'Plano de Segurança foi uma campanha mal sucedida de marketing'.
26 de julho de 2001, 15h06
A imprensa nacional e até internacional tem dado absoluto destaque às constantes greves e mega operações envolvendo os órgãos responsáveis pela Segurança Pública e pela defesa nacional em nosso país. É exatamente aí que começam os problemas. Não existe Estado democrático de direito onde a Segurança Pública e a defesa nacional sejam utilizadas para o mesmo fim, mesmo que temporariamente.
Nosso país simplesmente sucateou nossas forças militares nos últimos anos, principalmente após o fim da guerra fria, nos anos 80 e a formação do Mercosul, que à priori desfez a imagem de que nosso maior amigo seria a Argentina.
Nossa força aérea não pode fazer exercícios de instrução ora por falta de combustível para nossos aviões, ora por falta de peças de reposição. Prova disso, são os freqüentes acidentes evolvendo aviões militares mesmo com pouquíssimos vôos.
A marinha faz alarde ao adquirir um navio porta-aviões sucateado da marinha francesa lançado ao mar em 1960, que tinha nesse navio uma grande preocupação ambiental com a possibilidade de naufrágio. Temos como maior estrela o Porta Aviões Minas Gerais, construído em 1945, sem falar em nossos submarinos que conseguem naufragar até mesmo quando estão atracados no Arsenal da Marinha, no Rio de Janeiro, como ocorreu com o Tonelero, em 25 de dezembro do ano passado, causando um prejuízo aproximado de 120 milhões de dólares, conforme avaliação de especialistas.
O exército a cada dia que passa reduz seus contingentes alegando excesso. Na verdade falta até mesmo o rancho para a alimentação dos soldados, que na maioria das vezes se alistam para ter o que comer, mesmo que remota alguma perspectiva de emprego e sustento para suas famílias.
A criação do Ministério da Defesa parecia ser um avanço, uma adequação ao mundo moderno e enxugamento da máquina com a absorção de quatro Ministérios, Exército, Marinha, Aeronáutica e Estado Maior das Forças Armadas.
Ledo engano, a indicação política de um Ministro que deveria obrigatoriamente ter o controle da tropa, Élcio Álvarez, até então ex-senador que não havia tido êxito em sua reeleição foi presenteado com tal posto, não levou muito tempo para que aparecessem dezenas de acusações envolvendo tal Ministro.
E experiência não desfez o equívoco, e mais uma vez a surpresa. O presidente da República nomeia o então Advogado Geral da União, Geraldo Quintão, para o Ministério da Defesa causando irritação e descontentamento em todas as tropas de todos os níveis.
Sem o cumprimento de sua principal função, controle e defesa das fronteiras, o país se tornou o maior centro de distribuição de drogas do mundo. Junto com ela vieram os milhões de dólares envolvidos nesse negócio, combustível explosivo que ampliou em dezenas de vezes a violência urbana em nosso país, principalmente nos grandes centros.
Paralelo a droga, principalmente a cocaína, a exclusão social fez com que nosso país se transformasse num barril de pólvora, na eterna expectativa do momento em que alguém acenderia o pavio; parece que o fósforo foi aceso.
Equivoca-se quem pensa que o narcotráfico deva ser combatido nos morros do Rio de Janeiro e nas favelas de São Paulo. A luta é fazer com que a droga não entre em nosso país. Sem a cocaína não existem os dólares e, sem esse dinheiro, os marginais não teriam condição de estarem tão bem armados e organizados. Não teriam autoridade e respeito superior ao Estado, como ocorrem em muitos lugares.
E quem pode controlar nossas imensas fronteiras? Quem possui efetivo suficiente para isso e a tecnologia possível? A resposta é simples e única: as Forças Armadas. Parece curioso, mas tal prática funciona até no futebol, ou seja, se o time adversário não permitir que a bola passe do meio de campo as chances dela chegar ao gol serão mínimas.
O Brasil, com mais de 30 milhões de miseráveis, jamais seria um bom cliente para os narcotraficantes. Porque vender em real se existem milhões de consumidores na América do Norte, Europa e Ásia que pagam muito mais, e em dólares.
Repito, somos apenas um corredor de exportação devido ao nosso espaço territorial, nossos milhares de quilômetros de litoral, nossos rios, que mais parecem mares, e nossas florestas em algumas fronteiras intocadas.
Como se não bastasse tudo isso, privatizamos todos nossos acessos, terminais portuários, marítimos, rodovias e ferrovias. Enfim, estamos a mercê de empresas privadas que não possuem compromissos e muito menos obrigação em fiscalizar o que é papel exclusivo do Estado, garantido pela Constituição Federal.
Não precisamos ir muito longe. Nos aeroportos brasileiros que possuem detector de metais em seus embarques os mesmos são operados por empresas terceirizadas, cujos funcionários na maioria das vezes não possuem nenhum treinamento e autoridade para operá-los. Por esse e outros motivos conhecidos por todos que somos o maior corredor de exportação de drogas provenientes de nossos vizinhos sul americanos do mundo.
O maior equívoco ocorre com a inversão de papéis e com a escolha dos “campos de batalha”. Como a droga não encontra muita resistência em entrar no país ela logo chega aos grandes centros. Aí sim, começa a verdadeira guerra civil. Não me recordo de ter lido algum jornal diário onde não constasse uma morte causada por uma bala perdida, pobre cidadão brasileiro.
O ápice do equivoco, em meu entendimento, foi à operação em que tropas do exército invadiram os morros cariocas, em 1994. Pergunto-me a muitos anos e ainda não encontrei a resposta: o papel das Forças Armadas é defender o Estado do inimigo e quem difere o inimigo do excluído social ou do inocente que muitas vezes encontra a morte atingido por uma bala perdida? Se nossas fronteiras estão abertas será que teremos condição de controlar a distribuição de drogas no varejo? Se as Forças Armadas não tem condições de operar nas fronteiras, apesar dos exaustivos treinamentos a que são submetidos, será que terão condições de agir com eficiência nos centros urbanos?
Na guerra a morte é algo natural, o inimigo é combatido com total violência, não existe diálogo no front, apenas a luta pela vida, que naturalmente está relacionado com a morte de outrem. Nesse caso o inimigo do Estado, cumprindo assim o juramento feito à bandeira e a nação brasileira.
Os constantes conflitos, protestos, manifestação e greves deflagradas pelas polícias civil, federal e militar, mesmo que constitucionalmente consideradas ilegais, nos mostram que algo está errado, que o “braço forte” do Estado não é apenas mecânico e motivado por impulsos, o braço forte do Estado agora pensa, elabora, e conclui que é formado por brasileiros que tem os mesmos problemas dos demais brasileiros que contam com sua proteção e segurança.
Não se pode questionar os limites de uma greve, impossível também mensurar e considerar uma greve legal ou ilegal, vez que a greve é uma faculdade exercitável pelo trabalhador de forma unilateral, sem sujeição a critérios que dar ao referido direito a dimensão de uma arma exercitável em condições extremas, como a dificuldade em exercer sua cidadania plena, e atender minimamente suas necessidades como alimentação, saúde, educação, segurança, transporte e condições de trabalho.
Como disse, a greve é a medida de força entre empregadores e empregados, é a ação indiscutível e melhor caminho para que o trabalhador seja ouvido, e de ver considerados e, parcialmente resolvidas, as soluções do que se reivindicam.
A limitação aceitável do direito de greve não é, portanto, o ponto em que pode causar inconveniência à população. Em tese, toda greve é inconveniente do ponto de vista co cidadão. Assim sendo, cabe ao Estado evitar ao máximo a necessidade da greve, ou seja, dotar os integrantes dos serviços exclusivos e essenciais de condições satisfatórias de trabalho, para que o cidadão seja bem atendido por esse serviço, e o servidor, que também é um cidadão tenha condições de exercer sua cidadania plena.
A maior justificativa do governo para repudiar as greves dos servidores da Segurança Pública é a falta de recursos para melhores salários, formação e reciclagem desses funcionários. Mas como justificar, por exemplo, que os integrantes da Policia Civil de São Paulo trabalham com carros Land Rover, ingleses, que custam aproximadamente R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais) e Vectras com câmbio automático, e são obrigados a guardar suas fardas para retornarem a suas casas utilizando vários ônibus, metrôs e trens? Tudo isso pela dificuldade em possuírem um veículo, e quando possuem, existe a dificuldade de mantê-los. Isso sem dizer que na maioria das vezes residem nas periferias muito e tem como vizinhos os mesmos delinqüentes que perseguem.
Esse problema também é vivido no Paraná, onde as viaturas utilizadas são muitas vezes Toyotas Hilux, cabine-dupla, e mais uma vez não existem recursos para aumento de salários.
O Plano Nacional de Segurança Pública, lançado no ano passado não passa de mais uma mal sucedida campanha de marketing, pois não resolveu em nenhum Estado o problema da Segurança Pública, pois contemplou única e exclusivamente o material em detrimento ao pessoal, visto nas fotografias às imagens são lindas, inúmeras armas, viaturas e helicópteros reluzentes, que infelizmente necessitam do ser humano, e nesse caso do Policial, para que surtam algum efeito, isso não tem ocorrido.
Causou-me espanto, a capa do jornal “Gazeta do Povo”, de Curitiba, publicado no dia 15 de julho de 2001. A foto mostrava um soldado sentado na carroceria de um caminhão militar com uma bazuca sobre o ombro. O mais curioso é que naquele momento ele estava fazendo policiamento nas ruas de Salvador, em razão da greve das polícias.
Veio-me a reflexão, o que ele poderia fazer com aquela bazuca. Isso impediria algum assalto ou assassinato. Ou será que no caso de extrema necessidade ele apenas atiraria nas pernas para imobilizar o delinqüente? Ora, isso é simplesmente ridículo. É muito mais fácil o crime organizado tomar de assalto esse caminhão roubando todos esses equipamentos do que essa ação impedir qualquer ato de violência.
O militar não possui nenhum treinamento civil. Repito, ele combate o inimigo e não o excluído ou delinqüente essa é uma das razões pelas quais todos os armamentos militares possuem alto poder destrutivo, são feitos para matar, impossível apenas ferir com um HK, um AR 15 ou uma pistola 45, quanto mais as granadas e bazucas.
A população acha graça dessas operações, isso só é visto em filmes, não existe nenhuma relação entre Segurança Pública e defesa nacional, por mais que o Estado insista nisso.
Imaginem a frustração de uma mãe que tem seu filho prestando serviço militar obrigatório ao ser informada de que o mesmo foi morto trocando tiros com bandidos numa equivocada operação policial. O Estado deve ser mais responsável, coerente e razoável.
Qual a função de um tanque de guerra no centro de Salvador, como já esteve em Recife, em Belo Horizonte e em tantas outras cidades. Será que um assalto será reprimido com um tiro de canhão ou de uma ponto 40; ou será que uma perseguição será feita com os Jeep’s militares?
Ora, sejamos racionais, o conceito de policiamento ostensivo em todo o mundo prevê o policiamento realizado em todas as quadras das cidades, onde a população conhece esse policial e o crime não ocorre, pois o policiamento é permanente e solidário.
Violência gera violência, essa máxima nunca esteve tão em uso em nosso país, o efeito “orloff” da greve na Bahia, em especial em Salvador mostra a importância dos órgãos de Segurança Pública, e a total falta de credibilidade dos governantes e principalmente da revolta dessa população. Caso contrário não existiriam os saques, principalmente aos supermercados e centrais de abastecimento. Isso mostra que o povo tem fome.
A maioria dos “saqueadores” é formada por crianças e pessoas de bem. É claro que existem os bandidos, mal feitores que devem sim ser punidos. Mas nesse caso as imagens divulgadas para o mundo nos mostram a situação extrema em que se encontram os excluídos da sociedade, lembrados apenas nos períodos eleitorais e nas estatísticas, que devido à triste situação em que se encontram não tem nada a perder. Prisão ou morte é apenas uma questão de tempo.
Não vejo luz no fim do túnel com o quadro que se apresenta. Como diferenciar Segurança Pública de defesa nacional se o Secretário Nacional de Justiça é um coronel aviador? Se o diretor do Departamento de Polícia Rodoviária Federal é um general da Reserva? Além disso, inúmeras secretarias de Segurança Pública são comandadas por oficiais militares.
É preciso vontade e determinação política, humildade para reconhecer os erros, e profissionalismo para transferir aos especialistas em Segurança Pública, aos profissionais que realmente fazem e vivem o universo da Segurança Pública e aos gestores de políticas públicas com uma visão macro e moderna do problema, que ao meu ver, está muito distante dos quartéis e dos planejamentos estratégicos verde-oliva.
Espero, torço, peço a Deus que os governantes, nas mais diversas esferas do poder tenham a consciência de que a violência atinge a todos, desde os abastados que possuem seus carros blindados vivem presos em suas fortalezas quanto os que dividem centímetros quadrados na escuridão dos presídios. O que eles têm em comum? Ambos perderam a liberdade, necessidade vital e indispensável à vida.
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