor estruturação do Poder Judiciário que não tem condições de suportar a carga atual de demandas”. Ele lembrou que não existe número suficiente de juízes e “os que exercem a magistratura não detém uma estrutura cartorária devidamente aparelhada”.

Kignel ressaltou que “um dos maiores procrastinadores de processos é o próprio Poder Público que recorre insensantemente”. A solução neste caso, segundo o advogado, seria a instituição da súmula vinculante.

Ele lembrou que existe previsão de multa quando ocorre a litigância de má-fé, no artigo 18 do Código de Processo Civil. Também há o artigo 17, inciso IV do CPC, que pode ser aplicado quando a parte opuser resistência injustificada ao andamento do processo.

O advogado Omar Kaminski concorda com Kignel. “A busca pela prestação jurisdicional não pode ser vista como se fosse um jogo de azar. Ademais, já há a pena de litigância de má-fé para casos de recursos meramente protelatórios”, afirmou.

Para o advogado Jair Jaloreto Junior, a proposta “é absolutamente perigosa porque regula o funcionamento do Estado Democrático de Direito”. Segundo ele, “o intuito é desafogar o Judiciário, mas a aprovação do projeto certamente inibirá a apresentação de recursos pelas partes menos abastadas — receosas das conseqüências financeiras da derrota”.

Para Alfredo Brandão, advogado e procurador do Distrito Federal, a proposta deve ser analisada por dois lados. “Sob a ótica do advogado privado, creio que a sanção a recursos descabidos funcionaria, em parte, como um motivo para que a parte que sucumbiu pondere sobre a vantagem de persistir em juízo”, disse. Entretanto, de acordo com ele, “o índice de 10% não deve ser apenas a título de honorários e sim de acréscimo à condenação”. Brandão vai além. “Em causas de pequeno valor monetário, os 10% de acréscimo não teriam efeito intimidatório. Assim, a sanção teria de ser mais forte”, sugeriu.

Em relação ao Estado, ele lembrou que os bens e direitos são indisponíveis. “Logo, há obrigação de seus defensores sempre esgotarem todos os recursos. Além disso, decisões contra os interesses do Estado devem estar sempre submetidas ao duplo grau de jurisdição. Assim, nos casos de recursos interpostos pela Fazenda Pública, o projeto é frontalmente inconstitucional”, observou Brandão.

E acrescentou: “Como a Fazenda Pública é a grande responsável pelo congestionamento invencível do Poder Judiciário, não só em razão das demandas já em Juízo, mas, principalmente, da constante edição de leis e medidas que atentam contra os direitos dos jurisdicionados, e como o projeto não terá nenhum efeito sobre isso, creio que está fadado ao insucesso”.

Avalanche processual

O deputado federal, em entrevista à Agência Câmara, afirmou que advogado da parte que recorre de uma decisão deve ter convicção sobre seu direito e razoável expectativa de êxito. Também deve levar em conta a possibilidade de sofrer conseqüência negativa na hipótese de derrota, segundo o parlamentar. “A proposta em muito contribuirá para inibir a interposição irresponsável de recursos que tem inviabilizado os nossos tribunais”, afirmou.

O deputado Roberto Magalhães (PTB-PE) é o relator da matéria na CCJR. Se aprovada, como tramita em regime conclusivo, segue diretamente para o Senado, exceto em caso de recurso de deputado para sua apreciação pelo Plenário da Câmara.

(*) Na primeira versão deste texto, por erro, escreveu-se que a multa seria aplicada contra o advogado recorrente. Não é isso que diz o projeto. Também atribuiu-se ao advogado Ricardo Tosto a opinião emitida por José Benevides Moreira.

Conheça o projeto

PROJETO DE LEI Nº 1.798, DE 2003

(Do Sr. Aloysio Nunes Ferreira)

Acrescenta o art. 557-A ao Código de Processo Civil – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – sobre os efeitos do desprovimento do recurso.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Acrescente-se o seguinte art. 557-A ao Código de Processo Civil – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973:

“Art. 557-A. O desprovimento de qualquer recurso implicará a perda de 10% do valor da causa, ou da condenação, se já existir, a título de honorários em favor do patrono da outra parte.”

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O projeto que ora apresentamos resulta de sugestão formulada pelo ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça.

Considera S.Exa. que a parte que recorre deve ter convicção sobre seu direito e razoável expectativa de êxito, a qual deve levar em conta a possibilidade de sofrer conseqüência negativa na hipótese de derrota. Sanção aplicada não por litigância de má-fé, que sempre é um juízo negativo e muitas vezes ofensivo, mas como efeito legal do desprovimento do recurso.

Portanto, a proposta em muito contribuirá para inibir a interposição irresponsável de recursos que tem inviabilizado os nossos Tribunais.

Nesse sentido, espero contar com o apoio dos demais parlamentares.

Sala das Sessões, em 26 de agosto de 2003.

Deputado ALOYSIO NUNES FERREIRA

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