Falta de leis dificulta punição aos crimes por computador
8 de junho de 1999, 0h00
O computador deixou de ser apenas uma ferramenta de trabalho para milhões de pessoas no Brasil. Sob muitos aspectos, ele pode ser visto também como uma arma. A inexistência de legislação específica vem preocupando tanto os juristas que mereceu uma posição de destaque entre os temas da XVII Conferência Nacional dos Advogados, a se realizar no Rio entre 29 de agosto e 2 de setembro.
O advogado paulista Antônio Scaranse Fernandes, professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo (USP) e um dos poucos a estudar essa nova área do Direito, vai mostrar que os crimes por computador aumentam e inovam a cada dia. Mas o advogado brasileiro não conta sequer com uma lei específica sobre esse tipo de crime e a bibliografia sobre o tema é quase inexistente no país.
“O computador tem servido para práticas de uma variação grande de crimes, até de homicídios”, diz o advogado. “É o caso de alguém que ingressa, por exemplo, em um hospital, entra no sistema de computação da instituição, altera a medicação prescrita a um paciente e interrompe o tratamento”, continua. O doente morre e aí se tem um caso típico de assassinato praticado por computador. O resto da história – que poderia ser roteiro de um filme de ficção científica – depende de como o advogado contratado pela família da vítima vai resolver o caso, enfrentando dificuldades de toda a ordem, como a falta de legislação, de bibliografia e obstáculos diversos à apuração desses crimes pós-modernos.
“No Brasil, pela falta de uma legislação específica, é preciso tentar enquadrar os crimes praticados por computador nos delitos existentes, tipificados no código penal ou em leis esparsas”, adianta o professor Fernandes. Os crimes por computador vão desde a subtração de informações em arquivos alheios, uso de computadores para fazer apologia do crime até à prática de pornografia infantil, que tem preocupado muito as autoridades de nações mais desenvolvidas.
Há também os crimes específicos, como o ato de alguém ingressar em computador alheio para conseguir, alterar ou transferir dados sem autorização. Entrar no computador de alguém para danificar ou deletar arquivos (como enviar vírus) é exemplo de crime específico.
Além da bibliografia escassa, o advogado enfrenta outras dificuldades para resolver esses tipos de crimes modernos. A questão da prova é um dos grandes problemas. Scaranse Fernandes explica que é muito difícil, em alguns casos, se provar a autoria do crime. “Para fazer a prova de um crime por computador, é preciso acessar o registro da pessoa para poder provar que ela praticou o delito”, ressalta o professor, lembrando que o artigo 5º da Constituição, no inciso XII, garante o sigilo de dados particulares.
Ou seja, é preciso a quebra de sigilo, mas mesmo que o advogado consiga autorização para apreender dados no computador, basta que a pessoa investigada tenha notícia da iminência da quebra de seu sigilo para apagar da memória do computador a chamada prova material. “Caso a pessoa consiga destruir a prova material, sempre se pode recorrer à prova testemunhal, mas esta é sempre mais fraca”, diz o advogado.
Outro problema que dificulta a investigação desse tipo de crime é a questão da competência. Crimes por computador podem ser praticados à distância, por alguém que está do outro lado do mundo. Como saber qual é a jurisdição competente para apurar tal crime, questiona o advogado. Ele lembra que, no caso dos crimes de pornografia infantil, a solução foi a atuação em conjunto da polícia de vários países.
Scaranse Fernandes adianta que países como a Espanha, por exemplo, possuem uma legislação específica sobre crimes praticados por computador. “Lá, o ato de ingressar no computador de outra pessoa sem autorização ou mesmo violar uma senha já é considerado crime”, diz. No Brasil, o assunto é ainda muito novo, embora o problema venha crescendo nos últimos tempos, principalmente depois do surgimento da Internet, porque aumentou muito o intercâmbio entre os computadores.
Advogado e informática: uma relação nem sempre fácil.
Arredio a novidades, formalista e acadêmico. Assim é o perfil do advogado brasileiro, que ainda não sabe explorar direito os infindáveis recursos que a Internet oferece no campo profissional. Para preencher esta lacuna, um dos painéis da XVII Conferência Nacional dos Advogados tratará sobre a “Advocacia na era das telecomunicações”. Um dos conferencistas, o advogado mineiro Alexandre Atheniense, vai mostrar exemplos práticos de utilização da Internet pelos advogados: como acessar bancos de dados, sites de tribunais e enviar e-mails aos clientes.
“Como é um meio de comunicação novo, o advogado tem que saber explorar esta forma de comunicação da melhor maneira possível”, diz Atheniense. Ele admite que nos últimos tempos vem aumentando o uso da rede. Antes, era um recurso mais usado pelas instituições. Hoje já existem à disposição dos internautas muitos serviços de bancos de dados jurídicos – onde os profissionais podem se atualizar sobre a legislação, jurisprudência e doutrina jurídica. Além de um maior número de sites, a Internet oferece uma ajuda essencial ao advogado: acompanhar o andamento nos processos nos tribunais pelo computador.
“O advogado é por excelência um profissional arredio a novidades”, afirma Alexandre Atheniense, que pretende dar diversos exemplos práticos de sucesso obtido com a ajuda da Internet. Ele também mostrará que, com o surgimento da rede mundial de informação pelo computador, houve uma redefinição do conceito de comunicação do advogado com os clientes, com as novas ferramentas de trabalho e possibilidades de comunicação surgidas com a Internet.
Desvalorização – Na conferência “A Internet e o Direito”, a ser proferida dia 1º de setembro, Alexandre Atheniense vai fornecer exemplos mais radicais, onde a única saída possível ao advogado foi recorrer aos serviços da Internet. “Na desvalorização do real em relação ao dólar, em janeiro, não havia livros nos quais os advogados pudessem pesquisar sobre tipos de ações cabíveis para casos como contratos de leasing firmados com base no dólar, por exemplo”, lembra Atheniense. Mas logo após a desvalorização proliferaram na rede sites com informações que ajudaram os advogados a resolver as novas pendengas.
Alexandre Atheniense acredita que atualmente nenhum advogado ou juiz que pretende começar a exercer a advocacia pode sobreviver sem um computador. Mas não basta ter a máquina, é preciso também aprender a explorar inteiramente a nova ferramenta de trabalho e a navegar pela Internet. “A modernidade existe para dar mais agilidade ao nosso trabalho, mas uma das características do Direito é a formalidade”, reconhece o advogado, que pretende ajudar os colegas a descobrir os caminhos da Internet.
Inscrições para Conferência
Até o dia 31 de julho, as inscrições para a XVII Conferência Nacional dos Advogados estão com preço promocional. Estudantes e estagiários pagarão R$ 85,00, e advogados R$ 220,00.
A partir de 1º agosto, o preço será integral: R$ 250,00 para advogados e R$ 100,00 para estudantes e estagiários.
A XVII Conferência Nacional dos Advogados, promovida pelo Conselho Federal da OAB será realizada de 29 de agosto a 2 de setembro, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Mais informações pelo telefone 0800-610066 ou pela Internet, no endereço http://www.oab.org.br.
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