Artigo: Cooperativas, Consórcios de Empregadores e o Desemprego no Mei
10 de abril de 2000, 13h11
A crise do emprego no meio rural, aliada aos custos do trabalho subordinado e à imprecisão da lei n. 8.949/94, levou um grande número de empreendimentos rurais a lançar mão da contratação de trabalhadores por meio de pretensas cooperativas. Contrariando os próprios fundamentos do Direito Social, tal forma de contratação foi, em grande parte, repelida pelo Poder Judiciário. Embora ainda não se possa afirmar, com rigor estatístico, que tais iniciativas estejam em declínio, é fato que os atores da relação de emprego rural passam a firmar uma nova espécie de relação jurídica, o consórcio de empregadores.
Conforme vem sido debatido em diversas oportunidades, das quais são exemplos os sucessivos Congressos de Direito Rural, de iniciativa do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, a crescente mecanização das lavouras está fazendo avançar a presença da tecnologia no campo, em detrimento dos postos de trabalho. A questão não é nova e certamente não está adstrita ao Brasil.
O festejado sociólogo Domenico de Masi, da Universidade la Sapienza de Roma, indica em seu livro “Desenvolvimento sem Trabalho” (ed. Esfera, 1999, p. 65) os seguintes dados: “Entre 1965 e 1991, nos países da CEE, a porcentagem dos empregados na agricultura diminuiu de 16,4% para 6,2%… (fonte: OCDE, Perspetives économiques de l’Ocde, 52, dezembro. 1992)”.
Cooperados
A substituição de homens por máquinas, nas culturas e regiões onde isto é possível, é propagada como uma forma de se minorarem os custos do trabalho subordinado. Com propósitos semelhantes, a possibilidade de contratação de trabalhadores rurais, sob o “status” de cooperados, foi, ao menos aparentemente, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro. A lei n. 8.949/94 deu ao artigo 442 da velha CLT a seguinte redação: “Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
Na prática, porém, a nova lei em nada alterou o dia-a-dia do trabalhador rural, nem tampouco lhe trouxe qualquer benefício, conforme exaustivamente documentado em milhares de processos com os quais se deparam os Juízes do Trabalho no interior do Estado de S. Paulo. Nestas demandas judiciais, percebe-se que os empregados rurais prestam serviços durante anos para determinados empregadores, por meio de contratos de safra, ganhando seus salários conforme a produção.
Em uma determinada temporada, o intermediário da mão de obra (em geral conhecido por turmeiro) informa aos trabalhadores que, naquela oportunidade, prestarão os mesmos serviços de antes, para o mesmo produtor, mas dessa vez integrando uma “cooperativa”. Se o dia-a-dia de trabalho em nada se altera para o trabalhador, não se pode dizer o mesmo quanto as garantias legais de seu contrato.
A aplicação casuísta e isolada do artigo 442 da CLT elege trabalhadores humildes à condição de falsos autônomos. Isto equivale a relegá-los ao desamparo legal absoluto, eis que lhes é retirado o conteúdo mínimo de direitos sociais do trabalho (salário mínimo legal, paga suplementar por horas extras, descanso semanal remunerado, férias com terço constitucional, 13º salário, proteção contra despedida arbitrária, estabilidade em caso de gestação ou acidente do trabalho etc.).
Sob o ponto de vista econômico do empregador, o atrativo é naturalmente considerável, assim como o era nos primórdios da Revolução Industrial, quando se trabalhava à exaustão, e por pouco mais do que nada… Ocorre que a contratação, reconhecida como fraudulenta em juízo, impõe ao empregador enormes ônus, pois terá que pagar os direitos trabalhistas do empregado e, não raro, lhe serão aplicadas multas decorrentes de sua mora. Assim, o passivo trabalhista do produtor ganha dimensões que podem inviabilizar sua atividade econômica, notadamente se considerado o fato de que em cada safra ele contrata algumas centenas de trabalhadores.
Consórcio de Empregadores
A experiência um tanto traumática das cooperativas no meio rural, bem como o desvirtuamento de que se revestem inúmeros e sucessivos contratos por safra, fizeram surgir a idéia do consórcio de empregadores. Tal instituto corresponde a uma sociedade de produtores, que firmam termo de responsabilidade solidária em cartório, com a identificação individual de cada um.
Passam a atuar em gestão coletiva da mão de obra, sendo que o contrato de trabalho é anotado em Carteira em nome de um dos produtores, acrescido da expressão e “outros”, com a definição do objeto, duração e salário, asseguradas, naturalmente, as garantias legais do trabalho subordinado.
De acordo com o Procurador Chefe do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, em seu artigo “Consórcio de Empregadores: uma alternativa imediata para a empregabilidade” (in Boletim do TRT da 15ª Região, fevereiro de 2000), a nova figura jurídica possibilitará a abertura, no Estado de S. Paulo, de 300 mil postos de trabalho no campo.
Segundo ele, “…os pequenos produtores que não teriam como contratar trabalhadores em razão da constante intermitência de suas necessidades de trabalho poderão se agrupar, contratando a mão-de-obra de forma partilhada, dividindo-se os encargos e distribuindo-se os custos do trabalho proporcionalmente à utilização efetiva”.
Importante salientar que a iniciativa já encontra eco no governo, conforme declarações públicas do Ministro do Trabalho e Emprego, que inclusive já expediu a portaria GM/MTE n. 1964/99, determinando às delegacias regionais do trabalho que dêem ampla divulgação do novo modelo de contratação rural. E ainda, nos termos da Circular n. 56/99 do INSS, permitindo a matrícula do consórcio de empregadores como contribuinte rural.
A falsa solução apresentada pelos partidários da legalidade das pseudo cooperativas, repelida a tempo pelo Poder Judiciário, resultou, ao menos, nessa nova forma de contratação no campo, o consórcio de empregadores, cujos frutos sociais, esperam-se, surgirão com a presteza característica da atividade econômica.
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