Dívida externa

OAB vai ao STF para que Congresso faça auditoria da dívida externa

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6 de abril de 2004, 14h40

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu nesta terça-feira (6/4) ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação para obrigar o Congresso Nacional a instalar comissão para realizar auditoria da dívida externa.

A ação de descumprimento de preceito fundamental, prevista na lei 9882/99, tem o objetivo de exigir que o Congresso aplique o artigo 26 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.

O dispositivo determina que no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição – outubro de 1988 – o Congresso Nacional, promoveria, através de comissão mista, auditoria sobre os fatos geradores da dívida externa brasileira. O prazo está sendo descumprido há cerca de 15 anos. (OAB)

Leia o voto do conselheiro federal Arx Tourinho:

V O T O

1. Impositividade do comando do artigo 26, do ADCT. 2. Eficácia plena da norma. 3. Omissão inconstitucional do Congresso Nacional. 4. Incidência do artigo 102, par. 1.º, da Lei Maior. Aplicabilidade da Lei 9.882/99. 5. Sugestão de proposta de ação de descumprimento de preceito fundamental.

1 – Após a leitura do voto redigido pelo eminente ex-Conselheiro da OAB, prof. Marcos Bernardes de Mello, integrante, na gestão transata, da nobre delegação alagoana, ao qual adiro, em sua essência, manifesto, no entanto, divergência quanto à providência a ser adotado por este egrégio Conselho Federal da OAB, que se afasta, também, da proposta de indicação de seu insigne autor, o culto prof. Paulo Lopo Saraiva.

Assim, entendo que este colendo Conselho deve adotar providência jurisdicional, quanto ao descumprimento da norma constitucional pelo Congresso Nacional.

2. O artigo 26, do ADCT, foi inserido pela Assembléia Nacional Constituinte, porque se entendeu indispensável a realização de um exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento nacional, para se ter a compreensão exata da realidade.

3. Essa norma é resultado de destaque, apresentado pelo deputado federal constituinte Hermes Zaneti. Registram os anais da Constituinte de 1988 a justificativa do deputado, quando diz que “entendo que o Congresso Nacional deve realizar uma auditoria, um exame pericial e analítico dos atos e fatos constitutivos da dívida externa brasileira, pois esta dívida não é meramente uma questão financeira e contábil. Ela é, acima de tudo, uma questão política e, por isso mesmo, o Congresso Nacional, como expressão maior da vida política brasileira, deve realizar esta auditoria” (Diário da Assembléia Nacional Constituinte, 27 de janeiro de 1988, p. 2362).

Não é demais termos, também, o acréscimo justificador do constituinte: “… peço a aprovação desta emenda, porque ela também traz no seu bojo a recuperação das prerrogativas do Congresso Nacional. A dívida externa brasileira foi constituída ao arrepio do Congresso Nacional e da determinação do art. 44, inciso I, da Constituição Federal vigente, que determina que o Presidente da República pode assinar atos de repercussão internacional, ad referendum do Congresso Nacional – referendum que nunca buscaram para a constituição da dívida externa alguns dos Presidentes da República durante todo o período sem que a dívida foi constituída.” (ibidem).

3. Naquela oportunidade, quando se discutia a matéria, no âmbito da Constituinte, o deputado federal constituinte Aldo Arantes lembrava “Srs. Constituintes, fui membro da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a dívida externa na Câmara Federal durante a Legislatura passada. O Congresso perdeu as suas prerrogativas durante a ditadura militar; as Comissões parlamentares de inquérito não tinham a força que deveriam ter num Parlamento democrático; a CPI, sob a direção de companheiros competentes, chegou a identificar questões extremamente graves como as expostas no Relatório Saraiva. Solicitou a íntegra do Relatório Saraiva ao então Ministro do Exército, que não fez questão que esse texto chegasse ao conhecimento da CPI.” ( ib. , p. 2363). O mesmo constituinte acrescentava “ Srs. Constituintes, conhecemos a dimensão da dívida externa brasileira. Sabemos que ela decorre fundamentalmente do aumento exorbitante das taxas de juros no mercado internacional. Também sabemos que o aumento das taxas de juros decorreu da decisão unilateral dos grandes banqueiros internacionais. De tal forma que o Brasil, que em 1968 pagava cento e quarenta e oito milhões de dólares de juros da dívida externa, em 1982 estava pagando onze bilhões de dólares, Sabemos que isso foi fruto da crise do petróleo, e sobretudo do déficit público norte-americano, de medidas adotadas pelos Estados Unidos no sentido de repassar suas dificuldades, suas crises para os países do Terceiro Mundo” ( ib.).

4. Pois bem! A disposição constitucional em comento entra para o Texto Maior, contrariando manifestação da direita, que se opunha à providência devidamente justificada.


5. O artigo 26, do ADCT, é norma constitucional de eficácia plena, norma que incide, impondo obrigação, dever, ou seja, o Congresso Nacional teria de formar, no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição Federal de 1988, uma Comissão Mista, objetivando exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. Mas, apesar disso, o Congresso Nacional, durante cerca de 14 anos e 06 meses, se mantém silente, em um silêncio inconstitucional e indigno do exercício de suas altas funções. A responsabilidade, entregue ao Congresso Nacional, foi impiedosamente afastada por mãos covardes, que se deleitam com uma perversa realidade. Não é aceitável, não é admissível que o próprio Congresso Nacional seja o primeiro a desrespeitar a Constituição brasileira. Aliás, os poderes públicos são os primeiros a violentarem as normas constitucionais, com a prática de um desprezo ilícito, por vezes criminoso, ao Documento máximo que rege a ordem jurídica brasileira.

6. A dívida externa brasileira não é algo que deva ser aceito, sem análise adequada e percuciente. Não se pode deixar o povo, sofrendo as conseqüências de uma perversa política econômico-financeira, que privilegia o mercado financeiro internacional, em detrimento da vida de milhares de brasileiros.

7. Os países subdesenvolvidos, ou, em linguagem eufemística, em desenvolvimento, estão pagando alto preço pela irresponsabilidade de muitos de seus nacionais e pela rapinagem daqueles que comandam o mundo financeiro internacional.

8. Em análise sobre a dívida externa, em geral, o professor mexicano Carlos Marichal pôde afirmar: “Quando existe ampla oferta de capitais internacionais, os políticos latino-americanos – no século XIX, no século XX e atualmente – estimulam o endividamento de seus governos, com o argumento de que os recursos provenientes do exterior seriam utilizados para impulsionar projetos de obras públicas e desenvolvimento econômico. Não obstante, na maioria dos casos não foi considerado – nem se considera – se o povo pagante está realmente disposto a pagar essas somas nas condições estabelecidas nos contratos com os bancos. Nem o Executivo nem os parlamentares consultam os contribuintes para saber se eles estão dispostos a sustentar o pagamento dessas dívidas em moeda estrangeira.” ( Evitando futuras crises da dívida na América Latina: lições da história e algumas propostas, p. 18, na obra coletiva Auditoria da dívida externa: questão de soberania, sob organização de Maria Lúcia Fattorelli Carneiro, Campanha Jubileu Sul, 2003).

9. O professor Reinaldo Gonçalves, titular de Economia Internacional da UFRJ, em lúcida observação, afirma:

“A dívida externa é uma forte restrição ao processo de desenvolvimento. Certos modelos econômicos indicam que a poupança externa pode ser um elementos dinamizador da cumulação de capital e do progresso técnico em uma fase inicial. Segundo essa visão, a poupança externa permite aos países atingir estágios mais avançados de desenvolvimento. Nesses estágios, o maior nível de desenvolvimento e de competitividade internacional gerará os recursos externos necessários para o pagamento da dívida contraída na fase inicial. Esse modelo é tão simples quanto irrealista” ( Auditora e dívida externa: lições da Era Vargas, p. 111, in op. cit.).

10. Defendendo auditoria de dívidas externas de países subdesenvolvidos, o peruano Oscar Ugartech, responsável técnico pela análise de dívidas, nos governos de Anastácio Somoza, na Nicarágua, e de Fujimori, no Peru, é taxativo em suas afirmações, hauridas de prática intensa na análise da matéria:

“Um tema recorrente na literatura da última década é o das dívidas odiosas e inválidas. O que se constitui, como se reconhecem e o que ocorre com a corrupção? A dívida odiosa é a que foi contratada para subjugar o povo. Está normalmente relacionada ao financiamento das armas que são utilizadas contra a população. Evidentemente, há muito mais problemas além destes e se poderia estende-los aos créditos que foram tomados com finalidades distintas daquelas para as quais foram contratados, em que o credor teria a obrigação e o direito de saber para onde foram os recursos e como foi feita a intermediação. O problema tem vários aspectos: (a) como se identifica para onde foi o dinheiro?; (b) como se identificam os desvios?; (c) a que tribunal se apela quando se encontram as pistas?.

O princípio é que a corrupção tem dois lados; um está no âmbito político e o outro no âmbito privado, ou ambos podem estar no âmbito provado.” (A auditoria cidadã e a validade dos créditos internacionais, in op. cit., p. 143).

11. A respeito dos graves problemas causados pela dívida externa, o economista espanhol Jaime Atienza Azcona assevera:

“A dívida externa está acarretando problemas persistentes para numerosos países do mundo. Isto vem sendo constatado a cada ano por relatórios preparados por instituições tão pouco suspeitas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial” ( Luzes, câmera, ação!… auditoria cidadã, in op. cit., p. 151).


Adiante acrescenta:

“A falta de justiça e a desproteção dos países endividados – e de seus setores excluídos, sofredores principais desta grande crise – no atual marco de negociações tornaram-se lugares-comuns. O poder de decisão nas negociações sobre a dívida está nas mãos dos credores, seja no Clube de Paris, foro de negociação, no FMI, cuja diretoria – amplamente dominada pelos mais importantes credores – se encarrega de fixar a política econômica que um país devedor deve seguir para negociar com o Clube de Paris” ( p. 152).

Referindo-se aos governos devedores, é contundente:

“Fecham a boca sistematicamente quando se sentam diante do FMI ou dos países credores. O poder desse atores ou instituições se ampliou. Mas, ao silenciarem, os governos tornam-se cúmplices, chegando a ocultar as próprias contas para fingir que não há problemas e renunciando a possibilidade de reduzir a dívida para parecerem mais prósperos diante dos investidores externos. Para eles, auditar a dívida abriria a porta para reclamar justiça nas negociações e recuperar ativos que, no passado, foram roubados por outros governantes” ( p. 153).

Não podemos deixar, afinal, de reproduzir as dez razões, postas pelo ilustrado economista, para que se realize uma auditoria cidadão das dívidas externas:

“Um: A necessidade de conhecer e tornar público o que ocorreu no passado.

Dois: Evitar a impunidade de quem cometeu delitos econômicos ou se beneficiou da dívida externa.

Três: Ser um instrumento eficaz de denúncia que permita exigir as responsabilidades de quem errou no uso dos recursos públicos, o que será um incentivo para a correta gestão e utilização de qualquer endividamento futuro.

Quatro: Oferecer um espaço de segurança jurídica, um ambiente “amigável ao mercado” para todos os interessados em participar ou investir, de modo a garantir que suas operações não têm um risco político, embora para alguns agentes do mercado isto signifique perder um “privilégio político”.

Cinco: Desmascarar as avaliações produzidas pelas entidades que se dedicam à classificação de risco. Com freqüência, essas entidades – as classificadoras do chamado “risco-país” – são precisamente as que criam níveis exorbitantes de alarmismo, modificando a percepção dos próprios investidores, governos e instituições internacionais.

Seis: Dar um passo imprescindível para superar o Clube de Paris, pois o mesmo se ampara na existência de um contexto de confiança entre todos os países, o que torna válido negociar em um foro fechado e sem personalidade jurídica.

Sete: Tornar possível convocar tribunais de arbitragem ou instâncias independentes de resolução de contenciosos sobre dívida; as informações decorrentes das auditorias seriam uma condição sine qua non para esta medida.

Oito: Pressupor uma participação cidadã em aspectos cruciais que habitualmente os governos reservam para si mesmos; trtar-se-ia, portanto, de um exercício democrático muito importante tanto para a cidadania como para o país, ao abrir as portas ao povo; marcaria o início de uma nova etapa na vida democrática.

Nove: Emitir um sinal, para o exterior, de que o mundo em desenvolvimento dá um basta e não suporá qualquer imposição ou proposta sobre a dívida sem analisar suas contas; seria um indicador de que se chegou a um limite tanto para os governos como para a cidadania.

Dez: Começar um processo que possa resultar em uma redução dos montantes pendentes da dívida, de acordo com o direito, ou seja, não como uma concessão dadivosa dos credores, mas como um ato de justiça” ( op. cit., p. 155/156).

12. De tudo isso se conclui que a dívida externa estabelecida é tema da maior importância possível, olhando-se por todos ângulos, seja de ordem econômica, social, financeira, política, jurídica e ética. Com uma trilionária dívida externa, nosso país está sofrendo com sangue, suor, lágrima e vida de seu povo. Parte do povo brasileiro, que trabalha, que consegue trabalhar, hoje, porque à outra parte não lhe é concedido esse direito, o faz para pagamento de uma dívida externa astronômica e, rigorosamente, impagável. A população brasileira está sendo vítima da escorcha patrocinada pelo mercado financeiro internacional, sob o olhar contemplativo do governo.

13. Em razão disso, entendo que o artigo 26, do ADCT, que ordenou ao Congresso Nacional a instituição de uma Comissão Mista, para apurar fatos e atos geradores do endividamento externo, é um preceito fundamental.

14. A doutrina não é muito clara, quando cuida do conceito de preceito fundamental, que vem referido no parágrafo primeiro, do artigo 102, da Constituição Federal, mas, uma coisa é certa: não se pode ter como preceito fundamental, apenas, princípios fundamentais, que se acham estampados no Título primeiro, da nossa Lex Legum.


15. Por outro lado, a Lei n.º 9.882/99, também, não foi elucidativa na compreensão de tal conceito, mas, não prejudica a interpretação de que é possível se conceder à expressão preceito fundamental maior extensão.

16. Em trabalho monográfico, Roberto Mandelli Júnior assevera:

“Preceito constitucional fundamental, além de dar identidade à Constituição, é o parâmetro de sindicabilidade da argüição de descumprimento.

Como já anotado, não foi enumerado um rolde preceitos constitucionais fundamentais, nem pelo legislador constituinte, nem mesmo pelo legislador ordinário.” ( Argüição de descumprimento de preceito fundamental, Ed. Revista dos Tribunais, 2.003, p. 116).

Diante disso, conclui que “A ausência dessa previsão confere à jurisprudência maior flexibilidade, permitindo alterações quanto à densidade axiológica da norma constitucional, possibilitando acomodar com mais facilidade mudanças na sociedade, aplicando o método de interpretação constitucional evolutiva, deixando espaço tanto para que um preceito constitucional passe a ser tratado como fundamental, bem como para que deixe de sê-lo, pois os preceitos fundamentais decorrem da própria história constitucional do Estado” ( op. cit., p. 116/117).

17. Entendimento semelhante adota o professor Daniel Sarmento, quando diz:

“Nesse sentido, parece-nos que o legislador agiu bem ao não arrolar taxativamente quais, dentre os dispositivos constitucionais, devem ser considerados como preceitos fundamentais. Ao valer-se de um conceito jurídico indeterminado, a lei conferiu uma maleabilidade maior à jurisprudência, que poderá acomodar com mais facilidade mudanças no mundo dos fatos, bem como a interpretação evolutiva da Constituição. Caberá, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal, definir tal conceito, sempre baseando-se na consideração do dado axiológico subjacente ao ordenamento constitucional” (Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental, p. 91, in Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n.º 9.882/99, Ed. Atlas, 2001).

18. O professor Gilmar Mendes, hoje Ministro do STF, enfrentando a matéria relativa à identificação do que seja preceito fundamental, teve oportunidade de afirmar:

“É o estudo da ordem constitucional em seu contexto normativo e em suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em determinado sistema. Tal como ensina Canotilho em relação à limitação do poder de revisão, a identificação do preceito fundamental não pode divorciar-se das conexões de sentido captadas do texto constitucional, fazendo-se mister que os limites materiais operem como verdadeiros limites textuais implícitos.” ( Argüição de descumprimento de preceito fundamental: parâmtero de controle e objeto, p. 131, in op. cit.).

Adiante conclui:

“Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio” ( ibidem).

19. Com isso queremos afirmar que o artigo 26, do ADCT, envolve preceito fundamental, porque se entronca com princípios fundamentais, que são verdadeiras balizas que direcionam a interpretação do Texto Constitucional, em nosso país. E, é sabido que a interpretação sistemática é a melhor técnica, na busca do sentido de uma norma constitucional. Luiz Roberto Barroso, com razão, informa: “No Brasil, a interpretação sistemática em matéria constitucional é frequentemente invocada pelo Supremo Tribunal Federal e desfruta, de fato, de grande prestígio na jurisprudência em geral. Sobre ela escreveu o ex-Ministro Antônio Neder: É o que em seguida será demonstrado pela interpretação sistemática, a mais racional e científica, e a que mais se harmoniza com o método do Direito Constitucional , exatamente a que aproxima da realidade o intérprete” ( Interpretação e aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, 3ª ed., p. 136).

Essa norma, cuidando da necessidade de se avaliarem fatos e atos que geraram o endividamento externo do país, está intimamente vinculada a princípios fundamentais como soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, que são fundamentos da República Federativa do Brasil ( artigo 1.º), Diz respeito, também, aos objetivos fundamentais de nossa República, que almeja a construção de uma sociedade livre, justa e democrática, que busca a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, com redução das desigualdades sociais e regionais e, por fim, que pretende a promoção do bem de todos, sem preconceitos ( artigo 3.º, da Constituição Federal).

20. A dívida externa brasileira é um foco constante de empobrecimento da sociedade brasileira, de ofensa à soberania do país. O brasileiro perde a dignidade, quando não se abrem oportunidades de emprego ou quando se dedica a atividades informais, que não atingem o mínimo ético. Com essa dívida, o país jamais trilhará no caminho de seus objetivos fundamentais.

21. Ora, quando se pesquisarem os atos e fatos geradores dessa dívida, poderemos ter responsabilizações e se chegar, inclusive, à sua redução. O país, após os trabalhos da Comissão Mista, poderá adotar rumo para seu povo. As opiniões de especialistas em economia e em política internacional, como aqui vimos, dão a idéia exata da interveniência profunda da dívida externa em um país, com reflexos diretos na vida de um povo. Com isso, queremos afirmar, com absoluta convicção, que o artigo 26, do ADCT, revela a existência de um preceito fundamental que se enlaça não apenas com um, mas, com diversos princípios fundamentais.

22. Se assim é e é assim, o Conselho Federal da OAB tem um instrumento processual a utilizar, para alcançar prestação jurisdicional, objetivando impor ao Congresso Nacional o cumprimento do dever que lhe foi impingido pela Assembléia Nacional Constituinte. Refiro-me à ação de descumprimento de preceito fundamental, regulada pela Lei 9.882, de 03.12.99.

23. Estão presentes pressupostos e condições necessários ao manejo da ação mencionada, perante o Colendo Supremo Tribunal Federal:

a) legitimidade ad causam ativa do Conselho Federal da OAB ( artigo 2.º, da Lei n.º 9.882/99), uma vez que esse eg. Conselho é, também, legitimado para a propositura de ação direta de declaração de inconstitucionalidade;

b) legitimidade passiva do Congresso Nacional, eis que lhe foi cometido o encargo de instituir Comissão Mista, buscando exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro;

c) causa de pedir, que se materializa na inconstitucional omissão do Congresso Nacional, quanto ao cumprimento do comando normativo, ínsito no artigo 26, do ADCT;

d) pedido, ou seja, que o Congresso Nacional cumpra a obrigação que lhe foi imposta pela Assembléia Nacional Constituinte.

24. Temos a certeza de que, ingressando com a ação sugerida, este Colendo Conselho Federal da OAB cumpre seu papel em prol de nossa ordem constitucional e, mais do isso, posiciona-se, de forma clara, em defesa dos interesses do povo brasileiro que já viveu, está vivendo e viverá, cada vez mais, dias angustiantes, sob o peso imponderável, injusto e trágico de uma odiosa dívida externa, que os olhares governamentais, placidamente, contemplam, no berço esplêndido de uma inércia ilícita e anti-ética.

Brasília, 06 de abril de 2.004.

Arx Tourinho

Conselheiro Federal Relator

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