Sob lentes

Resistência ao CFJ é resultado da desinformação sobre projeto

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18 de agosto de 2004, 15h49

Instalou-se no Brasil uma violenta discussão, gerando verdadeira celeuma, sobre a proposta recentemente remetida ao Congresso Nacional para a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Mas não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro a existência de controles éticos para profissões.

Os conselhos de fiscalização de profissão, autarquias federais, foram criados principalmente a partir da última metade do século passado, com a finalidade de proteger o interesse da sociedade e dos trabalhadores que exercem profissões que o legislador regulamentou.

Ao lado da liberdade de profissão, que a Constituição Federal estabeleceu, pode a lei exigir que naquelas profissões onde se busca preservar a vida, a saúde, a liberdade e a honra, o profissional esteja submetido ao controle ético de um conselho, tendo como pressuposto esse controle a defesa da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.

Afinal, para que servem os conselhos de fiscalização de profissão? Sobre o tema, com propriedade analisou o jurista João Leão de Faria Júnior, em antiga lição, quando asseverou que “Os Conselhos e Ordens se organizaram porque a sociedade necessita de um órgão que a defenda, impedindo o mau exercício profissional, não só dos leigos inabilitados como dos habilitados sem ética. Tanto uns como outros lesam a sociedade. Compete aos Conselhos evitar essa lesão”.

Portanto, a criação dos conselhos de fiscalização profissional atende primeiramente ao interesse da sociedade, tanto que são mantidos por tributo previsto na Constituição Federal (art. 149). Cabe aos conselhos estabelecer as regras éticas de cada profissão e, identificada qualquer falta dessa natureza, instaurar o processo administrativo para sua cabal e definitiva apuração.

É importante notar que são os próprios profissionais que definem as regras de cada profissão, não havendo qualquer ingerência governamental nesse aspecto. Os dirigentes de tais órgãos são eleitos por seus pares, ou seja, a lei prevê regras democráticas para a escolha de seus dirigentes.

Pois bem, se é essa a função do conselho, prevalecendo a auto-regulamentação, com os jornalistas dizendo o que é ético e o que não é, qual a razão da grande resistência à criação do CFJ? Em primeiro lugar, credito essa resistência à desinformação do que seja um conselho de fiscalização profissional.

Em segundo lugar, ao momento político, em que, às vésperas de um pleito eleitoral, as forças políticas procuram, de um lado, desautorizar a crítica e, de outro, criticar qualquer iniciativa que renda dividendos políticos.

Em terceiro, ao fato de que grande parte da mídia resolveu que cabe somente a ela mesma definir o que seja ética no jornalismo e ética de jornalista, criando seus próprios manuais de redação, sem qualquer controle social.

Qualquer entendimento diverso é classificado como totalitário ou ditatorial. Ao mesmo tempo, é contraditório que, num momento em que a própria mídia reverbera a exigência de controle para órgãos de Poder (como, por exemplo, o Conselho Nacional da Magistratura), ela não pretende se sujeitar a qualquer controle.

A existência de um conselho não significa cerceamento à liberdade do jornalista, ao contrário, deve exatamente velar pela liberdade de imprensa, que é o interesse maior da sociedade. Mas significa que o jornalista sem ética poderá sofrer, ao lado das sanções civis e penais cabíveis, também a sanção ética de sua corporação.

Por outro lado, criado o conselho, somente poderá exercer a profissão de jornalista aquele que estiver inscrito no conselho. Isso é mau, é ditatorial? Penso que não, pois hoje quem credencia o jornalista para sua profissão é um órgão do Poder Executivo, o Ministério do Trabalho. É mais democrático o controle pelo Poder Executivo ou o autocontrole da profissão? Evidente que o controle pela própria categoria é a melhor opção.

Por último, a afirmação que a liberdade de imprensa é um valor absoluto é um grave equívoco, haja vista que recentemente o Supremo Tribunal Federal condenou, com o apoio de toda a sociedade, uma pessoa que, sob o pretexto da liberdade de imprensa, exercitava o racismo.

Entretanto, é necessário registrar que no projeto enviado ao Congresso Nacional existem dois grandes equívocos. O primeiro pretender não apenas fiscalizar a profissão do jornalista, mas também a atividade de jornalismo, que é um conceito muito subjetivo e muito mais amplo. Aí existe, realmente, risco para a independência dos órgãos de imprensa.

Essa parte deve ser suprimida, já que o texto do anteprojeto já prevê a obrigação de indicação de jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado. Portanto, nessa parte, o projeto comete um excesso.

O outro erro é sobre a primeira composição do CFJ, que ficou muito corporativa, sendo que deveria ser mais plural, prevendo a indicação também de membros por demais órgãos de imprensa, como a ABI, entre outros. Quanto a isso, ainda, deveria ser fixado um mandato único para a primeira composição provisória, sem possibilidade de prorrogação.

Portanto, avaliando-se o projeto com espírito desarmado das paixões partidárias e dos interesses econômicos, é possível perceber vários pontos positivos na proposta do CFJ. Pela sua importância, a questão merece discussão aprofundada, que deve se dar no Congresso Nacional, aliás, o palco adequado para o trato democrático da matéria. Afinal, se diz violento o rio caudaloso, mas nunca as margens que o aprisionam.

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