Racionamento e Legalidade

Advogado diz que julgamento da ADC terá repercussão internacional

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27 de junho de 2001, 0h00

O país passa por uma de suas mais graves crises. Ela está sendo gerada pela falta de energia elétrica. Esta é uma crise especial, pois não afeta diretamente um ou outro cidadão, ao contrário, ela afeta todos os cidadãos de todas as camadas sociais. Diante do iminente risco de apagão, o brasileiro, que está ressentido com o governo, tem mostrado sinais de compreensão com a gravidade da crise e vem diminuindo, a cada dia, o consumo de energia elétrica.

Além do apoio da população, o governo tomou medidas, estabelecendo limites de consumo e a instituição de uma sobretaxa para aqueles que não economizarem dentro dos limites determinado pelo Estado. Estes limites impostos pelo governo estão dispostos em uma medida provisória que já sofreu duas alterações desde sua primeira edição, devido a pressões dos mais diversos segmentos da sociedade. Agora, depois de estabelecidos e definidos os parâmetros do racionamento de energia, o governo busca o certificado de constitucionalidade de suas medidas, uma vez que as MP´s anteriores já estavam sofrendo questionamentos no judiciário.

O governo federal está fazendo uso de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), instituída pela emenda constitucional nº 3, de 17.03.1993. Esta ação tem por principal finalidade buscar um certificado de que as medidas adotadas não ferem a Constituição Federal. Além disto, a declaração de constitucionalidade fornecida pela mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, cria uma espécie de “efeito vinculante”, que impede o questionamento da matéria em qualquer instância inferior, inclusive relativa a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), proposta pelo Partido Social Liberal (PSL).

A versão mais recente da MP que o governo deseja declarar constitucional tem como pontos polêmicos os artigos 14, 15, 16, 17 e 18 e está abrigada sob o número 2.152-2. A ADC, distribuída por prevenção ao Ministro Néri da Silveira, conta com 126 páginas. Nesta ação declaratória de constitucionalidade, pretende-se declarar legais as medidas que instituem o racionamento de energia elétrica no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, legitima a sobretaxa, estabelece regras de comercialização de energia excedente e o corte no fornecimento de quem não conseguir reduzir o seu consumo.

O principal argumento do governo é no sentido de que o aumento da tarifa diz respeito tão somente ao fornecimento de energia elétrica, não caracterizando um efeito punitivo, de aumento da carga tributária ou até mesmo confiscatório, visto que as medidas visam somente diminuir o consumo de energia elétrica, com vistas a evitar problemas maiores.

Na realidade, além de se resguardar contra problemas futuros, ou seja, a entrada de ações questionando a validade da MP editada pelo governo, a Advocacia-Geral da União pretende estancar o curso das mais de 127 ações que tramitam nos tribunais brasileiros contra o plano de racionamento e as mais de 28 liminares já concedidas (em sua grande parte contra o governo).

O plano de racionamento de energia brasileiro já repercute no exterior. Recentemente o jornal “The New York Times” comparou a crise brasileira e as medidas de racionamento adotadas pelo governo, às medidas e a crise enfrentada na Califórnia. Logo, percebe-se a importância fundamental que terá o STF, na medida que julgará a constitucionalidade das medidas adotadas pelo governo federal. A repercussão internacional será forte, inclusive podendo afetar de modo significativo às bolsas e o valor de cotação do dólar.

Resta ao Brasil aprender com os erros que o levaram a chegar neste ponto. O poder excessivo nas mãos do Estado, principalmente na área de geração de energia, aliado a falta de regras claras que direcionassem o investimento no setor e a falta de chuvas, levaram o país ao racionamento. Agora, o caminho a ser trilhado deve seguir no sentido de uma flexibilização das rígidas leis ambientais, trabalhistas e tributárias, além do estabelecimento de regras claras no setor, para que a iniciativa privada possa investir com segurança. Somente desta forma, o Estado poderá avançar sem o receio de que suas medidas que visam salvar o país de um mal maior, sejam declaradas inconstitucionais.

Revista Consultor Jurídico, 27 de junho de 2001.

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