Gregos e troianos

Primeira Leitura critica discurso de Edson Vidigal

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6 de abril de 2004, 18h11

O site da revista Primeira Leitura publicou nesta terça-feira (6/4) artigo sobre o discurso de posse de Edson Vidigal no STJ. Assinado por Reinaldo Azevedo, o texto discorre sobre a tentativa de Vidigal em “juntar ao redor de si tanto os pássaros como as feras”.

De acordo com o artigo, o discurso de Vidigal é uma tentativa em agradar a gregos e troianos, tanto “aqueles que batem asas inocentes sobre o debate do controle externo do Judiciário quanto aqueles que ou o atacam porque de olho nos interesses corporativos ou porque enxergam o óbvio interesse do Planalto em pôr uma canga no Poder, o que também é fato”. A Justiça, porém, “não busca necessariamente a concórdia universal. Se assim fosse, não apareceria vendada, mas com os olhos bem arregalados, espertíssima”.

Leia o artigo:

O padre e o Rappa

A Justiça, à diferença do que parece, não busca necessariamente a concórdia universal. Se assim fosse, não apareceria vendada, mas com os olhos bem arregalados, espertíssima, para não desagradar ninguém

Por Reinaldo Azevedo

Aproveito aqui, com alguma graça, as homenagens que Edson Vidigal prestou à sua mulher — sempre de justiça —, Eurídice, para observar que o novo presidente do STJ falou como se fosse o Orfeu da primeira fase. Sua “música” — no caso, seu discurso — parece talhada para juntar ao redor de si tanto os pássaros como as feras. Tantos aqueles que batem asas inocentes sobre o debate do controle externo do Judiciário quanto aqueles que ou o atacam porque de olho nos interesses corporativos ou porque enxergam o óbvio interesse do Planalto em pôr uma canga no Poder, o que também é fato. Quem duvidar que leia Márcio Thomaz Bastos pegando carona na tese logo depois da fita do procurador Santoro, aproveitando para pedir o controle externo de Judiciário e do Ministério Público numa tacada só.

Essa fala para encantar serpentes faz sentido em discurso de posse. Vamos ver como a coisa toda vai se dar depois. Tomara que não venha a ser o próprio Executivo o Aristeu da vida desse nosso Orfeu. Aristeu, se bem se lembram, foi aquele que acabou tirando Eurídice — agora já abuso da alegoria, é claro — de seu amado. O que o obrigou a mergulhar no reino dos mortos e o conduziu a um fim trágico.

Ok o juiz Vidigal citar, a um só tempo, Padre Antônio Vieira, o Eclesiastes, Mateus e um certo Rappa, que me dizem ser um grupo que mistura rock, reggae e “um pouco de rap” (?) em música de protesto. Música de protesto? Xiiiii… Seja lá o que isso quer dizer e sem nunca ter ouvido nada do dito cujo, fico com um pé atrás com esse negócio de juntar rock com Padre Vieira. Pode ser ousadia teórica, mas pode indicar falta de critério. Pode ser combate ao preconceito, esse meu; pode ser só vontade de agradar e demonstrar, como dizer?, aggiornamento. Nada demais que o diretor Zé Celso misture no Teatro Oficina Euclides da Cunha com o que lhe der na telha. Num tribunal, é ver para crer.

Ninguém é presidente de um órgão como o Superior Tribunal de Justiça sem desagradar a ninguém. Falo, a exemplo do ministro, por figuração agora: haverá a hora em que ou o Rappa ou o Viera terá de dançar. A Justiça, à diferença do que parece, não busca necessariamente a concórdia universal. Se assim fosse, não apareceria vendada, mas com os olhos bem arregalados, espertíssima, para não desagradar nem o reggae nem o padre.

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