Chute pra fora

"Consenso sobre negociação coletiva não é o que o País precisa."

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12 de janeiro de 2004, 13h22

O site do Ministério do Trabalho e Emprego informa que o grupo temático sobre negociação coletiva, após três meses de atividade, encerrou seus trabalhos. De acordo com o site, a democratização das relações de trabalho foi o princípio que norteou as discussões entre trabalhadores, governo e empregadores. E que “consensos” importantes foram alcançados no sentido de ampliar o espaço da negociação entre trabalhadores e empregadores:

“Superando todas as expectativas, na última rodada de negociação, realizada em 19 de novembro, conseguiu-se ampliar para 19 o número de consensos, com a resolução de pontos que estavam pendentes ou sobre os quais só havia entendimentos parciais, ora entre governo e trabalhadores, ora entre governo e empregadores.” (http://www.fnt.mte.gov.br/)

A matéria com o teor dos “consensos” tidos como já acertados está publicada na revista Consultor Jurídico, em que a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) foram excluídas das deliberações do grupo temático da reforma pertinente à negociação coletiva. O princípio que norteou as discussões entre trabalhadores, governo e empregadores no Fórum Nacional do Trabalho foi o do neoliberalismo sindical, ou seja, o da prevalência do econômico sobre o social (http://conjur.uol.com.br/textos/23777/).

O Direito do Trabalho surgiu para conciliar o conflito existente na relação capital/trabalho. Por muitos anos prevaleceu o entendimento jurisprudencial de que as vantagens conquistadas se incorporavam ao patrimônio jurídico dos empregados, não podendo ser modificadas, a não ser para os empregados novos e que a negociação coletiva não tinha autonomia para precarizar direitos, sendo sempre asseguradas as condições mínimas legais de proteção da legislação de sustento.

De nossa parte, continuamos a defender esse modelo, não admitindo que a negociação coletiva possa flexibilizar e precarizar direitos, como vem ocorrendo e como se pode constatar pelo exame de diversos instrumentos de pactuação coletiva pelo país inteiro, pela ameaça constante do desemprego.

Atualmente, até mesmo direitos tidos como irrenunciáveis por se tratar de questão relativa à vida, à saúde, à segurança, tem sido admitida a flexibilização e precarização, como é o caso específico da redução dos adicionais de insalubridade/periculosidade.

Em nosso entender, a negociação coletiva serve para melhorar as condições de vida, de salário e de trabalho, não podendo emprestar-se validade a pactuação coletiva que reduza direitos já assegurados.

A negociação coletiva deve ser praticada como um “plus”, nunca como instrumento precarizador, de retrocesso, até porque tem aplicação em nosso país a proteção do princípio da proibição do retrocesso social, ratificado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que os Estados-partes (dentre eles o Brasil), no livre e pleno exercício de sua soberania, observando-se o princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais (in Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).

J.J. Gomes Canotilho ao examinar os contornos desse princípio protetivo da prevalência do social, proibindo-se o retrocesso social, assim, se manifesta, esclarecendo quais sejam os contornos jurídicos desse instituto:

“O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado” (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998).

De há muito que a proposta do contrato coletivo vem sendo defendida como a tábua de salvação para as negociações coletivas, afastando o Estado das negociações e deixando as partes negociarem livremente.

Não obstante, a proposta tida como de “consenso” flexibiliza inclusive as possibilidades de a negociação ser feitas em nível “nacional, regional, interestadual, estadual, municipal, POR EMPRESA OU GRUPO DE EMPRESAS”, ao contrário da proposta de um contrato nacional, mais amplo, deixando para os Estados e Municípios a inclusão de outras reivindicações mais específicas e localizadas.

A jurisprudência flexibilizadora tem aceitado o inaceitável, o entendimento conservador contrário às diretrizes legais vigentes em prol da dignidade humana, entendendo-se que como a CF autoriza a flexibilização da jornada e do próprio salário, que estaria autorizando tudo o mais…

Constituinte de 1988, ao escrever a nossa Lex Legum, teve em vista o homem o desenvolvimento da pessoa humana na sua integralidade, daí a proteção total ao direito de cidadania, que não pode ser desvinculado da proteção de todos os bens inerentes à vida, assegurando aos seus cidadãos o direito ao trabalho, ao salário, à cidadania e à própria dignidade humana, dando, inclusive, prevalência ao social em detrimento do mero interesse particular do lucro (CF, art. 5º, XXIII, art. 170, III), dentre inúmeros outros.

Assim, em nosso entender, visionário foi o constituinte brasileiro em dar prevalência ao social, subordinando o capital ao atendimento das necessidades gerais da nação, princípio este que foi renovado agora no novo Código Civil brasileiro, ganhando o contrato de trabalho novos contornos em respeito à dignidade humana. Tudo isso representa cidadania. Um cidadão sem emprego e ou com emprego precário deixa de ser cidadão para ser um “cidadão desigual, de segunda classe”.

Enxergamos na proposta tida como de “consenso” um “arranjo” voltado mais a dar prevalência aos interesses do “Deus Mercado”, proposta que já vige nos Países de “primeiro mundo” em que o modelo vem sofrendo críticas e propostas de mudanças, para a prevalência do social.

Não vimos também na aludida proposta de “consenso” e divulgada no site do MT a tal da valorização real e efetiva da negociação coletiva, como está ressaltada:

“valorizar a negociação coletiva como um processo de diálogo permanente entre os atores do mundo do trabalho, que deve se pautar pelos princípios da boa fé, do reconhecimento das partes e do respeito mútuo´

Senão, vejamos:

a) publicidade das informações foi DEFENDIDA como um princípio (apenas defendida, mas sem qualquer consenso como princípio fundamental a ser garantido, sem o qual a negociação estará viciada);

b) obrigação dos empregadores de negociar, mas sem a obrigação quanto aos resultados: Não estarão OBRIGADAS A CHEGAR A ACORDO;

c) Se não houver entidade disposta a negociar os TRABALHADORES PODERÃO DELIBERAR DIRETAMENTE (ou seja, por pressão os trabalhadores passarão por cima do sindicato autêntico que se recusa a flexibilixar, precarizar);

d) As negociações poderão ser feitas em nível nacional, regional, interestadual, estadual, municipal, POR EMPRESA OU GRUPO DE EMPRESAS, aceitando inclusive a negociação fatiada (empresa por empresa) ao invés de um contrato nacional em que os sindicatos menores negociem as suas condições específicas mais localizadas.

e) Aceite da arbitragem privada, podendo até a JT atuar como ÁRBITRO PÚBLICO.

Assim, as conclusões dos integrantes do GT que reiteram “que é preciso valorizar a negociação coletiva como um processo de diálogo permanente entre os atores do mundo do trabalho”, a meu ver é de mera retórica, posto que não houve consenso sobre as propostas necessárias à realização de uma negociação coletiva valorizada como um processo de diálogo permanente entre os atores do mundo do trabalho.

O professor João José Sady afirma que “negociação coletiva é a ação sindical e qualquer reforma tem que ser pensada com o objetivo de potencializar tal ação”. E que Estamos a manter-se o sistema de negociação coletiva nos moldes vigentes de submissão, flexibilização e precarização, não vemos como o país possa crescer e propiciar um incremento anual de 1,5 milhão de empregos novos (5% ao ano) para o pessoal novo que chega todos os anos no mercado, quanto mais para se dar trabalho aos 7 milhões de desempregados que já estão na fila de espera.

A proposta governamental de criação do instituto do primeiro emprego trata-se mesmo de uma cópia sinistra do “emploi jeune” dos franceses. E sinistra mesmo porque a diferença está no valor alocado, já que com a verba destinada pelo Eleito para tal finalidade, teremos um projeto importante, transmutado em gota d’água no oceano.

Estamos também de pleno acordo com suas propostas concretas e objetivas a implantação no país de um processo sério, democrático e transparente de uma real negociação coletiva:

1- garantir a continuidade da vigência do contrato atual até que advenha uma nova norma, hipótese que obrigaria ambas as partes a negociar sob pena de ficarem “empacadas” na norma anterior;

2- garantir o direito à informação sobre a situação da empresa e não dados gerais sobre negociações;

3- adoção do sistema francês de constituir em cada empresa um delegado nomeado pelo sindicato e um representante eleito pelos trabalhadores;

4- proibição e apenamento das práticas negociais desleais e atos anti-sindicais;

5- manutenção do poder normativo da justiça do trabalho como instrumental de arbitramento estatal, vedada a concessão de efeito suspensivo;

6- criação de uma lei de regulação das demissões em massa, exigindo a prévia negociação com o sindicato, como propõe a convenção 158;

7- promulgação de legislação regulamentando os incisos XX (proteção do mercado de trabalho) e XXVII (proteção contra a automação) do artigo 7º da CF-88 que até hoje esperam o beijo do príncipe encantado para acordar de seu sono de 15 anos;

8- repúdio à idéia de que é possível criação de empregos através de políticas públicas centradas em retoques no Direito do Trabalho e apostar na proposta genial do Márcio Pochmann (criação do Fundo Nacional de Trabalho Solidário) para um “choque redistributivo”.

Em conclusão: “estamos acordes com a inclusão na reforma sindical de suas propostas acima indicadas, posto que a se manter o sistema de negociação coletiva nos moldes vigentes de submissão, flexibilização e precarização, também não vemos como o país possa crescer e propiciar um incremento anual de 1,5 milhão de empregos novos (5% ao ano) para o pessoal novo que chega todos os anos no mercado, quanto mais para se dar trabalho aos 7 milhões de desempregados que já estão na fila de espera. Portanto, a proposta governamental de criação do instituto do primeiro emprego trata-se mesmo de uma cópia sinistra do ’emploi jeune’ dos franceses. E sinistra mesmo porque a diferença está no valor alocado, já que com a verba destinada pelo Eleito para tal finalidade, teremos um projeto importante, transmutado em gota d’água no oceano”.

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