O racionamento no trabalho

'Reflexos do Plano de Racionamento na relação de emprego'.

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27 de julho de 2001, 15h23

O Direito do Trabalho deve, necessariamente, traduzir a composição de interesses capital/mão-de-obra, ou seja, a harmonização dos interesses empresariais e profissionais ante a realidade apresentada naquele momento.

Assim, pela própria natureza do Direito do Trabalho, é imperiosa a flexibilização de suas normas, tendo, ao longo dos últimos anos, se intensificado o debate acerca de tal assunto(1). Na Europa, por exemplo, a discussão tem se concentrado na redução da jornada de trabalho padrão, já que se acredita que a diminuição do número médio de horas trabalhadas por empregado aumentará o nível de emprego. Em outros países, o debate encontra-se na criação de regimes de trabalho flexíveis.

No Brasil, mesmo que timidamente, a Constituição Federal de 1988 contemplou a flexibilização de algumas das normas que tutelam o Direito do Trabalho: redutibilidade salarial, compensação de horários na semana e turnos de revezamento (art. 7º, VI, XIII e XIV); mas sempre sob a tutela sindical.

Nesse contexto, especificamente quanto ao plano de racionamento de energia elétrica, não obstante, ao nosso ver, possa tratar-se de verdadeiro factum principis (paralisação do trabalho por ato de autoridade, uma das espécies de força maior), vislumbramos as seguintes medidas para que se enfrente o problema:

Implementação de um banco de horas, a fim de que sejam compensadas as horas paralisadas em decorrência do plano de racionamento. A Lei 9.601/1998 alterou o § 2º do artigo 59 da CLT, criando um sistema de compensação de horas extras mais flexível que poderá ser estabelecido através de negociação coletiva entre as empresas e os seus empregados, podendo abranger todos os trabalhadores.

Esse sistema é chamado de “banco de horas”, porque ele pode ser utilizado, por exemplo, nos momentos de pouca atividade da empresa para reduzir a jornada normal dos empregados durante um período, sem redução do salário, permanecendo um crédito de horas para utilização quando a produção crescer ou a atividade acelerar, desde que tudo ocorra dentro do período de um ano, ressalvado o que for passível de negociação coletiva (convenção ou acordo coletivo).

Se o sistema começar em um momento de grande atividade da empresa; aumenta-se a jornada de trabalho (no máximo de 2 horas extras por dia) durante um período. Nesse caso, as horas extras não serão remuneradas, sendo concedidas, como compensação, folgas correspondentes ou sendo reduzida a jornada de trabalho até a “quitação” das horas excedentes.

O sistema pode variar, dependendo do que for negociado nas convenções ou acordos coletivos, mas o limite será sempre de 10 horas diárias trabalhadas, não podendo ultrapassar um ano, a soma das jornadas semanais de trabalho previstas. A cada período de um ano, recomeça o sistema de compensação e a formação de um novo banco de horas.

Além disso, a compensação das horas extras deverá ser feita durante a vigência do contrato, ou seja, na hipótese de rescisão de contrato (de qualquer natureza), sem que tenha havido a compensação das horas extras trabalhadas, o empregado tem direito ao pagamento destas horas, com o acréscimo previsto na convenção ou acordo coletivo, que não poderá ser inferior a 50 % da hora normal.

Caso não haja interesse na implementação de banco de horas, poderá ser aplicada a redução da jornada de trabalho, e, por conseguinte, a redução de salário. Note-se que a redução salarial é prevista no inciso VI do art. 7º da Constituição Federal, desde que feita por convenção ou acordo coletivo e dentro dos demais limites impostos pelo art. 2º da Lei 4.923/1965, por prazo certo, não excedente de três meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% do salário contratual, respeitado o salário mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.

Aqui, entendemos que não se trata de redução salarial propriamente dita, visto que a remuneração decresce na mesma proporção da redução da jornada de trabalho. Contudo, por decorrer necessariamente de convenção ou acordo coletivo, sua juridicidade não poderá ser contestada, porquanto a flexibilização sob a tutela sindical foi expressamente admitida nessa hipótese.

Além disso, como solução, poderíamos, também, citar a concessão de férias coletivas ou de licença remunerada, ressalvando sejam observadas as particularidades de cada alternativa (Ex: Não terá direito a férias o empregado que, no curso do período aquisitivo, deixar de trabalhar com percepção de salários por mais de 30 dias em virtude de paralização parcial ou total dos serviços da empresa – inciso III, do art. 133, CLT).

Saliente-se que o banco de horas nos parece ser a melhor maneira de lidar com a questão do Plano de Racionamento, sendo certo que as empresas que já possuem este sistema de compensação implementado, solucionarão o problema com muito mais tranqüilidade.

Essa é a nossa colaboração, para o enfrentamento deste grande problema que assola toda a sociedade, mesmo porque estamos na iminência da desagradável medida, até porque, a Resolução n. 001, de 16/05/2001, do Presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia, em face da necessidade de racionalização do uso de energia elétrica para os próximos meses, veio estabelecer diretrizes neste sentido.

Nota de rodapé:

1. O recente fenômeno da globalização transformou a economia mundial, incrementando a concorrência entre os países, impondo-lhes a necessidade de produzir mais e melhor. Soma-se a isto o crescimento dos níveis de desemprego em todo o Mundo.

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