Uso sistemático e abusivo de e-mail no trabalho pode dar justa causa
29 de janeiro de 2001, 23h00
Esperamos que este artigo tenha o poder de despertar interesse nos estudiosos do direito e processo do trabalho no sentido de incentivar uma série de pesquisas, não só no que concerne à “informatização da demissão”, mas sobre o impacto da informática nas relações laborais, pois tenho a firme convicção de que tais estudos trarão efeitos benéficos não só a trabalhadores e empregadores, mas a sociedade como um todo.
Vivemos em uma sociedade onde o poder da informação passou a desempenhar papel muito mais significativo do que qualquer outra espécie de poder.
As desigualdades entre os povos não mais se medem pelo arsenal bélico ou domínios territoriais, mas pelo domínio e uso que fazem das novas tecnologias da informação.
A Internet popularizou-se com rapidez espantosa, e a cada momento estão sendo descobertos novos e diferentes meios de como utilizá-la, seja para comércio, comunicação, ferramenta diária de trabalho ou simples entretenimento.
A explosão da Internet pode ser equiparada à de uma bomba nuclear, só que silenciosa. É como se tivessem assistido a um vídeo da explosão com o volume de som desligado. Ao se darem conta do perigo, já foi tarde demais: a bola de fogo e fumaça já lhes atingira.
A repercussão do fenômeno da Internet sobre o Direito é avassaladora. A maioria das atividades jurídicas não consegue acompanhar a velocidade das mudanças no mundo virtual. Um dos exemplos pode ser verificado na falta de capacidade legislativa dos Estados que não conseguem elaborar leis para regulamentação do cyberspace a tempo de coibir abusos.
A informática, como as grandes descobertas, e a revolução tecnológica e espiritual, desbravam uma nova era para a humanidade. No entanto, esta nova era, só trará benefícios para a sociedade como um todo, se vier acompanhada pela armadura do direito.
A Informática como realidade atual
Não se pode mais fechar os olhos para a realidade que é hoje a Internet, assim como não se pode deixar de enxergar os benefícios que ela traz a todos os que a acessam, seja grandes empresas com fins econômicos, seja o pequeno usuário doméstico.
Mais que um agente de comunicação e informação é o principal motor dessa revolução que está deixando para trás o modo arcaico de se fazer negócios, ensejando oportunidades de compra e venda de qualquer produto em todos os setores da civilização. Inclusive gerando empregos em áreas nunca antes exploradas no mercado de trabalho.
Atualmente, cerca de 1,7 milhão de internautas operam o comércio B2B (business-to-business) e B2C (business-to-consumer), representando 29% dos 5,8 milhões da população on line. O gasto médio de cada uma dessas pessoas é de US$ 290 por ano.
Em 2003, cerca de 13,9 milhões de brasileiros terão acesso à Internet, sendo que 41% destes usuários estarão realizando e-commerce pela rede. Só neste ano, o e-commerce deverá movimentar no país valores da ordem de US$ 500 milhões.
Conseqüências para o Direito
Algumas questões espelham o interesse imediato de um público aproximado de 100 milhões de pessoas, que utilizam a rede para a prática do lazer, elaboração de consultas, promoção de negócios, instrumento de trabalho indispensável, e, infelizmente, também, para prática dos mais diversos tipos penais de crimes.
No diz respeito à regulamentação legal estatal, a celeuma está voltada à descrição e análise dos diversos projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional abordando a matéria, assim como as iniciativas da sociedade de usuários e de provedores, bem como dos ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia, que têm procurado normatizar o funcionamento da internet no Brasil com a criação do Comitê Gestor nacional no ano de 1995.
Temos, assim observado intenso e salutar debate na doutrina e na jurisprudência a respeito dos efeitos da informática no direito. É de notório conhecimento a importância da tecnologia em absolutamente todos os ramos da vida humana. As máquinas parecem tender a servir, cada vez mais, como elementos de ligação entre as pessoas.
Vários estudos e congressos já vem sendo realizados, no sentido de dar definições a estas relações no ambiente virtual. Nós como conselheiros do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática, presidido pelo amigo Demócrito Reinaldo Filho e composto dentre outros pelo Dr. Renato Opice Blum, Dr. Alexandre Jean Daoun Dr. Sérgio Ricardo Marques Gonçalves debatemos vários aspectos jurídicos desta revolução em vários Estados tendo trazido inclusive, especialistas da Alemanha e Estados Unidos como no I Congresso Internacional de Direito da Informática realizado em Recife em novembro passado e coordenado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática – IBDI.
Juristas de escol debateram a revisão de aspectos legais clássicos frente às novas situações jurídicas decorrentes da informática nos diversos campos do direito brasileiro. Colocaram em pauta, na ocasião, a necessidade de serem repensados antigos dogmas jurídicos no intuito de adaptá-los a uma nova realidade.
Como muito bem lembrado, pelo especialista na área Renato Opice Blum, “as relações virtuais e seus efeitos são realidade. A tendência é a substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria dos casos é possível a aplicação das leis já existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados”.
Nas diversas áreas do direito brasileiro, estudiosos desenvolvem novos modelos para a legislação frente à tecnologia e suas inevitáveis conseqüências no mundo jurídico: novos tipos penais, novos tipos tributários (envolvendo discussões sobre alguns dos seus princípios fundamentais, como a territorialidade, o estabelecimento comercial e a competência, o non olet (cobrança dos rendimentos oriundos de serviços ilícitos), a subsunção tributária – nullum vectigal sine praevia lege), disposições sobre o direito autoral, sobre a responsabilidade civil, sobre o direito comercial no que diz respeito a cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais frente às transações eletrônicas e magnéticas, tipificação de novas modalidades de justa causa e contratos de trabalho, etc.
Por outro lado, e com prioridade, estudam os casos concretos para corretamente adequá-los ao sistema legal já existente e capaz de solucionar a grande maioria dos conflitos decorrentes.
Sendo assim a Internet torna-se uma realidade que não pode ser negada, como também não podem ser negadas as facilidades que vem trazendo ao cotidiano dos trabalhadores e empregadores.
Incumbe-se ao Direito regular as relações jurídico/trabalhistas de uma forma geral, com mais razão deverá tratar dos contratos e demissões em que estejam envolvidas tecnologia da Internet, com todas as peculiaridades que os envolve.
No entanto, muito trabalho e estudo deverá ser levado a efeito tanto pela legislação e quanto pela doutrina, posto que nem sempre será possível a aplicação analógica das normas ora existentes às peculiaridades apresentadas pelos contratos eletrônicos.
Àqueles que pretendem se utilizar o universo virtual nas suas relações trabalho deve ter garantido um mínimo de segurança nas relações jurídicas que vierem a criar, cabendo ao Direito acompanhar a evolução da genialidade humana a fim possibilitar tal garantia.
Conseqüências no Direito do Trabalho
O Direito do Trabalho, como todas as ciências, vem sofrendo, ao longo dos anos deste século, uma inacreditável mutação, mercê das máquinas cibernéticas, criadas em curto espaço de tempo, mas que ensejaram, sem sombra de dúvida, uma revolução instantânea, que marcará este século, como o da civilização cibernética, não no sentido de submissão a ela, mas de dominação sobre ela.
Uma das questões que despertam maior interessante na esfera trabalhista diz respeito à “informatização da demissão”, pois trabalhadores em constante utilização de ferramentas digitais ensejam procedimentos nunca antes atentados pelo cientista laboral, e muitas das vezes, culminam em alguns casos como a quebra do vínculo empregatício em virtude do cometimento de uma falta grave por meio da utilização de equipamentos eletrônicos.
No Brasil, ainda não temos conhecimento de nenhuma decisão do Tribunal Superior do Trabalho em que aprecie a chamada “informatização da demissão”, porém acreditamos que não tardará devido ao grande avanço na informatização que tem acometido as empresas de todos os portes.
No direito comparado podemos constatar um avanço considerável no quer diz respeito regulamentação e até mesmo jurisprudência envolvendo questões trabalhistas veiculadas a informática, como é o caso de recente decisão da Sala Social do Tribunal Superior de Justiça Catalunya composta pelo Dr. José Quetcuti Miguel, Dr. Francisco Javier Sanz Marcos e Dra. Rosa Maria Virolés Pinõl no processo de número 4854/2000 onde tiveram a oportunidade de julgar uma caso envolvendo a “informatização da demissão”. Clique aqui para ler a decisão.
Entenderam os julgadores que o envio por parte do empregado sem autorização da empresa de 140 mensagens (e-mail´s) a 298 destinatários de natureza obscena, humorística e sexual a terceiros e a outros colegas de trabalho alheios a sua função gera demissão do empregado sem direito a indenização e salários em tramite e absolvição da empresa.
Uma das justificativas para a decisão colegiada é a de que o empregado concorreu em não cumprimento de sua real prestação de serviços uma vez que a empresa demandada só permite a utilização deste sistema de comunicação por motivos de trabalho.
O trabalhador ao utilizar os meios informáticos por conta da empresa em grande número de ocasiões para fins alheios a sua atividade e comprometendo a atividade laboral de outros empregados, transgrediu a boa-fé contratual, violando os deveres de conduta e cumprimento dos deveres de boa-fé contratual que se impõe ao trabalhador.
No presente caso a natureza e características do ilícito descrito supõem uma clara infração dos deveres de lealdade laboral que justificam a decisão empresarial de extinguir o contrato de trabalho.
Recomendação
A grande maioria das pessoas e empresas nacionais vem utilizando a Internet para as mais variadas atividades, sem qualquer espécie de segurança eletrônica e, principalmente jurídica, muito menos monitorando seus funcionários no que concerne a utilização de meios informáticos.
Portanto àqueles que pretendem utilizar o universo virtual em suas empresas devem munir-se de um mínimo de segurança nas relações jurídicas trabalhistas, cabendo ao advogado acompanhar a evolução da genialidade humana a fim possibilitar tal garantia.
Nesse sentido recomenda-se a procura um especialista na área da informática-jurídica antes de aventurar qualquer negócio, transação ou a simplesmente criação de uma home-page doméstica para venda de produtos ou serviços por meio de seus empregados, como vistas a evitar problemas sérios no Judiciário Trabalhista como a utilização de e-mail´s da empresa por parte do empregado no sentido de revelar segredo profissional, difamar a empresa, realizar transações irregulares ou enviar mensagens falsas, que podem gerar indenizações elevadas por danos morais e patrimoniais a empresa ou a terceiros.
Conclusão
O Direito do Trabalho enfrenta, neste momento histórico, desafios importantes. O novo Direito do Trabalho para sobreviver como meio regularizador das relações laborais deverá beneficiar-se, cada vez mais da tecnologia.
Entendemos que o Direito do trabalho brasileiro deve se adaptar ao novos tempos pois, novas condições de vida, novos os desafios apresentados , novos problemas a enfrentar, com isso é impossível pretender que continue o Direito do Trabalho a desempenhar o mesmo papel, por mais eficiente que outrora se tenha apresentado, continuar com a mesma armadura seria condená-lo a ineficácia.
A legislação do trabalho tem que estar mais aberta as inovações tecnológicas e às necessidades de adaptação conjuntural. Na verdade a conjuntura tem forçado os trabalhadores a adaptarem-se a inserção de tecnologias avançadas no ambiente de trabalho.
No fundo, é a lógica dos ciclos econômicos a repercutir os seus efeitos no funcionamento dos sistemas de trabalho dos empregados. Esse fenômeno corresponde a um novo espírito da Empresa moderna, mais eficiente, produtiva e competitiva.
Vale ressaltar, que é fundamental, acima de tudo, a conscientização para uma nova postura frente aos fatos relacionados as conseqüências da informatização nas relações laborais, com a pujança de um ideal perene de justiça social, pois não se combate as mazelas sociais referentes ao conflitos laborais sem antes erradicar suas raízes, há muito tempo encrostadas nos desmandos políticos dos governantes e na mentalidade anacrônica da minoria privilegiada que se recusa suprir as necessidades elementares da pessoa humana e a distribuir os louros do desenvolvimento econômico.
Assim a empresa moderna no desenrolar de seus empreendimentos deve ter como uma de suas principais preocupações a eficácia e bem estar da comunidade como um todo e não apenas de um parcela de privilegiados.
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