Artigo: Direito público estaria condicionado ao Executivo
16 de março de 2001, 0h00
Os entes políticos, União, Estados e Municípios, embora também legitimados para agir, promovendo a instrução prévia e a distribuição das respectivas ações, têm deixado aos cuidados apenas do Ministério Público (louve-se a atuação do MP), a tutela dos interesses versados na Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública) e Lei 8.429/92 (Improbidade Administrativa), não obstante a relevância da matéria subjacente.
É que a Ação Civil Pública, demandando prestação jurisdicional de natureza condenatória, diz respeito a danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, qualquer outro interesse difuso ou coletivo e infração da ordem econômica.
Por seu turno, a Lei 8.429/92, definindo sanções de natureza administrativa, política, civil e penal, a par de aspectos processuais, cuida da improbidade administrativa, entendido de forma genérica o termo, permissa venia, à mingua de definição legal estrita, como o ato ou omissão, de efeitos materiais ou não, que impliquem na inobservância dos princípios da moralidade e eficiência administrativa.
Assim, é de causar perplexidade, a inércia dos entes políticos, co-legitimados para agir, juntamente com o Ministério Público, na defesa dos referidos direitos, inclusive propondo as respectivas ações (art. 5º da lei 7347/85).
Rodolfo de Camargo Mancuso, com propriedade, adverte: “Assim o deliberamos, de indústria, já que estatisticamente (e não sem certa perplexidade) constata-se que os entes políticos, presumivelmente os maiores interessados na tutela dos interesses meta-individuais, como gestores da coisa pública e do bem comum, não parecem articularmente preocupados com o exercício da ação civil pública.
Com isso, além da desgastante imagem de omissão, arriscam-se a figurar…. no pólo passivo de uma dessas ações!” (Ação Civil Pública, ERT, 4ª ed., pg. 107).
No mesmo sentido, observa o n. promotor, Sérgio Turra Sobrane: “É certo que o dever de agir se impõe ao Ministério Público, que não pode acomodar-se diante do aviltamento dos princípios legais que carreiam lesões aos cofres públicos e da falta de interesse demonstrada pelos co-legitimados, mas não se compreende a omissão das pessoas jurídicas de direito público, igualmente legitimadas, que deveriam atuar com maior eficiência para proteção do erário público” (Interesses Difusos e Coletivos, ESMP, Ed. Plêiade, 1997, p. 171).
De se ver, até mesmo por especialidade e específico interesse processual, que não se justifica a postura apontada. Com efeito, por exemplo, embora o meio ambiente seja bem difuso, reportando genericamente à “qualidade de vida”, enquanto bem de uso comum do povo (CF, art. 225), não há como negar que, ocorrendo derramamento de óleo que venha poluir as praias de certo município, é natural que seja este o maior interessado e, assim, o mais intensamente ou especialmente credenciado a ajuizar demanda coletiva reparatória.
Há que se considerar, porém, que a iniciativa das pessoas jurídicas de direito público estaria condicionada, acredita-se, à vontade do chefe do Executivo (ou outra autoridade politico-administrativa) respectivo que, no mais das vezes, por razões “políticas” óbvias, não tem interesse em promover ações ou estimular providências com base nas referidas leis: seria como demandar, imagina-se, contra si. Vê-se, sob essa ótica de análise, que a inércia dos entes públicos não se justifica, porém se compreende…
Também em Ações Populares verifica-se o mesmo mecanismo. O objetivo desta ação é a anulação de atos lesivos à Administração; a pessoa jurídica de direito público titular do ato impugnado pode, verificando motivos para tanto, atuar como litisconsorte do autor, acrescendo o pólo ativo, ou abster-se de contestar a ação (a inferir inexistência de revelia) – podendo, em terceira opção, evidentemente, apresentar contestação aos termos da mesma. Ora, o chefe do executivo, em tese, teria motivos para autorizar a abstenção ou, ainda, o ingresso da pessoa jurídica de direito público no pólo ativo da ação voltada, de algum modo, contra sua Administração?
Não seria “confortável”, ao contrário, a utilização dos quadros de procuradores existentes junto à União, Estados e Municípios (capitais e cidades de grande porte) para a defesa do ato, de sua administração, impugnado?
A resposta a essas perguntas, bem como a inércia em relação à propositura de ações civis públicas ou fulcradas na lei de improbidade administrativa, remete à seguinte indagação: se realmente cumpre ao chefe do Executivo ou outra autoridade político-administrativa decidir, nas hipóteses aventadas, acerca da postura da pessoa jurídica de direito público a ser adotada, quando esta é dotada de procuradoria estruturada em carreira. Parece-me que não.
O artigo 12, I e II, do Código de Processo Civil, na esteira do artigo 132 da Constituição Federal, estatui que as pessoas jurídicas de direito público serão representadas, em juízo, por seus procuradores (o Município alternativamente também por seu prefeito: presume-se, onde não houver procuradores organizados em carreira) forçando à ilação de que, pelo menos no tocante ao aqui versado, cumpre aos procuradores, organizados em carreira, decidir a postura do ente político, afetando sua conduta.
Outra interpretação conduziria à perplexidade e tornaria “letra morta” os dispositivos insertos na legislação acima mencionada. É que a legitimação ativa é fornecida pela titularidade do interesse; o interesse, no caso – público “lato sensu” ou fazendário – naturalmente é titularizado pelo ente político; sendo a legitimação a “subjetivação do interesse”.
Conclui-se, sem esforço, que o precípuo credenciado a defender determinados bens e valores é o próprio ente político afetado – e não outrem por ele -, através de seu expoente processual, a saber, o procurador.
Vê-se pois que do cotejo da legislação reguladora da Ação Civil Pública, Ação Popular e Improbidade Administrativa com o preceito processual referido, emerge a conclusão de que insere-se na competência dos procuradores ou advogados públicos a decisão, então técnica, de instar, nestas hipóteses, afetando a conduta da pessoa jurídica de direito público, de sorte a afastar, neste particular, qualquer instância “política”, em homenagem inclusive ao interesse público, motriz de todo e qualquer ato administrativo.
Mesmo porque outro entendimento atentaria contra o bom senso: permitida a figura, seria o mesmo que deixar ao “réu” a opção de ser ou não processado, implicando também em interpretação que retiraria eficácia prática de preceitos de ordem pública, frustrando seu comando e objetivos, em potencial prejuízo de toda a sociedade.
Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2001.
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