Questão de identidade

Procuradores protestam contra mudança de sua denominação

Autor

10 de abril de 2004, 11h43

A votação de destaques à Proposta de Emenda Constitucional 29/2000, que trata da reforma do Judiciário, concluída na última terça-feira (6/4) no Senado, provocou uma nova celeuma. A grita foi motivada pela aprovação do destaque apresentado pelo senador Demóstenes Torres (PFL-GO), que uniformiza a denominação de todos os integrantes do Ministério Público.

O dispositivo aprovado estabelece que todos os membros da categoria passam a ser chamados de promotores. Caso a proposta passe na votação em plenário, os procuradores — que são denominados dessa forma desde 1890, antes da primeira Constituição republicana — passarão a ser chamados de promotores de Justiça.

Embora pareça questão menos importante, a nomenclatura dos cargos é motivo de preocupações. Os juízes de segunda instância da Justiça do Trabalho entendem que, por desembargarem recursos, seu posto merece ser o de “desembargadores federais do trabalho”. Os integrantes de Tribunais Regionais Federais saíram na frente e adotaram o título de “desembargadores federais” — o que não é reconhecido por alguns setores, mas foi acatado pela comunidade e pela imprensa. Enquete feita por este site indicou que a maioria dos leitores concordam com os desembargadores federais quanto ao título adotado. Contudo, há pelo menos uma proposta para que, em todas as instâncias, os juízes sejam considerados juízes mesmo. A Comissão rejeitou esse dispositivo.

No caso do Ministério Público, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolao Dino, argumenta que a alteração representa uma tentativa de retirar a identidade funcional dos procuradores da República, com o único objetivo de “descaracterizar o Ministério Público Federal num aspecto básico: a denominação de seus membros, historicamente utilizada”. Dino lamenta o que chama de “bola nas costas” dada pelo senador.

“O mais grave é que o Procurador-Geral da República não foi consultado e, juntamente com a ANPR, já havia se posicionado de forma contrária à modificação perante os membros da CCJ do Senado”. O procurador Cláudio Fontelles, por exemplo, será chamado de Promotor-Geral da República.

“Qual o sentido dessa mudança no contexto do aprimoramento do Sistema de Justiça, que seria o objetivo real da reforma?”, questiona Dino. Para ele, a alteração causará confusão, pois a sociedade, já acostumada com a denominação, “questionará aonde foram parar os procuradores da República que tanto combateram a corrupção e a improbidade administrativa”.

O líder do PT no Senado, Aloísio Mercadante, e o pefelista Romero Jucá, de Roraima, apoiaram a mudança sob o argumento de que ela vai facilitar a compreensão do trabalho da instituição pela sociedade. Outra tese é a de que o título de procurador confunde os integrantes da carreira com os advogados públicos (procuradores municipais, estaduais e federais que fazem a defesa dos órgãos do Executivo e da administração indireta).

Leia a nota da ANPR

As sugestões apresentadas pelo eminente Senador Demóstenes Torres de unificar as denominações dos cargos do Judiciário (juiz) e do Ministério Público (promotor de Justiça) não foram, em boa hora, aceitas pelo ilustre Relator, Senador José Jorge. Daí os pedidos de destaque para votação em separado de tais sugestões.

Com a vênia do ilustre proponente, as sugestões em tela entram em choque com as mais antigas tradições republicanas brasileiras. Desde a organização dos Tribunais Superiores e da Procuradoria-Geral da República, as terminologias hoje existentes (ministros, procurador-geral da República, procuradores da República) são empregadas nas diversas Constituições. A primeira Constituição republicana, de 1891, por exemplo, já fazia referência ao cargo de Procurador-Geral da República. A Constituição de 1934 também adotou as denominações de ministros da Corte Suprema e de Procurador-Geral da República, este na condição de chefe do Ministério Público Federal, composto pelos procuradores da República.

A denominação do cargo de “Procurador-Geral da República” e, por conseguinte, dos cargos que integram a carreira do Ministério Público Federal (“procuradores da República”) integra a identidade histórica da Instituição, além de expressar, com absoluta precisão, as funções inerentes a tais cargos: procurar (rectius, preservar) a res publica, ou seja, a coisa pública.

Nesse passo, frise-se que a PEC n° 29, buscando harmonizar as denominações dadas aos cargos, vem alterando a terminologia dos membros dos tribunais federais, empregando a terminologia de “desembargadores”.

Por outro lado, se fosse o caso de efetivar-se qualquer alteração terminológica no âmbito do Ministério Público, seria, então, mais apropriado abolir-se a expressão “promotor de Justiça”, arraigada no imaginário popular como aquele profissional que desenvolve tão somente a tarefa de “acusar” por “acusar”, no Júri. Em seu lugar, adotar-se-ia a expressão “procurador de Justiça”. Mas isso, por evidente, não mais corresponde à realidade institucional do Ministério Público dos Estados. Nem por essa razão, cogita-se de qualquer alteração em tal denominação.

Ademais, tais modificações de índole formal não guardam qualquer relevância no bojo na reforma constitucional em tela. As inovações pretendidas discrepam, pois, da tradição republicana brasileira, que já incorporou as nomenclaturas refutadas nos destaques.

Daí a posição contrária da ANPR às sugestões destacadas que visam adotar a denominação unificada de “promotor de Justiça”, bem como alterar as denominações dos cargos dos tribunais. (ANPR)

Saiba mais

As mudanças administrativas, processuais e técnicas promovidas na Justiça com a reforma serão discutidas por ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no seminário “A Nova Justiça”, no próximo dia 23 de abril, em Florianópolis (SC).

O evento é promovido pela revista Consultor Jurídico. Para outras informações, basta ligar para (11) 3812-1220 ou clicar aqui.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!