Competência ampliada

'Lei ampliou competência de Juizados Especiais Criminais'

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15 de outubro de 2001, 10h32

A Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I, determinou a criação dos Juizados Especiais, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Territórios, para o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, nas hipóteses previstas em Lei.

Coube ao legislador definir “infração de menor potencial ofensivo”. Foi editada a Lei 9.099/95 que criou a definição através do aspecto qualitativo da infração (contravenções) e quantitativo das penas abstratas (crimes com pena máxima não superior a 01 ano).

Agora é editada a Lei 10.259/2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, mas vai mais além. Define como infração de menor potencial ofensivo os crimes em que a lei comine pena máxima não superior a dois anos.

A primeira indagação é: A novel legislação teria ampliado a competência dos Juizados Especiais Criminais da Justiça Estadual para abranger também os crimes onde a pena máxima cominada fosse superior a um e não superior a dois anos? Penso que sim.

Argumentos:

1-Houve derrogação tácita, vez que legislação posterior tracejou conceito de forma diversa para “infrações de menor potencial ofensivo”. Tal argumento baseia-se em simples conhecimento de conflito de leis no tempo, com aplicação do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil;

2- Não pensar assim, significa violar o princípio da isonomia previsto no art. 5º da C.F. A legislação não pode criar tratamentos diferenciados a pessoas que se encontrem em situações idênticas. Se os fatos são absolutamente semelhantes, ou melhor, idênticos, o tratamento não pode ser diverso.

É de se imaginar um crime de desacato praticado contra um Policial Militar sendo julgado por uma Vara Criminal e um outro desacato contra um Policial Rodoviário Federal por um Juizado Especial Criminal?

Não é apenas um problema de competência, mas de tratamento igualitário, onde, em um caso, haverá a incidência de institutos despenalizantes e no outro não.

Imagine o novel tipo penal de “assédio sexual”. Praticado em terra, a competência seria da Vara Criminal Estadual. Realizado no interior de uma aeronave, a competência pertenceria ao Juizado Especial Criminal Federal.

O galanteador aéreo teria direito ao instituto da composição civil (causa de extinção da punibilidade) e transação penal . Aproveitando o trocadilho, ao menos uma “transação” penal haveria para o galanteador aéreo.

Entender pela derrogação resolveria um dos escárnios atuais. O Juiz da Vara Criminal está obrigado, por força do parágrafo único, do artigo 291, do Código de Trânsito Brasileiro, a realizar uma audiência especial para aplicação de institutos que são típicos dos Juizados (composição civil e transação penal). Adotada a tese de que a competência foi alterada, os casos de lesão culposa no trânsito, onde existe a necessidade da aplicação dos institutos encimados, seriam de competência dos Juizados Especiais, o que seria bem lógico.

3- Para acrescentar mais um argumento, vale lembrar que a competência para julgamento de infrações penais pela União Federal está estritamente vinculada ao interesse da mesma. Tal interesse encontra-se previsto, em numerus clausus, no art. 109, da Constituição Federal. Ao compulsar referido dispositivo verifica-se que a União Federal é competente para o julgamento das infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades…etc.

Em nenhum momento foi fixada competência da União em razão de quantitativo das sanções.

Com isto, ao ser editada a Lei nova, não podemos interpretar que o legislador tenha feito uma distinção do órgão julgador por ser de interesse do ente União Federal, mas para criar alteração válida para todos os entes da Federação.

Restaria inexplicável um conceito diverso de infração de menor potencial ofensivo para a União, onde esta não possui interesse diverso dos Estados que justifique o julgamento em órgãos diferentes.

Será que a revelação de sigilo funcional por quem exerce cargo público federal ( art. 325, do Código Penal) não interessa tanto a União, por isso pode ser julgado em um Juizado? Se a resposta for positiva, como explicar que o mesmo crime, se praticado por servidor estadual, seria julgado em uma Vara Criminal, sem a oportunidade da incidência dos institutos despenalizadores? É por acaso mais grave se a competência for Estadual ?

A resposta só pode ser negativa e o palpite ora proposto (derrogação do art. 61, da Lei 9099/95) é a solução.

Vamos contar aos juizes federais que um desacato ao magistrado é caso de Juizado Especial. Mas nós, juizes estaduais, somos mais importantes, pois quem nos desacatar será julgado em uma Vara Criminal e não haverá que se falar em aplicação de institutos despenalizantes.

Também devemos dizer a eles que a desobediência a decisão judicial (art. 359, do Código Penal) será da competência da Vara Criminal Estadual ou do Juizado Especial Federal em razão da função ser de Juiz Federal ou Estadual. Decisão de magistrado Federal desobedecida é caso de Juizado, mas se Estadual for, é hipótese mais grave, por isso será julgado na Vara Criminal Estadual.

O ilustre Dr. Fernando Tadeu Cabral Teixeira, em matéria publicada no Boletim IBCRIM-nº 106, é alinhado a tal pensamento, com tais argumentos.

Abordando a matéria e com a mesma conclusão sobre o tema aqui desenvolvido, o Professor Damásio de Jesus, em seu artigo “A exceção do art. 61, da Lei dos Juizados Especiais Criminais em face da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, in www. Damasio.com.br, ago.2001”, apresenta o exemplo do crime de paralisação de trabalho( art. 201, do C.P.), ao qual se impõe pena máxima de dois anos de detenção.

Como tem entendido a jurisprudência, o delito só é da competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, do Pacto Fundamental da República, quando o fato atinge a organização do trabalho como um todo; quando individual a afetação jurídica, a competência é da Justiça Estadual.

Ao não se acatar a posição ora defendida, o crime seria de menor potencial ofensivo na primeira hipótese, em face de ser a competência da Justiça Federal ( art. 2º, da Lei 10.259/01); e não seria de menor potencial ofensivo no segundo caso, por ser competente para sua apreciação a Justiça Estadual (art. 61, da Lei 9099/95). De modo que o delito mais grave, por atingir um bem jurídico coletivo, seria absurdamente considerado de menor potencial ofensivo, enquanto o outro, de menor lesividade objetiva, por afetar bem jurídico individual, teria a qualificação de maior potencial ofensivo.

4- Finalizando aos argumentos não devemos esquecer do disposto nos artigos 5º, inciso XL, da Constituição Federal e parágrafo único, do artigo 2º, do Código Penal quando proclamam a retroatividade da Lei mais benéfica, como sói está ocorrendo nestas hipóteses.

É bom que se observe que a questão não é fincada apenas em competência dos diversos órgãos, mas na impossibilidade da aplicação de certos institutos (composição civil e transação) e de um procedimento que oferta garantias de defesa mais amplas que os procedimentos previstos no Código de Processo Penal. Nos juizados, a denúncia não é, de imediato, recebida havendo a precedência da composição, transação, defesa prévia, até que se chegue ao recebimento da denúncia. Não se apresenta o interrogatório, mas a oitiva da vítima, testemunhas, e, por fim, o interrogatório.

Desta sorte, não estamos apenas falando em benefícios causadores de tratamentos desiguais (institutos de direito material), mas também do procedimento que realmente resguarda maior amplitude ao direito de defesa.

Encerro estas breves linhas onde suscito a questão, deixando consignado que o problema ainda possui outro contorno. Surge uma segunda indagação. Estamos falando da ausência na nova Lei da cláusula restritiva aos juizados, contida no artigo 61, da Lei 9099/95, onde constava “excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”. Vale dizer, os Juizados Especiais não eram competentes para o julgamento de infrações penais onde houvesse um procedimento especial previsto em Lei para aplicação do direito material.

Segundo o festejado doutrinador acima referido hodiernamente devemos considerar como revogada tal disposição (do art. 61, da Lei 9099/95), posto que a Lei posterior não a excepcionou, acarretando como conclusão a competência dos Juizados Especiais para o julgamento de infrações penais mesmo que a Lei preveja procedimento especial e desde que a pena máxima não seja superior a dois anos. Sufragamos tal entendimento com os mesmos argumentos acima aduzidos.

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