As duas faces do fanatismo

Amos Oz: a imensa maioria árabe não é cúmplice do crime nos EUA.

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13 de setembro de 2001, 13h36

Uma onda de fanatismo religioso e nacionalista está crescendo por todo o mundo islâmico, das Filipinas a Gaza, Líbia e Argélia, do Afeganistão, Irã e Iraque até o Líbano e o Sudão.

Aqui, em Israel, temos sofrido os efeitos desta maré de fanatismo letal: quase diariamente somos testemunhas de assassinatos em massa e incitamentos odiosos, entre sermões religiosos que tecem loas à Jihad e sua concretização por meio de bombas suicidas e carros-bomba lançados contra civis inocentes.

O fato de sermos vítimas do fundamentalismo árabe e muçulmano freqüentemente nos deixa cegos, de modo que tendemos a deixar passar em branco a ascensão do extremismo chauvinista e religioso não apenas no mundo islâmico mas também em várias partes do mundo cristão e, de fato, também no judaico.

Se ficar comprovado que a terrível provação sofrida pelos Estados Unidos resulta do fato de mulás e aiatolás fanáticos persistirem em retratar o país como “o Grande Satã”, então os EUA e Israel, o “Pequeno Satã”, terão que preparar-se para enfrentar uma luta longa e árdua.

Talvez seja apenas humano que, por baixo do choque e da dor, sempre persista em alguns de nós, aqui em Israel, uma voz pequena dizendo: “Agora, finalmente, todos eles vão compreender o que estamos passando”, ou “agora, finalmente, eles vão ficar de nosso lado”.

Mas esta voz pequena é extremamente perigosa para nós. Ela pode facilmente nos levar a esquecer que, com ou sem fundamentalismo islâmico, com ou sem terrorismo árabe, nada justifica a duradoura ocupação e repressão da população palestina por Israel. Não temos nenhum direito de negar aos palestinos seu direito natural à autodeterminação.

Dois enormes oceanos não puderam proteger os EUA do terrorismo; a Cisjordânia e a Faixa de Gaza certamente não protegem Israel. Pelo contrário, dificultam e complicam nossa autodefesa. Quanto antes terminar essa ocupação, melhor será tanto para os ocupantes quanto para os ocupados.

Neste momento, é muito fácil e tentador cair em clichês racistas sobre a “mentalidade muçulmana”, o “caráter árabe” ou outras bobagens desse tipo.

O crime hediondo cometido contra Nova York e Washington vem nos lembrar, de maneira contundente, que esta não é uma guerra entre religiões nem uma luta entre países. É, mais uma vez, a batalha entre fanáticos, para quem os fins – sejam eles religiosos, nacionalistas ou ideológicos – santificam os meios, e o resto de nós, que atribuímos santidade à própria vida.

Apesar da manifestação repulsiva de alegria e comemoração vista em Gaza e Ramallah enquanto pessoas em Nova York ainda estavam sendo queimadas vivas, que nenhum ser humano decente se esqueça de que a imensa maioria dos árabes e outros muçulmanos não é cúmplice do crime nem se regozija com ele. Quase todos estão tão chocados e aflitos quanto o resto da humanidade.

Talvez eles até tenham algum motivo especial de preocupação, na medida em que alguns sons ameaçadores de sentimentos antiislâmicos indiscriminados já se fazem ouvir em alguns lugares. Tais manifestações não constituem reação apropriada a este crime – pelo contrário, elas servem aos propósitos daqueles que o perpetraram.

Lembremo-nos: nem o Ocidente, nem o islamismo, nem os árabes são o “Grande Satã”. O “Grande Satã” é personificado no ódio e no fanatismo.

Essas duas doenças mentais que vêm da Antiguidade ainda nos afligem hoje. Precisamos tomar muito cuidado para não deixar que nos contagiem.

Texto publicado na edição desta quinta-feira (13/9), com tradução de Clara Allain, na Folha de S.Paulo.

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