Poluição sonora e o Ministério Público
24 de novembro de 1998, 23h00
Por Ana Paula Frontini, estudante de Direito; Juliana Andrade da Cunha, estudante de Direito e estagiária do Ministério Público; Marcio Silva Pereira, estudante de Direito e estagiário do Ministério Público.
Sumário: I. Introdução; II. Poluição e Poluição Sonora – conceito; III. Interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; IV. A poluição sonora no quadro dos interesses (alguns exemplos); V. Ministério Público e o interesse geral; VI. A legitimidade do Ministério Público em face dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; VII. A legitimidade do Ministério Público em matéria de poluição sonora; VIII. Conclusões
I – Introdução
A tutela do meio ambiente urbano tem, cada vez mais, adquirido relevância nos principais centros e despertado o interesse das cidades em desenvolvimento, preocupadas com à sadia qualidade de vida dos indivíduos. O som ou ruído é, sob certas condições que veremos adiante, uma forma de poluição típica de locais onde há concentração humana.
A fixação do homem está consolidada nas cidades, meio ambiente artificial onde convivem em conflito inúmeros interesses. A poluição sonora gera a proliferação desses conflitos, tanto na esfera particular quanto na social.
No tocante aos interesses de relevância social, atribuiu-se ao Ministério Público a legitimidade para agir na tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. O meio ambiente é tipicamente difuso e estando presentes suas características, no caso de poluição sonora, é legítima a atuação ministerial. Este ponto é pacífico.
A controvérsia surge em casos onde a poluição sonora apresenta-se como degradadora ambiental, em nível coletivo e individual. Neste caso, haveria relevância social que justificasse a atuação do órgão ministerial ?
Diante de tal questão, o grupo de estudo formado na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, iniciou um trabalho de análise das diversas formas de poluição sonora e suas conseqüências no âmbito processual civil, mais especificamente no que tange a legitimidade ativa do Ministério Público, resultando no presente trabalho.
Diversas foram as questões que começaram a ser suscitadas acerca, não só da relevância dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, mas igualmente dos limites da legitimidade ativa do Ministério Público na defesa de tais interesses perante os tribunais.
Em outras palavras podemos nos perguntar se o órgão ministerial necessariamente deve estar presente em todas as questões que envolvem o problema relativo a poluição sonora, ou somente naquelas em que a sociedade figura inegavelmente como titular desse interesse. Este é o objeto do presente estudo.
Para tanto, no presente trabalho, devemos nos ater aos conceitos de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, até mesmo de interesse geral. O requisito fundamental para que o órgão do Ministério Público possa agir, como se verá, é que os elementos caracterizadores do caso prático se coadunem a um desses conceitos e possuam relevância social. Diante disso, propomos uma análise minuciosa tanto do fenômeno da poluição sonora e a tutela ambiental do ponto de vista dos interesses jurídicos legitimadores da ação ministerial.
Cabe aqui esclarecer que o trabalho foi coordenado e contou com a participação do Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital Daniel R. Fink, o qual procurou apenas incentivar o espírito de pesquisa dos estagiários, intervindo apenas para evitar posições injurídicas e orientá-los na redação forense. Procurou-se, assim, manter o trabalho que estagiário realizou, com algumas pequenas modificações que foram frutos dos debates que se travaram a respeito do tema.
O resultado, é bem possível não se trate de um primor de obra jurídica, mas cumpriu a finalidade de, ao mesmo tempo em que se enfrentou um tema útil aos trabalhos da Promotoria de Justiça – poluição sonora -, deu oportunidade aos estagiários da Promotoria de exercitar a pesquisa jurídica e redação.
Os demais Promotores de Justiça integrantes da Promotoria tiveram a gentileza de inteirar-se das versões finais do trabalho e incorporaram sugestões que foram muito úteis à compreensão e esclarecimento do tema em estudo.
II – Poluição e Poluição Sonora – conceito
Ao buscarmos precisar o conceito de poluição percebemos que este é bastante amplo, “abrangendo todos os meios de adulterações do meio-ambiente (solo, água e ar), tornando-o prejudicial à saúde, ao bem-estar das populações, ou alterações que causem dano à flora e à fauna”.
Etmologicamente, poluir – do latim polluere – “é o mesmo que estragar, sujar, corromper, profanar, macular, contaminar”.
O conceito legal de poluição estampado na Lei nº 6.938, de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, afirma, em seu art. 3º, inciso III, ser “poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde , a segurança e o bem estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com padrões ambientais estabelecidos”.
No âmbito do Estado de São Paulo, encontramos a Lei nº 997, de 31 de maio de 1976, a qual considera poluição “a presença, o lançamento ou a liberação nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em decorrência desta Lei, ou que tornem ou possam tornar as águas , o ar ou solo:
I – impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde;
II – inconvenientes ao bem estar público;
III – danosos aos materiais, à fauna e flora;
IV – prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade”.
Como nossa preocupação no presente estudo não é com qualquer tipo de poluição, mas especificamente a poluição sonora, faz-se necessário fixar que som é o fenômeno da ciência natural consistente na emissão de ondas decorrentes da vibração dos corpos em meio elástico. Sonorizar é o ato de produzir som; soar. Sonora é o adjetivo do latim sonoru, que qualifica o substantivo, como aquele que produz ou reforça o som.
O som que aqui nos interessa é aquele capaz de ser percebido pelo ouvido humano, variando na faixa de freqüência de 20 Hertz a 15.000 Hertz.
Como o som é dotado de intensidade (volume), somente se poderá imputar de poluente o som capaz de ser enquadrado em uma das hipóteses legais acima citadas, ou seja, capazes de causar prejuízos à saúde, inconvenientes ao bem estar público e etc.
O som poluente é designado por ruído. Ruído é o conjunto de sons indesejáveis ou provocadores de uma sensação indesejável. Ou ainda, o conjunto de sons fortes, “sons constituídos por grande número de vibrações acústicas com relações de amplitude e fases distribuídas ao acaso”, porém, para o que nos interessa, capaz de produzir incômodo ao bem estar ou malefícios à saúde.
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