Conclusão

Conclusão 'Crise no mercado inverte a ideologia neoliberal'

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1 de outubro de 2001, 17h30

A ideologia neoliberal é contrária à intervenção estatal na economia. Defende o livre mercado e não admite que nem mesmo as relações de trabalho sejam reguladas por lei, advogando as iniciativas legislativas de flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas.

Todavia, a expansão do quadro recessivo e as apreensões dos governos em relação aos próximos meses devem levar os Estados europeus a intervir com tudo na economia, como está ocorrendo nos EUA. Assim, inverte-se a ideologia neoliberal como afirma o economista Jean-Louis Guérin, pesquisador do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais, em Paris,

Segundo ele, o Estado, de fato, está de volta à cena econômica. “Isso com certeza já acontece nos EUA e acontecerá na Europa, com os governos prontos a sustentar financeiramente setores que terão necessidade, como a aviação”, afirma o economista.

Para ele, o retorno do Estado como agente econômico fundamental obedece a um ciclo lógico. “Em tempos de crescimento, de fraca turbulência, o mercado é de longe a solução mais eficaz. Nos períodos de forte turbulência e de grande incerteza, é preciso um agente regulador que possa intervir financeiramente sobre o mercado para acalmá-lo e evitar o pânico. Esse agente é o Estado, capaz de atuar sobre as leis e adaptá-las às circunstâncias atuais. Só ele pode fazer voltar a confiança e implementar um certo nível de atividade econômica no país.”

Veja a reportagem da Folha de S. Paulo.

Estado já voltou à cena econômica, afirma francês

Alcino Leite Neto

De Paris

As notícias ruins não cessam de chegar para a economia dos países europeus – a três meses apenas da implantação de sua moeda comum, o euro, em 1º de janeiro de 2002. O aumento da taxa de desemprego na França, pelo quarto mês consecutivo, foi a pior dessas notícias, na última semana: já atingiu 9% da população ativa. Mais grave ainda: a cifra, divulgada na quinta-feira, se refere ao mês de agosto, portanto a antes dos atentados nos EUA.

Desde então, como em todo canto, diversos setores estão entrando em pane, como o de transportes aéreos, o mercado se retrai e a indústria planeja estancar a produção. Empresas de seguro estão batendo à porta dos governos. Pesquisa divulgada também na quinta-feira apontou que o índice de confiança dos empresários na França atingiu seu nível mais baixo desde 1996.

A taxa de crescimento dos países europeus neste ano deverá ficar abaixo de 2%, quando se esperava um número superior a 2,5%. Na França, o governo calcula um crescimento de 2,5%, mas analistas privados estão trabalhando com previsões entre 1% e 1,5%. Fazendo eco à iniciativa americana, o primeiro-ministro francês Lionel Jospin (centro-esquerda) lançou um apelo na última semana ao “patriotismo econômico” dos consumidores e empresários. A expansão do quadro recessivo e as apreensões dos governos em relação aos próximos meses devem levar os Estados europeus a intervir com tudo na economia, como está ocorrendo nos EUA.

“O Estado, de fato, está de volta à cena econômica. Isso com certeza já acontece nos EUA e acontecerá na Europa, com os governos prontos a sustentar financeiramente setores que terão necessidade, como a aviação”, afirma o economista Jean-Louis Guérin, pesquisador do Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais, em Paris.

Para ele, o retorno do Estado como agente econômico fundamental obedece a um ciclo lógico. “Em tempos de crescimento, de fraca turbulência, o mercado é de longe a solução mais eficaz. Nos períodos de forte turbulência e de grande incerteza, é preciso um agente regulador que possa intervir financeiramente sobre o mercado para acalmá-lo e evitar o pânico. Esse agente é o Estado, capaz de atuar sobre as leis e adaptá-las às circunstâncias atuais. Só ele pode fazer voltar a confiança e implementar um certo nível de atividade econômica no país.”

Segundo Guérin, a nova forma de intervencionismo estatal não afetará a globalização e leva a marca das idéias de Lord Keynes. “Para sair da recessão, há um trabalho monetário, e outro, mais duro, orçamentário, que os Estados Unidos vão realizar utilizando uma espécie de política de tipo keynesiana. Na Europa, ainda não foi anunciado nenhum plano, mas é certo que os Estados vão injetar dinheiro na economia.”

Com efeito, idéias keynesianas, como o pleno emprego, a função patriótica do consumo (evocada pelo economista em, por exemplo, “Ensaios sobre a Persuasão”) e críticas ao equilíbrio orçamentário voltaram às páginas dos jornais franceses. No caso do equilíbrio orçamentário, a questão mexe com um dos tabus da Euroland, como foi apelidado o conjunto dos 12 países que adotarão a nova moeda. Pelo Tratado de Maastricht (1992), estes se comprometem a reduzir a dívida pública pública e não ultrapassar o déficit orçamentário em 3% do PIB de cada um deles. Na opinião de Guérin, contudo, o acordo não impedirá que as economias européias resolvam flexibilizar a regra. “Elas têm uma reserva necessária para poder intervir em casos como o atual.”

O economista Fréderic Poulon, autor de “Pensamento Econômico de Keynes”, considera que uma impulsão de tipo keynesiano na economia americana pode trazer benefícios à Europa. “Ela produzirá encomendas maciças.” A recíproca é verdadeira: a Europa continuará investindo nos EUA. Para ele, a evasão de investimentos europeus das Bolsas americanas, constado nas últimas semanas, não atinge o capital fixo aplicado pelos mesmos europeus nos Estados Unidos. “O capital fixo europeu continua lá, apenas adiará os seus projetos. A crise atual não afetará a prosperidade a longo termo. A economia americana permanecerá a locomotiva do mundo capitalista e mesmo do não-capitalista, pois ela não foi atingida no que tem de fundamental.”

Segundo Poulon, os Estados Unidos nunca deixaram de levar a sério o inglês Keynes, que chegou a administrar uma companhia de seguros. “Não imagino uma potência que exerça liderança mundial e que não seja keynesiana. A novidade nisso tudo é que agora as idéias de Keynes foram parar na boca dos republicanos”, diz. Mais gastos Alberto Abadie, professor da Universidade Harvard e especialista em finanças públicas, acredita que os EUA enfrentarão déficits fiscais por conta do aumento dos gastos com segurança pública no país. “Nos próximos meses, deverão surgir uma série de propostas como nacionalização e aumento da segurança dos aeroportos. Propostas como essas e as eventuais retaliações militares provocarão déficits fiscais”, diz.

Segundo ele, a prevenção contra o terrorismo por parte dos governos poderá incluir até mesmo programas de assistência semelhantes ao Plano Marshall, um programa americano adotado após a Segunda Guerra Mundial para reativar a economia de países da Europa. (Folha de S. Paulo – 30/9)

O autor é advogado trabalhista em Curitiba e em Paranaguá, Diretor de Assuntos Legislativos da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas), integrante do corpo técnico do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) e da comissão de imprensa da AAT-PR (Associação dos Advogados Trabalhistas do PR)

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