Ministério Público

Artigo: Ministério Público, advogado da sociedade.

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15 de março de 2000, 0h00

O Ministério Público que conhecemos hoje no Brasil foi desenhado pelos Constituintes de 1988. A Instituição, que nasceu como braço do Poder Executivo, passou com a Constituição de 1988, a ser instituição permanente, indispensável e essencial à Administração da Justiça.

A Constituição Federal de 1988 garantiu a autonomia e independência da instituição, para que seus membros, pudessem, na defesa da sociedade, exercer as funções que lhes foram atribuídas: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e indisponíveis, a promoção privativa da ação penal.

Para o Ministério Público Federal significou um verdadeiro divisor de águas, pois antes da Constituição de 1988, a Instituição também advogava os interesses da União Federal. Sábios foram os Constituintes, que pareciam antever o que aconteceria anos após a promulgação da Constituição, já que não poderia caber ao mesmo Ministério Público que deve defender o patrimônio público, o meio ambiente e os direitos constitucionais do cidadão, advogar pela União Federal, quando esta (ou se quisermos aqueles que estão na administração federal), muitas vezes, é uma das grandes descumpridoras da ordem jurídica.

É sabido que a estrutura brasileira de Ministério Público é bastante avançada, como o são os direitos sociais estabelecidos na Constituição e a legislação ambiental e de defesa do consumidor. Mas fazer cumprir as leis em nosso país, principalmente quando as mesmas beneficiam a maior parte dos cidadãos, é tarefa árdua.

O nosso país tem o estranho hábito de produzir leis em profusão, inviabilizando muitas vezes os direitos assegurados na Constituição e quando isso não basta, mudam-se as leis, editam-se e reeditam-se medidas provisórias e emenda-se a Constituição.

Mas, o mais difícil é conseguir que as leis que atingem o poder político ou o poder econômico sejam cumpridas, basta que se veja o recente caso da lei dos chamados genéricos ou de controle da qualidade dos serviços prestados pelas novas empresas de telefonia no país.

Evidentemente, o Ministério Público, Instituição à qual se tem acesso por concurso público, cujos membros passam por provas reconhecidamente difíceis e formam um excelente corpo jurídico, que (estranhamente para alguns) não está a serviço da Administração, ou em linguagem mais simples, dos governos e tampouco do poder político ou econômico, mas sim da defesa da Constituição e daqueles cidadãos que formam essa Nação e que não tem dinheiro para arcar com custas judiciais e honorários advocatícios, atrai desafetos. Desafetos poderosos.

É bom que se diga que o Ministério Público tem proposto ações contra administradores e servidores ímprobos de todas as esferas do Executivo, na defesa dos interesses dos segurados da Previdência, dos consumidores lesados, do meio ambiente, das comunidades indígenas quando suas terras são invadidas, das crianças e adolescentes, dos portadores de deficiência, dos trabalhadores que têm seus direitos desrespeitados, sem que aqueles que serão beneficiados por suas ações tenham que pagar por isso.

E, com imperdoável ousadia, o Ministério Público tenta cumprir o artigo 5º da Constituição Federal, aplicando a lei penal igualmente para todos, promovendo ações penais contra criminosos do colarinho branco, sonegadores fiscais e aqueles que dilapidam o patrimônio público.

A Constituição Federal criou um corpo jurídico, verdadeira banca de advogados, para defesa dos interesses coletivos da sociedade, que se chama Ministério Público.

Desde 1988 temos tido vitórias e derrotas. Mas o que mais parece aborrecer o poder político e econômico é a nossa determinação, a nossa capacidade de estarmos permanentemente promovendo novas ações de improbidade, ações penais e ações civis públicas, e aos poucos nos fazendo conhecer por aqueles em benefício de quem atuamos: os cidadãos.

Como não poderia deixar de ocorrer, a reação não tardou : a Lei da Mordaça pretende punir, com perda de função, como crime de abuso de autoridade, membros do Ministério Público, Magistratura e Polícias, que digam à sociedade o que estão fazendo, mesmo quando os dados não estiverem protegidos pelo sigilo legal (dispositivos que estão no texto da proposta de emenda constitucional da estrutura do Judiciário). O interessante é como conciliar tudo isso com o princípio constitucional da publicidade do processo.

O mesmo projeto de lei que prevê a mordaça traz embutida a tentativa de criar um foro privilegiado, nos tribunais, para as ações de improbidade, que hoje tramitam junto aos Juizes de 1º grau, dificultando, inclusive, a investigação em tais casos. É sabido que tribunais não tem características que permitam a investigação de tais fatos, pois foram criados para julgar recursos e em casos raríssimos, ações originárias.

E mais tramita no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional que prevê a paridade expressa entre membros do Ministério Público com a Magistratura.

Pretende o Executivo Federal excluir essa dispositivo, atrelando o Ministério Público ao Executivo. Com que intenções? Evidentemente de reduzir-lhe a autonomia, como aliás pretendia quando apresentou propostas de emendas constitucionais, já retiradas, pelas quais os chefes da Instituição, Procurador Geral da República e Procuradores Gerais de Justiça poderiam ser escolhidos ente pessoas fora da carreira e seus membros seriam promovidos pelo Executivo.

As razões expostas: com tais alterações, o Ministério Público que não estaria em harmonia com os Poderes, passaria a estar.

Ao Ministério Público não cabe ser harmônico com nenhum dos três poderes e tampouco servir aos interesses da administração, seja ela federal, estadual, ou municipal. Aos membros do Ministério Público cabe a missão constitucional de zelar pela observância da ordem constitucional, promovendo a igualdade de direitos, contribuindo para construção da cidadania.

Em um país com tantas contradições entre o arcaico e o moderno, tal tarefa com certeza deve parecer subversiva, aos olhos dos detentores dos poderes econômico e político, que não querem e não precisam de mudança.

Só o tempo dirá quem irá ganhar essa luta: a sociedade e aqueles que querem avançar com a construção de uma sociedade menos desigual, ou aqueles, que querem apenas, mudar, para deixar tudo como está.

Revista Consultor Jurídico, 15 de março de 2000.

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