Ainda não estamos amordaçados

Artigo: Ainda não estamos amordaçados

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24 de março de 2000, 0h00

Os objetivos dos Ministério Público e do Poder Judiciário são comuns: prestar bons serviços ao cidadão. Num país como o Brasil de hoje, com suas instituições em crise, a sociedade precisa de proteção.

O Executivo desnatura-se pela contínua e abusiva edição de Medidas Provisórias.

Os parlamentares, investidos de poderes judiciais em CPIs ou não, aproveitam muito bem os holofotes da mesma imprensa que agora querem calar.

Sob o sedutor e enganoso discurso da proteção à imagem e à honra individual, empenham-se agora em projeto que contraria o interesse da população, como este da corretamente apelidada de “lei da mordaça”, ou “projeto calaboca”, de autoria do então Ministro da Justiça Nelson Jobim, que proíbe juízes, promotores, delegados de polícia e membros do TCU de fornecer qualquer informação, a terceiros e aos meios de comunicação, sobre processos e investigações em andamento.

Essa proposta, já aprovada pela Câmara com relação aos magistrados, fixa penas de indenização, detenção de seis meses a dois anos, multa, perda do cargo e proibição para exercer qualquer outra função pública por um período de três anos.

O processo penal é público, de informações acessíveis a qualquer cidadão, excetuando-se apenas os casos de decretação de segredo de justiça, previstos em lei. Na legislação brasileira já existem dispositivos normativos mais do que suficientes para coibir eventuais excessos cometidos pelas autoridades.

Com os meios de comunicação amordaçados, sem poder veicular informação sobre qualquer processo em andamento, condenados à imposição do silêncio, não haverá mais páginas policiais nos jornais nem notícias pelas rádios. O mundo será um paraíso artificial. À população será retirado o direito constitucional de acesso à informação (CF, art. 5º, XIV) e o cidadão de bem não terá meios de saber nem se seu próprio vizinho é um criminoso, prejudicando sobremaneira o trabalho da Polícia. É como o triste panorama de George Orwell em “1984”.

Mas o objetivo de quem defende esse retrocesso parece ser mesmo o de lançar trevas e silêncio sobre os verdadeiros defensores da democracia e das liberdades públicas, protegendo os criminosos de todas as estirpes, principalmente os que gozam de imunidade parlamentar.

Curiosamente, a preocupação e o alegado zelo com o direito à imagem e à honra só têm sido recentemente defendidos, coincidentemente quando figuras de altos escalões começaram a freqüentar as páginas policiais.

Recorrer à Justiça e ao Ministério Público, defensor da sociedade, é o veio de esperança para ter verdadeiramente respeitados os direitos fundamentais do cidadão, para ver defendido e resguardado o Estado de Direito. Para ver restaurada a moralidade no serviço público.

Fica aqui a indagação: a lei da mordaça, que como tantas outras é uma lei casuísta, deverá ser aplicada aos senhores parlamentares nas CPIs, quando estarão investidos de funções judiciais?

Revista Consultor Jurídico, 24 de março de 2000.

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