Breves notas sobre o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
31 de outubro de 1998, 17h22
CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica.
Estudo Preliminar.
Ricardo Dias de Medeiros Netto
1. – Introdução:
No último dia 05 de março, a Secretaria da Receita Federal (SRF) editou Instrução Normativa instituindo o CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, substituto do CGC – Cadastro Geral de Contribuintes, atualmente em vigor. Tal instrução veio a regulamentar o disposto no art. 37 da Lei n.º 9.250/95, que previa a unificação dos registros de empresas existentes nas três esferas governamentais: União, Estados e Municípios, além do Distrito Federal.
O principal objetivo de tal alteração é, sem dúvida, a unificação dos cadastros. Passando as empresas a contarem com apenas uma inscrição, a do CNPJ, ao invés de até três, como acontece atualmente.
Além desse objetivo principal, a Receita Federal aproveitou a oportunidade de “recadastramento branco” para a consecução de outros objetivos como alterar rotinas internas de concessão do registro e de pagamentos de tributos, como a adoção, por exemplo, de sistema de pagamento de tributos através de disquete a ser fornecido quando da inscrição no CNPJ.
Como é de conhecimento geral, a existência de inscrição no atual CGC e futuro CNPJ é vital para a pessoa jurídica, podendo-se até afirmar que, sem ela, a mesma fica impossibilitada de exercer suas funções básicas encontrando-se impedida de contratar com todas as esferas da administração pública e até com outros particulares, face a exigência costumeira de tal registro em todos os negócios jurídicos celebrados.
Aproveitando estes fatos, a SRF, em sua normatização de natureza inferior (Instrução Normativa), determinou que só receberão o CNPJ aquelas entidades que não tiverem pendências com o fisco federal. Assim ela pretende “estimular” os contribuintes a quitarem suas supostas dívidas, inclusive aquelas ainda pendentes de decisão judicial que não estejam amparadas por liminares ou depósitos judiciais. Constitui esta exigência, obviamente, verdadeira coação, gerando uma forma indireta de cobrança de créditos tributários, não prevista em lei e divergente da forma que esta prescreve na Lei n.º 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais). Desta forma, busca o fisco federal eliminar etapas, como o Processo Administrativo Fiscal e o Judicial, através da coerção indireta que tal exigência para recebimento do registro exige.
Outro objetivo que o fisco buscou alcançar com o advento do CNPJ foi o aumento da arrecadação dos tributos pagos pelas pessoas físicas, vez que o representante legal ou membro do quadro societário da pessoa jurídica também deve comprovar a regularidade de sua situação perante o fisco. Ou seja, havendo pendência da pessoa física, ligada à empresa, com o fisco, a mesma não recebe o novo registro. Tal exigência contraria, obviamente, princípios básicos de Direito Privado que garantem a personalidade das pessoas jurídicas, independentemente de quem as compõem.
Estes são, apenas, alguns pontos polêmicos sobre o que exige a nova sistemática de inscrição de pessoas jurídicas. Veremos adiante, especificamente, as ilegalidades presentes em tais exigências e o que pode ser feito para resguardar os direitos daqueles que porventura sejam lesados.
2. – Sistemática de Instituição do CNPJ, Período de Transigência:
A SRF através das IN’s nºs 27 e 54, ambas de 1998, estabeleceu as normas a serem seguidas no período de transigência entre o início da vigência do CNPJ e o fim da do CGC. Resumidamente, estes são os principais pontos:
a) Os cartões identificadores do CNPJ, juntamente com os disquetes, serão distribuídos, automaticamente, através dos correios a partir do dia 1º de julho do corrente até o dia 30 de outubro, também de 1998;
b) Serão mantidos os atuais números de CGC para o CNPJ;
c) Os atuais cartões de CGC terão validade até o dia 31 de dezembro de 1998;
d) Receberão os novos Cartões de Identificação aquelas pessoas jurídicas que não tiverem pendências com a SRF, nos termos do artigo 2º da IN 54;
e) Aquelas empresas que tenham pendências serão notificadas no mesmo período de entrega dos novos cartões (até 30/10), devendo encaminhar-se à SRF para dirimi-las a fim de que possam receber o cartão;
3. – Conceito de “Pendência”:
O art. 2º da IN 54/98 esclarece o que é considerado “pendência” para fins de obtenção, ou não, do registro no CNPJ. O seu inciso I cuida das pendências da própria pessoa jurídica, enquanto que o inciso II cuida das pendências da pessoa física responsável pela empresa perante o CNPJ, conforme transcrito a seguir:
“Art. 2° Para efeito do disposto no artigo anterior, considera-se pendência:
I – no caso da própria pessoa jurídica:
a) existir, em seu nome, débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal;
b) não constar, em seu nome, nos seis meses anteriores, pagamentos relativos:
1. ao imposto de renda e à contribuição social sobre o lucro líquido, sob a forma de estimativa, se tributada com base no lucro real apurado anualmente, ou sob a forma de quota, se tributada com base no lucro real apurado trimestralmente ou com base no lucro presumido ou arbitrado;
2. às contribuições PIS/PASEP e para a seguridade social COFINS;
3. ao SIMPLES, se optante por esse sistema de pagamento;
c) não existir informações atualizadas quanto aos dados cadastrais da pessoa jurídica, especialmente quanto a seu quadro de sócios e administradores;
d) constar como omissa quanto à entrega, se obrigado, de Declaração:
1. de rendimentos – DIR-PJ;
2. de Contribuições e Tributos Federais – DCTF;
3. do Imposto sobre Produtos Industrializados – DIPI;
4. de Imposto de Renda na Fonte – DIRF;
5. do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – DIAT/DIAC;
II – no caso da pessoa física responsável perante o CNPJ:
a) a existência, em seu nome, de débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal;
b) constar como omisso quanto à entrega de declaração de rendimentos ou do Imposto Territorial Rural – ITR.”
Vale ressaltar que aquelas pessoas aptas a receber a chamada “Certidão Positiva de Tributos e Contribuições Federais, com Efeitos de Negativa”, nos termos do art. 9º da IN 80/97, deverão receber o cartão de identificação como se pendências não tivessem. As condições de obtenção desta Certidão são, basicamente, aquelas causadoras de suspensão de exigibilidade de créditos tributários, conforme previsto no art. 151 do CTN.
4. – Meio de Cobrança Indireta e Ilegal de Tributos:
Os fiscos federal, estaduais e municipais possuem forma própria, estabelecida em lei, para a cobrança de suas dívidas tributárias. De fato, a Lei 6830/80, estabelece o meio próprio para a cobrança de valores inscritos na dívida ativa da União, enquanto que leis esparsas regulam os Processos Administrativos Fiscais das diversas esferas governamentais.
Esses processos (judicial e administrativo) estão lastreados nos incisos XXXIV, XXXV e LV do art. 5º da CF/88. E são exatamente esses os dispositivos constitucionais desrespeitados pelas normas instituidoras do CNPJ.
As Instruções Normativas em questão instituíram verdadeira sanção administrativa, com amplas repercussões no mundo privado e público, para aqueles atingidos por ela, sem respeitar os casos que encontram-se sub-judice aguardando decisão com sede em Embargos à Execução, por exemplo, caso em que a exigibilidade do tributo não está suspensa.
Vale lembrar, nesse ponto, que, de acordo com o fisco, o art. 151 do CTN só prevê a suspensão da exigibilidade do crédito tributário através de liminar em Mandado de Segurança, não se admitindo, segundo eles, a suspensão quando houver sentença concessiva da segurança, posterior a uma negativa de liminar (sic).
Não há contraditório, muito menos ampla defesa, no “procedimento” instituído pela Receita Federal, contrariando, frontalmente, o estabelecido no inciso LV do art. 5º da CF/88:
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
A simples negativa de fornecimento da inscrição no CNPJ por parte do fisco federal caracteriza sanção de natureza administrativa, imposta sem o devido processo legal e desrespeitando, inclusive os casos já sob exame do judiciário que, segundo eles, não estejam protegidos pela suspensão da exigibilidade do crédito.
Trata-se, portanto, de forma indevida de cobrança de tributo, instituída sem fundamentação legal, em que o fisco desconsidera os meios que a lei lhe fornece para cobrar seu crédito (execução fiscal e Processo Administrativo Fiscal – PAF) e estabelece, por conta própria, um outro, queimando etapas e atropelando direitos dos contribuintes e deveres seus.
5. – A Questão da Independência da Pessoa Jurídica em Relação a seus Componentes:
Estabelece o art. 20 do Código Civil Brasileiro, in verbis:
“Art. 20. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”
Como se percebe da leitura do acima transcrito dispositivo legal, a pessoa jurídica, uma vez regularmente constituída é independente e diversa, em termos de personalidade, relativamente à personalidade de seus componentes. Sobre o assunto, lição do Prof. Rubens Requião:
“Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualidade própria, os sócios que a constituírem com ela não se confundem…”
Como se vê, a exigência, por parte da SRF, de que não só as pessoas jurídicas como também os seus quadros societários estejam em situação “regular” quanto ao cumprimento de obrigações tributárias federais, é esdrúxula, ilegal e imoral.
Trata-se, o presente ponto, de mais uma tentativa de cobrança indireta de tributos, instituída sem fundamentação legal e constituindo verdadeira coação, tentando burlar as formas previstas em lei, verdadeiras garantias dos direitos dos contribuintes.
6. – Meios de Resistência Para Aqueles que Venham a Ser Lesados:
Como se vê, quase a totalidade dos contribuintes que estejam discutindo seus créditos judicialmente e que não estejam protegidos pela suspensão dos mesmos, estão passíveis de ter seu registro no CNPJ negado, acarretando-lhes graves prejuízos e, praticamente, impedindo o seu regular funcionamento.
Para aqueles contribuintes cuja pendência decorra de procedimento de compensação voluntária, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/91, poderá ser feito o requerimento de compensação perante a SRF, uma vez que a pendência de decisão em tal requerimento garante, teoricamente, ao contribuinte o direito de receber “Certidão Positiva de Tributos e Contribuições Federais, com Efeitos de Negativa”, o que lhe habilita a receber o Cartão de Identificação do CNPJ, juntamente com o disquete para pagamento dos tributos federais.
Já aqueles contribuintes que tenham pendências decorrentes de litígios tributários, em sede judicial (mandado de segurança sem liminar, execução fiscal), desamparados pela suspensão da exigibilidade do crédito, deverão recorrer ao judiciário por meio de Mandado de Segurança, após o recebimento da notificação de existência de “pendência”, o que deverá ocorrer até o dia 30/10/98.
A argumentação específica deverá ser elaborada em vista a cada caso concreto, vez que a negativa por parte da SRF pode ser baseada em diversos pontos.
7. – Conclusão:
Como se percebe, a Receita Federal aproveitou o ensejo da unificação dos cadastros das diversas esferas governamentais para forçar o contribuinte, de forma ilegal, a “regularizar” sua situação perante o fisco, inclusive quando a “pendência” não decorrer, diretamente, da pessoa jurídica, e sim da pessoa física participante de seus quadros societários.
A ânsia arrecadatória do fisco é já conhecida dos que militam na área tributária. A tática utilizada por eles baseia-se na probabilidade. Isto é, a parcela de contribuintes que irão se curvar diante de tais exigências ilegais e pagar o que a Receita acha que eles devem, é muito maior do que a daqueles que vão provocar o Judiciário em busca de proteção a seus direitos. O que será arrecadado daqueles que aceitarem passivamente a ilegalidade e a cobrança indevida, resultará em grande vantagem para a administração pública. É o que se diria em linguagem popular: “se colar, colou”.
Vale ressaltar que a Justiça Federal já vem se manifestando contra esse abuso através da concessão de medidas liminares contra as exigências feitas pela Receita Federal para a entrega dos novos registros aos contribuintes pessoas jurídicas.
Como exemplo, temos recentíssima decisão da juíza federal da 18ª Vara Federal de São Paulo, proferida nos autos do Mandado de Segurança n.º 98.0027233-0, em que a ilustre magistrada concede medida liminar garantindo a determinado contribuinte o direito de receber o novo registro independentemente de qualquer exigência ou verificação de débitos por parte da Receita Federal, sob o fundamento, dentre outros, de que o artigo 22 da Instrução Normativa 27/98 fere os princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º da Constituição Federal.
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