Advogado ironiza cobertura jornalística sobre Luiz Francisco e Exércit
11 de agosto de 2001, 10h53
Domingo é dia de ler jornal devagarzinho. Não que o jornal convença. Localizam-se páginas inteiras de disfarçada propaganda governamental (o chamado informe publicitário, confessado em letras mínimas). Surge, ali, exemplo típico da expressão francesa: “Entre les deux mon coeur balance”. Uma no prego, outra na ferradura. E assim vai a denominada grande imprensa brasileira. Entretanto, não se pode negar a franqueza com que certos temas são ocasionalmente tratados.
Dois exemplos: o processo criminal movido ao procurador da República Luiz Francisco pelo Ministério Público Federal e a divulgação da existência de “arapongas” no Exército brasileiro. São duas instituições qualificadas, admita-se. A primeira, em algumas condutas, está demonstrando a que veio (Invadiu com mandado judicial, entre nuvens de pernilongos do tamanho de beija-flores, reduto de espionagem militar escondido no meio da selva); a segunda, além de manter a ordem interna e a soberania nacional, prepara nossos jovens para a guerra. Chama-os de “ordinários”. Já vi apelidos melhores, mas é evidente que os rapazes são ordinários, pois todo aquele que extraordinário não é, ordinário fica sendo.
Voltando ao que interessa, o procurador Luiz Francisco foi denunciado por violação de sigilo. A notícia disso, posta na imprensa em “caixa alta,” animou bastante os leitores. Finalmente, a gravação soturna feita pelo moço daquela conversa fatídica com ACM seria objeto de ação penal.
O comportamento antiético do perquiridor seria reprimido de alguma forma, pois não se pode, impunemente, ferretear a vida alheia com gravadores postos atrás de estantes ou debaixo das meias. É costume feio, e mais feio fica quando autorizado pelo Poder Judiciário, coisa que tem acontecido com certa freqüência. Mas a leitura da nota deu susto grande. Luiz Francisco foi denunciado por não ter mantido segredo quanto à fita.
A divulgação teria prejudicado as investigações. Firmada em tais pressupostos, a denúncia é cômica. Qualquer seminarista iniciado em lógica sabe que nenhuma obrigação de sigilo pode salvaguardar conduta criminosa do próprio sigilário. O espúrio ato de origem destrói a exigibilidade do direito-dever ao segredo. Querem os esforçados denunciantes, entretanto, a punição do procurador por não ter, secretamente, feito investigações sobre aquilo que obtivera com violação, no mínimo, de preceitos atinentes à privacidade de terceiros.
A segunda notícia de um outro domingo (5 de agosto) é mais engraçada ainda: descobriu-se que o Exército tem serviço secreto. Setores dedicados à espionagem estariam colhendo informações sobre políticos, artistas, movimentos populares e quejandos, arquivando-os ou pondo-os à disposição do Executivo. “Surpresa inenarrável”, diriam alguns. Quem é do ramo sabe, no entanto, que a manutenção de tais departamentos é rotineira no Exército, Marinha, Aeronáutica e polícias militares estaduais. Aliás, há serviços de informações, hoje, até nas favelas. Na briga entre policiais e traficantes, os bandidos se infiltram nos departamentos policiais e vice-versa.
As favelas têm câmeras de televisão nos portais, como os prédios de apartamentos (Mudei-me para fugir de algumas. Dois dias depois, puseram as malditas gravações no edifício novo, em homenagem ao novo inquilino. Descobri a câmera a tempo, no elevador, antes de fazer pose no espelho). Já há lei permitindo que investigadores se afastem de suas funções, adotem outro nome e carreguem um pouco de entorpecente (não muito, é claro), fazendo de conta que também são delinqüentes. É um mundo de mentiras, certamente, mas tal ficção existe desde tempos imemoriais. Os chimpanzés já espionavam os galhos alheios; havia nas catacumbas, com certeza, na aurora do cristianismo, pretores romanos fantasiados de apóstolos, tatuando-se com o peixe cristão…
Todo país tem o espião que merece. Estados Unidos, Inglaterra, França, Israel, Rússia e não sei mais quantos, uma comunidade fantástica passeia numa outra realidade, colhendo e repassando informações, grampeando telefones (os fixos são fáceis, celulares exigem alguém atrás carregando mala preta com anteninha escondida), colhendo o lixo das madrugadas nas casas suspeitas, seduzindo empregados e empregadas (o que seria da espionagem sem o jardineiro da madame?) e praticando, enfim, seu ofício infame.
Tudo em imitação de James Bond, o famoso inglês que servia à rainha da Inglaterra, a mesma que, segundo lenda mentirosa, deu a Getúlio Vargas o Rolls Royce 1954 hoje reformado a expensas da fábrica e guardado nas estrebarias de Brasília. Se a Inglaterra tem Bond e carros famosos, precisamos tê-los também. Que venha, portanto, nosso “Jaime Bonde”. Ele está por aí, fazendo estripulias, toda grande potência precisa ter o seu…
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