Pedidos sem resposta

Procurador entra com mandado contra Geraldo Brindeiro

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13 de maio de 2002, 17h04

Como bem elucida Hugo Nigro Mazzilli (1), “O princípio da independência funcional opõe-se precisamente ao princípio da hierarquia, típico do MP francês, onde o MP é uno, indivisível e hierarquizado. Entre nós, é mais acertado dizer que a unidade é o conceito de que o MP é um só órgão, com uma só chefia e uma só função. Por sua vez, indivisibilidade é conceito de que, porque é o MP uno, torna-se possível a substituição de seus agentes. E, em vez de hierarquia, temos independência funcional.” (negritei)

Impende salientar que num Estado Democrático e de Direito a organização fundada na hierarquia, além das Forças Armadas, fica restrita aos órgãos da administração pública, no desempenho das atividades meramente executivas (administrativas), o que não é o caso dos agentes políticos do Estado, categoria a que pertencem os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Enfim, o de tudo juridicamente insustentável é a subsistência de lei, mesmo que complementar, hierarquizando funções protegidas constitucionalmente pelo manto da independência funcional, de modo a criar um infundado vínculo de subordinação entre os órgãos do Ministério Público e o Procurador-Geral da República.

Nem se pode alegar que a ingerência do Procurador-Geral da República na intermediação dos atos dos Procuradores se dá na órbita administrativa, isso porque as correspondências, as notificações e as requisições a que se refere o § 4º do art. 8º da LC nº 75/93 são documentos emitidos pelos órgãos (membros) do Ministério Público no exercício das suas funções institucionais – não administrativas -, visando a um único fim: instruir os procedimentos administrativos instaurados para apurar fatos sujeitos à sua esfera de competência, de modo a carrear aos autos os elementos indispensáveis à elucidação da materialidade e da autoria delitivas.

Ademais, o poder requisitório é curial (próprio, intrínseco) ao titular das investigações, uma vez que, sendo ele o titular da ação penal ou civil, a formação da opinio delicti depende, exclusivamente, dos elementos formadores da sua convicção, vale dizer, não é constitucional nem razoável que nos procedimentos, cuja iniciativa da ação civil ou penal não esteja afeta à competência do Procurador-Geral da República, detenha ele (PGR) o poder de intermediar as correspondências, notificações e requisições instrutórias, dizendo ou aferindo a sua necessidade ou conveniência para a instrução do feito.

De outra parte, sem qualquer demérito, na Polícia Judiciária até mesmo o Delegado de Polícia, que pertence a uma estrutura organizacional baseada na hierarquia, pode se dirigir diretamente a quaisquer autoridades, remetendo-lhes correspondências, notificações e intimações, inquirindo-as pessoalmente, sem a necessidade de intervenção do Ministro da Justiça ou do Diretor-Geral de Policia Federal – DPF.

PERGUNTA-SE: por que os Membros do Ministério Público Federal, independentes funcionalmente para bem exercerem as suas atribuições, como titulares (dominus litis) da ação civil e da ação penal nos de inexistência de foro por prerrogativa de função, devem subordinar o destino dos atos instrutórios a seu cargo ao dirigente máximo da Instituição, já que no exercício das suas funções institucionais detêm plena liberdade na formação do seu livre convencimento motivado, uma vez que são titulares exclusivos da opinio delicti nos procedimentos afetos à sua esfera de competência?

Vale dizer que: face à independência funcional dos membros do Ministério Público, o poder requisitório deve pertencer ao titular da ação, não àquele despido de atribuições para oficiar no Juízo da causa.

Há de se concluir, portanto, que diante do princípio da independência funcional, assegurado constitucionalmente, o procedimento prescrito no § 4º do art. 8º da LC 75/93 representa uma incontornável antinomia com a norma positivada no § 1º do art. 127 da Constituição Federal de 1988, somente concebível numa estrutura fundada na hierarquia organizacional do Ministério Público, o que não é o caso do Parquet brasileiro. Além do que, fere o princípio da razoabilidade, haja vista que, como já salientado, nem mesmo os Delegados de Polícia, que pertencem a uma estrutura administrativa hierarquizada, estão sujeitos a essa restrição procedimental, o que, em última análise, representa uma capitis diminutio para o Ministério Público, não se justificando a manutenção da eficácia de norma desprovida de jurisdicidade e de utilidade prática.

Soma-se aos fundamentos ora expendidos a jurisprudência assentada no Colendo Superior Tribunal de Justiça e nesse Egrégio Supremo Tribunal Federal no sentido de que inexiste foro por prerrogativa de função nas ações que demandam a responsabilidade civil dos envolvidos, de modo que, na esfera cível, as autoridades indicadas no § 4º do art. 8º da LC 75/93 a competência para proceder às investigações e propor as ações delas decorrentes é do Procurador da República oficiante no primeiro grau de jurisdição, não do Procurador-Geral da República.

O procedimento prescrito no citado Parágrafo 4º também não pode subsistir nem mesmo em matéria penal, quando as autoridades ali mencionadas tiverem que serem ouvidas na qualidade de meras testemunhas ou informantes, pois, nesse caso, não estarão sendo acusadas, pelo que, não serão demandas. Logo, não há que se falar em prerrogativa de foro e, em conseqüência, nada justifica a interferência do Procurador-Geral da República nas investigações.

De outra face, e sem perder de vista os fundamentos acima expendidos, somente poder-se-ia cogitar da subsistência da eficácia do § 4º do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93 se o fosse concebido como norma que reconhece, na pessoa do Procurador-Geral da República, a figura de mero intermediário das correspondências, notificações, requisições e intimações endereçadas às pessoas ali mencionadas, cuja remessa ao destinatário é obrigatória (ato vinculado), uma vez que, nessa qualidade, não possui ele poderes para examinar o mérito da providência solicitada pelo Procurador da República no exercício das suas funções institucionais, sob pena de ofensa ao princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público, positivado com status de norma constitucional (CF, art. 127, § 1º).

Também não se pode olvidar que toda lei deve ter uma razão que justifique a sua existência no mundo jurídico, o que afigura-se pouco plausível quando se busca alcançar a teleologia da norma em comento. Com efeito, se por um lado a subordinação do encaminhamento das providências solicitadas pelos membros do Ministério Público da União ao Procurador-Geral da República ofende o princípio da independência funcional; por outro, não se pode conceber a hermenêutica que venha a concluir pela ingerência do Procurador-Geral da República nesses casos como mero intermediário desses atos, pois, além de desprovida de razoabilidade, nenhuma utilidade teria, servindo apenas para retardar as investigações as medidas as serem tomadas pelos membros do Ministério Público perante o primeiro grau de jurisdição, com substancial prejuízo para a celeridade e eficácia dos procedimentos administrativos civis, criminais e inquéritos civis públicos a cargo dos Procuradores da República.

Assim sendo, permissa venia, não é o caso, sequer, de dar à citada norma interpretação conforme a Constituição. É importante salientar também que, na maioria das vezes – para não dizer sempre -, o não encaminhamento dos documentos submetidos ao procedimento previsto no § 4º do art. 8º da LC nº 75/93 se dá por mera omissão, i. é, sem nenhuma decisão, muito menos fundamentada, do porquê do não atendimento, o que caracteriza não apenas uma discricionariedade administrativa, mas uma indevida omissão, uma vez que, tendo o dever de tomar as providências requeridas, não o fazendo deve declinar e fundamentar as razões pelas quais não o fez, já que não só as decisões dos magistrados, mas também os atos dos membros do Ministério Público hão de está devidamente fundamentados.

Portanto, estando a titularidade das investigações submetida ao âmbito das atribuições do membro ministerial atuante na primeira instância, cuja formação do juízo acerca da opinio delicti a ele compete, pois titular exclusivo das ações a serem ajuizadas em primeiro grau de jurisdição, por evidente, falece constitucionalidade à norma constante do § 4º do art. 8º da LC nº 75/93, uma vez que fere a independência funcional consagrada no § 1º do art. 127 da Constituição Federal e no art. 4º da retrocitada Lei Complementar.

Destarte, considerando que a ilegalidade sujeita à correição pelo writ of mandamus não é apenas aquela em sentido stricto sensu, mas, sim, em sentido amplo, de modo que, não obstante esteja o ato impugnado ao amparo de Lei Complementar, é ele passivo de combate na via mandamental quando a norma legal o sustentou padece de inconstitucionalidade, como no caso em testilha.

Assim sendo, a ordem mandamental se faz necessária à garantia do direito líquido e certo do Órgão Ministerial subscritor desta inicial de exercer, com independência funcional, suas atribuições, bem como para preservar a competência institucional do Ministério Público Federal e o livre exercício das suas funções.

IV – DO PEDIDO

Do exposto, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o PROCURADOR DA REPÚBLICA signatário, na qualidade de órgão do Parquet, (LC nº 75/93, art. 43, VIII) POSTULAM a CONCESSÃO LIMINAR, inaudita altera parte, da ordem mandamental para:

DETERMINAR ao Senhor Procurador-Geral da República que dê encaminhamento às requisições constantes do Ofício nº 073/01-AM-PRDF, de 19 de junho de 2001 (CÓPIA EM ANEXO), conforme os seus termos;

ASSEGURAR ao Ministério Púbico Federal e ao Órgão signatário, o livre exercício das suas funções institucionais, a independência funcional e suas competências constitucional e legalmente outorgados aos seus membros, sem ter que, nos procedimentos de sua competência, se sujeitarem às disposições normativas positivadas no § 4º do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93 (LOMPU), declarando-se, incidentalmente, a sua inconstitucionalidade;

Requer, ainda, a notificação do impetrado na sede da Procuradoria-Geral da República, situada na L/2 Sul, Q. 604 – Brasília – DF, para prestar as informações no prazo de 10 (dez) dia;

Seja intimado o douto representante do Ministério Público Federal para funcionar como custos legis, caso seja esse o entendimento de Vossa Excelência em casos tais, em que o Parquet figura também como impetrante do writ;

Ao final, seja concedida em definitivo a segurança conforme o pedido liminar. Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Nesses termos, pede deferimento.

Brasília, 13 de maio de 2002.

ALDENOR MOREIRA DE SOUSA

Procurador da República

Nota de Rodapé:

1 – Revista Jurídica, Ano XLIV – nº 227 – Setembro de 1996, pág. 23.

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