Poder expresso

Constituição Federal não proíbe MP de investigar criminalmente

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11 de agosto de 2004, 15h06

Atento ao debate que atualmente vem sendo travado, principalmente neste site, não pude me furtar a tecer alguns comentários sobre a possibilidade de investigação criminal por parte do Ministério Público.

Em primeiro lugar, pelo que percebo, muitas vezes as argumentações têm se pautado, com mais ou menos intensidade, pelo corporativismo ou outros interesses, desprezando-se, infelizmente, a conseqüência final desse episódio que, com absoluta certeza, trará conseqüências sérias para a sociedade, ou a seu favor, ou contra.

Assim, na atual conjuntura de violência e corrupção que assola o país, deveríamos nos empenhar numa “força tarefa” para combater esses males, sem vaidades, corporativismos ou exclusividades, posto que isto não traz qualquer benefício, mormente diante da árdua luta que temos pela frente, para, acima de tudo, buscar uma melhora para a sociedade, destinatária final de nosso trabalho.

Destarte, nesta seara, quando há uma atuação conjunta, integrada entre o Ministério Público e a Polícia, os resultados têm sido excelentes, sem perder de vista, no entanto, que há casos onde se torna imperiosa a investigação direta pelo Ministério Público, muitas vezes em virtude dos interesses e pessoas envolvidas, que somente diante de sua independência conseguir-se-á uma investigação sem a interferência de “forças poderosas”.

E, destaque-se que não me refiro somente a casos de repercussão na mídia, que atraem os holofotes, mas, salvo algumas exceções, isso acontece justamente pelas pessoas ou interesses envolvidos. Entretanto, não devemos esquecer que por este imenso Brasil, de tamanho continental, há muitas investigações conduzidas pelo Ministério Público, que não atraem os holofotes e continuam sendo realizadas, também com ótimos resultados, principalmente para a nação.

Assim, a instituição e a própria sociedade não podem ser penalizadas por alguns excessos porventura cometidos, que se referem a pouquíssimos casos, diante da realidade brasileira existente por este país afora. Tanto que várias associações, como a de juízes (inclusive europeus), de policiais federais e outras entidades civis expressaram seu apoio ao Ministério Público e, por conseqüência, sua preocupação com a possibilidade de se proibi-lo de investigar.

Contudo, adentrando agora mais especificamente no aspecto jurídico da questão, a Constituição Federal, quando quis vedar alguma atribuição do Ministério Público que eventualmente fosse compatível com suas funções, o fez expressamente, senão vejamos: Dispõe o seu art. 129, inciso X, que cabe ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Note-se que a norma constitucional além de não proibir, permitiu, deixando em aberto para o legislador infraconstitucional, que ao Ministério Público sejam conferidas outras atribuições compatíveis com a sua finalidade, vedando, tão somente e de forma expressa, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Veja-se que essas duas funções, em tese, seriam compatíveis com as atribuições do Parquet, mas, nesses casos específicos, a norma veda expressamente. Observe que não consta a vedação para que o Ministério Público investigue. Portanto, a Constituição não proíbe o Ministério Público de investigar, mas tão somente de exercer a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. Quisesse o legislador vedar a investigação, teria incluído, juntamente com essas restrições, a investigação criminal, o que não ocorreu.

Ao contrário disso, autorizou que outras atribuições lhe fossem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade e, dentre elas, a investigação sobressai, porque a instituição também pode investigar na área cível, sendo, ipso facto, uma função que lhe é compatível. Nesse contexto, repita-se, infere-se que a Constituição não proíbe o Ministério Público de investigar.

De outro lado, data venia, o argumento de que a investigação é exclusiva da polícia judiciária, não convence, pois como admitir então a investigação judicial nos crimes falimentares, as investigações das CPIs, da Receita Federal etc? Conclui-se, pois, que não existe a exclusividade tão propalada. Do contrário, ficaremos reféns de uma única instituição, vez que as outras mencionadas também não poderão mais investigar, causando prejuízos não só a elas, mas, principalmente à sociedade.

Veja-se que essa exclusividade não trará benefícios a ninguém, a não ser as organizações criminosas e corruptos de plantão. Destaque-se que nem mesmo ao Parquet, titular da ação penal pública, é atribuída a exclusividade absoluta, pois se eventualmente não oferecer a denúncia no prazo legal, poderá o ofendido ajuizar a ação penal privada subsidiária da pública (art. 29 do CPP). Portanto, com base nesse detalhe, vê-se que o sistema legal estabelece mecanismos para que não exista a exclusividade de uma função, possibilitando, assim, até mesmo uma fiscalização do órgão.

Com efeito, se o sistema é assim, por que então seria diferente em relação à polícia, dando-lhe a exclusividade de uma função, sem possibilidade de outro realizá-la?

No entanto, infere-se que essa não é a interpretação correta, data venia, posto que as normas, de forma sistemática, prevêem que outros órgãos também investiguem, como acima mencionado. Ainda nesse contexto, se a CF admitiu a possibilidade de outras normas, inclusive infraconstitucionais, atribuírem outras funções compatíveis com as atribuições do Parquet (com exceção da representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas – vedações expressas) e isso aconteceu, como veremos a seguir, não há como, com o devido respeito, admitir interpretação em sentido contrário.

Dessa forma, oportuno transcrever algumas normas que, expressamente, admitem a investigação pelo Ministério Público:

1) art. 129, VI, da CF: “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”;

2) LC n.º 75/93, art. 8.º, V: – “realizar inspeções e diligências investigatórias”;

3) ECA, art. 201: “Compete ao Ministério Público: II – promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a adolescentes; VI – instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los..”;

4) Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/03), art. 74, “V – instaurar procedimento administrativo e, para instruí-lo”;

5) Lei n.º 7.492/96, art. 29: “O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência relativa à prova dos crimes previstos nesta Lei.”.

Observe que os dispositivos não tratam de investigações cíveis, pois se assim fosse, eles teriam mencionado inquérito civil, o que não ocorreu, pois como se percebe, os dispositivos mencionam expressamente procedimento administrativo. Vale lembrar aqui, por oportuno, que a lei não contém palavras inúteis.

Ademais, recentemente, o próprio ministro Nelson Jobim, em um caso do estado de Goiás, admitiu a investigação pelo Ministério Público, fundamentando sua decisão no ECA. Entendeu que este diploma legal autoriza a investigação direta pelo Parquet (STF – HC n.º 82.865/GO).

Ora, se esse é o entendimento do e. ministro, admitindo que o ECA permite a investigação, como ficam as demais normas acima referidas, onde há inclusive uma Lei Complementar (LC n.º 75/93)? Por que interpretações distintas em hipóteses semelhantes? Isso, a meu ver, data venia, demonstra a insubsistência desse entendimento, que não se coaduna com uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio.

Caso o entendimento seja contrário à investigação pelo órgão ministerial, dentre várias conseqüências, oportuno destacar uma: imagine-se que através de inquérito civil o representante do Ministério Público consiga comprovar a prática de atos de improbidade que, por sua vez, nitidamente também configuram crimes, e a investigação tenha sido feita exclusivamente pelo Parquet.

Pergunta-se: Não poderá haver o oferecimento de denúncia, posto que a investigação foi exclusiva do Ministério Público? Será obrigatória, por mero formalismo, a requisição de instauração de inquérito policial, mesmo já estando fartamente comprovados os fatos, para que a investigação seja ratificada pela Polícia?

O eventual argumento de que o inquérito policial é prescindível ao oferecimento da denúncia, a meu ver, não poderá ser invocado, pois mesmo assim a questão recairia no fato de ter o Ministério Público colhido diretamente as provas, ainda que em inquérito civil. Assim, veja-se a celeuma que estar-se-ia criando, em total prejuízo ao combate à criminalidade e a corrupção, por mero apego a uma interpretação estritamente formal e, data venia, fora de um contexto sistemático e, o que é pior, sem uma visão mais ampla de suas conseqüências futuras.

Por fim, é bom que fique bem claro que o Ministério Público não tem a pretensão de retirar o inquérito policial da Polícia e, por corolário, presidir inquéritos policiais, mas apenas poder instaurar procedimentos administrativos, conforme legalmente previsto, para colher diretamente as provas que irão subsidiar a eventual ação penal, da qual, não devemos esquecer, o Parquet é o titular, quando entender necessária essa medida, pelos motivos já expostos.

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